CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA PSICOLOGIA!
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A seguinte matéria foi escrita por Michele Muller, publicada pela revista Psique. Portanto, todos os direitos autorais pertence exclusivamente à revista e sua autora, e não devem ser copiados sem a divulgação de seus nomes.
"O ALTO CUSTO DA LIBERDADE"
"De reação normal a certas situações, a ansiedade evoluiu para a doença psíquica mais comum da sociedade. Neste momento surge a questão: O que está nos deixando tão inseguros?"
"Sem uma boa seção de autoajuda, difícil a livraria que sobreviva. A presença de livros com conselhos na lista dos best-sellers é garantida nas últimas décadas. Este ano, três entre os dez mais vendidos no Brasil são de autoajuda (segundo Publishnews), sendo que o campeão da categoria foi o livro de Augusto Cury sobre o problema que o autor considera o 'mal do século': a ansiedade.
O sucesso da publicação era previsível. Ao que tudo indica, estamos, mesmo, precisando de ajuda. O último levantamento da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), com dados entre 2007 e 2010, mostrou que, nesse período, os ansiolíticos da família dos benzodiazepínicos (como Rivotril e Lexopan) eram as drogas controladas mais vendidas no país. E o uso banalizado desses tranquilizantes, que trazem altíssimo risco de dependência e eficácia limitada às duas primeiras semanas de uso, não é um problema exclusivo do brasileiro. Há estudos que mostram que 20% dos americanos consomem esses medicamentos com regularidade, assumindo o risco de sofrer graves sintomas físicos e psíquicos ao largar a medicação, como aumento no nível de ansiedade, insônia, tremores, dores de cabeça, depressão e perdas cognitivas."
"Uma dor de cabeça, quando eventual, pode ser curada com uma aspirina, mas, quando persistente, a solução mais coerente é sempre a investigação da causa. No caso da ansiedade, as origens são muito particulares e diversificadas: podem ter raízes genéticas ou envolver problemas pessoais, traumas de infância, pressão no trabalho, aparecer como sintoma de outro distúrbio ou como efeito de medicação. Mas por se tratar de um problema que, de reação normal a certas situações, evoluiu para a doença psíquica que mais acomete a sociedade ocidental, é possível que as variadas causas individuais sejam sustentadas por uma origem comum, de caráter cultural."
"A ansiedade se caracteriza, biologicamente, pela ativação intensa em uma das regiões mais primitivas do cérebro, a amígdala - responsável pela reação de luta ou fuga. Ou seja, ela é responsável pela geração do medo, fundamental para a sobrevivência de qualquer espécie. Nossa diferença para os animais está no córtex pré-frontal, a parte mais evoluída do cérebro, também envolvida nos momentos de muita ansiedade. Graças a essa região, temos a habilidade de tomar decisões e planejar o futuro. Os animais, portanto, temem o que é real, no presente. Nós, graças à habilidade de imaginarmos o que pode acontecer no futuro, tememos também aquilo que ainda não é, mas que pode se tornar real.
Mais do que isso, a diferença entra a ansiedade e o medo também passa pelo nosso poder - ou pela falta dele - de controlar a própria vida. Um dos ônus de se ter é sempre o medo de perder o que se tem e no caso do controle não é diferente. Quanto mais livres estamos para controlar nosso próprio destino, mais abrimos espaço para a ansiedade. Ela nos torna, portanto, reféns da nossa própria liberdade. Para o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, trata-se de uma espécie de vertigem - a vertigem do livre arbítrio: de se ter, à frente, mais de uma possibilidade.
'Hoje em dia, sobretudo nas democracias capitalistas do Ocidente, temos, talvez, mais possibilidades de escolhas que em qualquer outro momento histórico: somos livres para escolher onde morar, quem namorar ou desposar, que tipo de trabalho buscar, que estilo pessoal adotar', escreve o jornalista Scott Stossel, no ótimo Meus Tempos de Ansiedade, recém-lançado pela Cia. das Letras. São escolhas que nos definem e nos expõem a constantes julgamentos.
Inseridos em uma cultura que insiste que somos quem quisermos ser, que passou a chamar de 'lousers' aqueles que não se enquadram no conceito moderno de sucesso, crescemos com a responsabilidade que pode pesar na mente. Enquanto parte dos livros de autoajuda tem a pretensão de reduzir os níveis de estresse e ansiedade da população, muitos títulos que dividem a mesma seção nas livrarias tornam-se best-sellers convencendo as pessoas de que riqueza, sucesso e popularidade estão ao alcance de todos - uma ideia que a mídia e a publicidade trabalham incansavelmente para propagar.
Inevitavelmente, esse modelo cria expectativas seguidas de frustrações. A sociedade moderna, com sua liberdade de escolhas, tem sua autoestima constantemente golpeada. O filósofo Alain de Botton, autor de Ansiedade de Status, nos lembra que, se acreditarmos que aqueles que estão no topo chegaram lá por mérito, também temos que acreditar que os que não chegaram merecem seu fracasso. A ansiedade, portanto, seria o preço da 'meritocracia'. Segundo ele, nas sociedades em que havia pouca mobilidade social, apesar das injustiças, as pessoas tinham uma grande liberdade: a de não precisar comparar suas conquistas com as de outros mais bem-sucedidos.
É possível que estejamos nos adaptando ao modelo competitivo de sociedade para que logo possamos encontrar formas mais eficazes de lidar com a ansiedade - como saber dosá-la e transformá-la em algo positivo. Afinal, para os filósofos existencialistas, não se trata de uma reação necessariamente negativa ou sem significado. 'Para eles, assim como para psicoterapeutas que resistem reduzir os estados cerebrais à biologia, a ansiedade não é um estado a ser evitado ou medicado e sim o caminho mais verdadeiro para a autodescoberta (...), a via para a autorrealização', cita Stossel. Para o autor - que sofre de várias fobias -, silenciar a ansiedade com medicamentos, sem ouvir o que ela está tentando nos dizer, talvez não seja o meio mais conveniente de alcançarmos o que temos de melhor."
Michele Muller é jornalista com especialização em Neurociência Cognitiva e autora do blog http://neurocienciasesaude.blogspot.com.br/
A matéria acima foi retirada da revista Ciência & Vida PSIQUE - Ano IX - nº 110, págs. 12 e 13. Todos os direitos são reservados exclusivamente à revista PSIQUE e a Editora Escala.
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