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A seguinte matéria foi escrita por Paula Pauli e Nathalia Watkins, publicada pela revista Veja em 14 de outubro de 2015. Portanto, todos os direitos autorais pertencem exclusivamente à revista e a autora, e não devem ser copiados sem a divulgação de seus nomes.


"SEM MEDO DE SE ABRIR"
"O acordo comercial assinado por doze países do Pacífico é uma ótima notícia para a economia mundial. Já o Brasil, preso ao Mercosul, perderá ainda mais mercados"


"Os fluxos de refugiados, as ameaças terroristas e as crises econômicas provocaram reações nacionalistas e protecionalistas em todo o mundo. A tendência de muitos governos tem sido construir barreiras para fechar-se dentro de suas fronteiras. Diante disso, a notícia da criação do maior acordo comercial dos últimos vinte anos deve ser ainda mais festejada. Na segunda-feira 5, em Atlanta (cidade de dois ícones globais americanos, a CNN e a Coca-cola), doze países com litoral no Oceano Pacífico assinaram a Parceria Transpacífica (Tans-Pacific Partnership, ou TPP, na sigla em inglês), que reduziu as tarifas comerciais e também unificou padrões para exportação, regras para investimentos, exigências ambientais e normas trabalhistas. Seus signatários reúnem um mercado de 800 milhões de pessoas. Eles representam 10% da população mundial mas, juntos, somam quase 40% do PIB global. Ao abrirem suas fronteiras para os produtos dos demais membros e diversificarem os destinos para seus produtos, aumentam as chances de progredir e ficam menos vulneráveis a turbulências externas. 'Uma das principais medidas do sucesso de um país hoje é a quantidade de tratados de livre-comércio que ele tem', diz o analista americano Peter Hakim, presidente do Instituto de análise política Inter-American Dialogue, em Washington. 'Os que se esforçam para promover o intercâmbio global têm se tornado mais fortes, enquanto os que se isolam ficam mais frágeis'."



"Os trinta capítulos do tratado foram negociados ao longo de dez anos e permanecem em segredo. Suas cláusulas agora deverão ser submetidas à análise do Congresso e de instituições de cada país. Não há previsão para a TPP entrar em vigor. Quando isso finalmente acontecer, cerca de 18 000 tarifas externas americanas poderão ser eliminadas. Contudo, seus efeitos deverão ser sentidos mesmo antes, já que multinacionais tendem a privilégios a construção de fábricas em países que faça, parte do acordo. Elas planejarão seus investimentos levando em conta, por exemplo, que o açúcar produzido na Austrália e o café do Vietnã chegarão mais baratos aos supermercados dos Estados Unidos do que bens vindos de outros lugares. 'Para os países em desenvolvimento que ficaram de fora do tratado haverá certamente um desvio de comércio e uma perda de futuros negócios', diz o economista australiano Peter Drysdale, da Universidade Nacional da Austrália, em Canberra. A consequência para o Brasil será claramente negativa. Um quarto de tudo o que o país exporta vai para os países do TPP. Um dos setores mais afeados será o de carnes. 'Em vez de concretizarem acordos com os Estados Unidos e com a União Europeia, nossos governantes só têm fechado tratados com países com pouca população e baixo poder de consumo', diz Mário Lanznaster, presidente da empresa alimentícia catarinense Aurora, que emprega 26 000 pessoas. 'Em dois anos, com a TPP, teremos dificuldade até de exportar frango'."



"O maior impacto, no entanto, não virá da eliminação das tarifas, mas da simplificação dos negócios. 'A grande novidade é que a TPP estabelece novas regras para o comércio entre os países, como a diminuição da burocracia portuária e as padronizações nos trâmites de importação e exportação', diz o economista Lucas Ferraz, da Fundação Getúlio Vargas, que fez um estudo avaliando as consequências da TPP e do acordo que está sendo negociado entre os Estados Unidos e a Europa, a TTIP (sigla em inglês para Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento). Segundo a pesquisa, haverá uma retração de 2,9% nas exportações de industrializados e de 5% nas de produtos de agronegócio brasileiros.
Em 25 anos, o único acordo de livre-comércio significativo firmado pelo Brasil foi o Mercosul. Nesse mesmo período, aproximadamente 400 acordos foram assinados pelo mundo. A culpa da paralisia nacional já foi em parte jogada nas costas dos outros membros dessa união aduaneira. As conversas para um acordo com a União Europeia prolongam-se há dezesseis anos e, