ATUALIDADES:
VESTIBULAR E ENEM
A VOLTA DO TERROR
Ataque contra a redação do jornal Charlie Hebdo, em Paris, e a proclamação do califado do Estado Islâmico no Oriente Médio indicam uma nova ofensiva do fundamentalismo
Por: Cláudio Soares
O atentado que teve como alvo a redação do jornal satírico Charlie Hebdo, em Paris, em 7 de janeiro de 2015, trouxe novamente para o interior da Europa o horror e a incerteza provocados por terrorismo. A motivação dos dois homens para o assassinato de 12 pessoas teria sido as charges e artigos publicados no semanário, que ridicularizavam a figura do profeta Maomé e zombavam de fundamentalistas islâmicos (como, de resto, de todas as religiões).
Houve uma reação popular imediata de repúdio às mortes, com 100 mil pessoas, em toda a França, saindo espontaneamente às ruas no próprio dia do atentado. Portando cartazes impressos de forma improvisada, as multidões rapidamente adotaram o lema "Je suis Charlie" ("Eu sou Charlie"), para demonstrar solidariedade aos mortos - ainda mais significativa porque muitos dos que empunhavam os cartazes podem até discordar da linha editorial de Charlie Hebdo, mas defendiam a liberdade de expressão.
RESPOSTA POLÍTICA
Nas cúpulas políticas, também houve uma reação rápida. O presidente socialista François Hollande, que enfrenta dificuldades para pôr em prática seus planos de governo na França, associou-se às manifestações de protesto, além de colocar o peso do aparato de segurança para caçar os terroristas - 80 mil policiais foram atrás dos suspeitos até encontrá-los e matá-los, nas proximidades da capital francesa. A ação de Hollande levou a um súbito aumento de popularidade do governo.
Em 11 de janeiro, quatro dias após as mortes no Charlie Hebdo, uma manifestação gigantesca em Paris, com 1,5 milhão de pessoas, tinha à frente, caminhando de braços dados, mais de 40 chefes de Estado e de governo, das mais variadas posições políticas - de Hollande à chanceler alemã Angela Merkel, do primeiro-ministro de Israel, Benyamin Netanyahu, ao presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. Para muitos analistas, porém, os governantes europeus associados aos Estados Unidos (EUA) no combate a guerrilheiros islâmicos no Oriente Médio, têm também sua parcela de responsabilidade no retorno do terrorismo à França.
Os atiradores que invadiram a redação de Charlie Hebdo foram identificados como os irmãos Said e Chérif Kouachi, franceses de origem argelina. Segundo testemunhas, diziam ser da Al Qaeda no Iêmen, o que foi interpretado como referência à Al Qaeda na Península Arábica (AQPA), o ramo da rede Al Qaeda, criada pelo terroristas Osama bin Laden e responsável pelos atentados de 11 de setembro de 2001 contra os EUA.
No dia seguinte ao atentado, uma policial foi morta a tiros nos subúrbios de Paris. A ação, atribuída a Amédy Coulibaly, francês de família originária do Mali, estaria vinculada ao primeiro ataque. Coulibaly invadiu em 9 de janeiro um mercado de produtos judaicos, na capital francesa, onde fez vários reféns - quatro dos quais matou, segundo a polícia. Num vídeo gravado após o atentado ao Charlie Hebdo e divulgado postumamente, Coulibaly afirmou pertencer ao Estado Islâmico (EI), outra organização terrorista, e disse agir em coordenação com os irmãos Kouachi, que conhecia havia anos. Sua motivação da França na coalizão internacional que combate o EI.
No próprio dia 9, os Kouachi foram cercados pela polícia numa gráfica próxima de Paris. Policiais invadiram ao mesmo tempo a gráfica e o mercado, matando os dois irmãos e Coulibaly.
"GUERRA AO TERROR"
A ação terrorista em Paris foi a mais ampla na Europa desde o atentado ocorrido no sistema de metrô de Londres, em 2005, que fez 52 vítimas, supostamente por obra de uma organização ligada à Al Qaeda. No ano anterior, em Madri, ataques a estações ferroviárias e trens haviam causado a morte de 191 pessoas, em ação atribuída a outro grupo ligado à Al Qaeda.
Os atentados foram executados por indivíduos ligados a organizações fundamentalistas, que buscam justificar sua ação mortífera como respostas à ofensiva militar que os EUA e seus aliados ocidentais fazem nos últimos 25 anos no Oriente Médio e regiões próximas:
- Em 1991, uma ampla coalizão de 30 países, liderada pelo governo norte-americano, invadiu o Iraque, na Guerra do Golfo, e impôs uma série de restrições ao governo iraquiano, como a limitação na exploração do petróleo, principal fonte de riqueza do país, e zonas de exclusão aérea sobre o país.
- Em 2001, após os atentados de 11 de setembro, os EUA invadiram o Afeganistão, na Ásia central, para tentar capturar Osama Bin Laden, que o governo afegane da época, dirigido pelo Taliban, supostamente abrigava. A intervenção se estendeu até 2014, mas não eliminou o conflito entre o governo instalado pelos ocidentais e o Taliban, que se reorganizou.
- Em 2003, EUA e Reino Unido invadiram o Iraque e derrubaram o ditador Saddam Hussein. A alegação era a de que Saddam mantinha armas de destruição em massa. Posteriormente, ficou comprovado que as armas não existiam. A busca pelo controle do petróleo, por parte de multinacionais norte-americanas, é apontada como a motivação dos EUA para o ataque.
As guerras no Afeganistão e no Iraque foram parte da política desenvolvida pelo republicano George W. Bush, presidente dos EUA de 2001 a 2009, em uma ofensiva contra Estados e organizações acusados de patrocinar o terrorismo no mundo. A "guerra ao terror" era o eixo da política de segurança norte-americana, também chamada de Doutrina Bush.
Ao tomar posse como presidente, em 2009, o democrata Barack Obama prometia encerrar essa política, em favor de um relacionamento mais amistoso com os países da região. Faltando menos de dois anos para terminar seu segundo e último mandato, constata-se que Obama manteve várias das diretrizes de seu antecessor. Atualmente, os EUA lideram uma nova coalizão, com mais de 60 governos, desta vez para realizar bombardeios aéreos contra as posições do EI no Iraque e na Síria.
FUNDAMENTALISMO CRESCE
Um dos efeitos da política de "guerra ao terror" foi o crescimento, entre as populações do Oriente Médio, de um sentimento generalizado contra os EUA. Muitos analistas avaliam que a política agressiva norte-americana é um dos principais fatores para o aumento da influência na região de grupos fundamentalistas islâmicos, já que, para muitos habitantes dos países atingidos, os grupos radicais são vistos como principais opositores à intervenção estrangeira em suas terras.
Adeptos da jihad, termo que pode ser traduzido como "guerra santa", esses grupos alimentam-se de uma radicalização, particularmente entre os mais jovens. Sua interpretação do islamismo, no entanto, não é endossada pela maioria dos islâmicos ou das autoridades religiosas do Islã.
Os grupos conseguem atrair grande número de adeptos até mesmo em países da Europa. Muitos são filhos de imigrantes vindos do Oriente Médio ou da África e nascidos em países europeus. A adesão à jihad, de acordo com especialistas, tem motivação múltipla, que mescla a indignação contra ações ocidentais em países de maioria islâmica e outros fatores, como a própria situação social da juventude. Nos países europeus, esses jovens sentem-se vítimas de racismo e xenofobia e estão frequentemente envolvidos em criminalidade. Seu ingresso em organizações terroristas é visto como um meio de expressar a revolta contra o Ocidente, que não os acolhe.
Uma porta-voz da AQPA assumiu a autoria e a preparação do atentado em Paris, mas há dúvidas quanto a isso, uma vez que Coulibaly dizia pertencer ao EI, grupo rival da AQPA. Uma emissora de rádio do EI chamou os autores do ataque de "heróis".
Especulou-se, então, que a ação contra o Charlie Hebdo poderia ter sido a primeira atividade conjunta das duas organizações. Analistas avaliam, porém, que o mais provável é que, na base desses grupos, os jihadistas deem menos importância às diferenças existentes entre as duas cúpulas, e se disponham a atuar juntos, o que não significa que estejam necessariamente seguindo uma orientação conjunta superior.
As duas organizações seguem táticas de atuação distintas. Enquanto a Al Qaeda espalha células em vários países e organiza ataques terroristas pontuais contra inimigos distantes, nos países do Ocidente, o EI busca aglutinar combatentes num território que conquistou, no Oriente Médio, e chama os islâmicos de todo o mundo a jurar obediência a seu califado.
AMEAÇA QUE SE MANTÉM
A edição de Charlie Hebdo publicada logo após o atentado atingiu a tiragem recorde de 7 milhões de exemplares - quase 120 vezes mais do que as habituais 60 mil cópias. A capa do novo número continha uma ilustração de Maomé segurando o cartaz com a frase "Je suis Charlie". Ao continuar publicando desenhos que representam Maomé (o que para muitos islâmicos é, por si só, uma blasfêmia), o jornal atraiu novamente a ira de seguidores do Islã.
Em uma dezena de países, na África e no Oriente Médio, houve atos públicos de protesto contra o semanário. As manifestações podem ser interpretadas também como expressão de revolta contra a situação de pobreza desses países e a interferência armada das potências ocidentais em suas regiões.
Os países da Europa intensificaram a segurança contra possíveis ações terroristas depois do atentado em Paris. Medidas de segurança foram adotadas em diversos países da Europa. Ministros responsáveis por áreas de segurança e chefes de polícia europeus estimam que o número de jihadistas que vivem e circulam pelo continente estejam entre 2.500 e 5.000 pessoas.
Em fevereiro, na Dinamarca, houve mais uma ação terrorista, quando um homem matou duas pessoas, em ataques diferentes. O primeiro deles em um centro cultural em que se debatia justamente a relação entre arte, liberdade de expressão e blasfêmia. O acusado dos crimes, identificado como um jovem dinamarquês que havia saído da prisão duas semanas antes, foi perseguido e morto pela polícia. O terror se mantém como ameaça na Europa, e de uma forma particularmente terrível: por meio de ações individuais de jovens radicalizados, um segmento da população difícil de ser monitorado.
SAIU NA IMPRENSA
NOVOS DESAFIOS PARA CHARLIE
Claudius Ceccon, arquiteto, designer e desenhista de humor
Começando pelo principal: ninguém tem o direito de matar.
"Je suis Charlie" foi a reação emocional, espontânea de milhões de pessoas para dizer não à barbárie, à estupidez. Os sentimentos compartilhados na demonstração massiva reduziram à sua verdadeira dimensão o surfar político de alguns líderes mundiais que marcharam no Boulevard Voltaire, em Paris.
Um genocida forçando sua presença, alguns conhecidos algozes da liberdade em seus países e, hipocritamente, como se nada tivesse a ver com aquilo, os responsáveis pela ordem imposta ao resto do mundo, contrária à liberdade, igualdade e fraternidade ali celebradas. "Vomito neles!", disse Willem, um dos colaboradores do jornal. (...)
O humor do Charlie Hebdo, frequentemente grosseiro, escatológico, de mau gosto, ultrapassa limites, choca. Suas charges (...) cumprem um necessário papel de denúncia. Entretanto, Charlie também erra. Essa arrogância, (...) esse etnocentrismo, (...) tudo isso parece ultrapassado no século em que vivemos. (...)
FOLHA DE S. PAULO, 26/1/2015
NÃO CONFUNDA ISLAMISMO COM TERRORISMO
A enorme maioria dos adeptos da religião islâmica, chamados de islâmicos ou muçulmanos, é constituída por pessoas comuns que professam uma crença religiosa. Por isso, é um erro grave, que tem origem em preconceito religioso ou social, identificar grupos terroristas que dizem agir em nome do islamismo com os hábitos e crenças das populações muçulmanas em geral.
O que é, afinal, o terrorismo? A resposta não é fácil. Pode-se dizer, como definição mínima, que é o uso sistemático de violência para criar um ambiente de medo, com rótulo negativo contra inimigos. Israel, por exemplo, chama de terroristas diversos grupos palestinos, que respondem acusando Israel de praticar terrorismo de Estado.
Historicamente, atos que seriam enquadrados como terroristas foram considerados heroicos atos de resistência, quando corresponderam a uma luta contra a opressão de uma ditadura ou pela libertação nacional. É o caso da Resistência francesa, que lutou contra a ocupação nazista durante a II Guerra Mundial (1939-1945).
O que distingue a rede Al Qaeda e outros grupos fundamentalistas contemporâneos é que seus integrantes consolidaram o uso indiscriminado da violência, sem distinção social, política, de nacionalidade nem de religião. Os ataques em 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, e os que foram feitos posteriormente na Europa, mataram cidadãos comuns de vários países, incluindo árabes e muçulmanos.
Ainda que o fundamentalismo esteja atualmente muito associado aos islâmicos, grupos fundamentalistas existem em todas as religiões. São aqueles que enxergam nos textos sagrados de sua crença a única orientação possível para a organização do Estado e da sociedade. É uma posição obscurantista, que recusa a democracia e se opõe à perspectiva secular adotada desde a Revolução Francesa (1789), quando os negócios de Estado se separaram das convicções religiosas.
Informações retiradas do livro ATUALIDADES: VESTIBULAR + ENEM - 1º Semestre de 2015, págs. 26, 27, 28, 29 e 30.
SUGESTÃO
Separamos um debate sobre o assunto, que irá ajudá-lo a entender melhor o texto lido acima. As imagens são do You Tube e o idioma é o português.
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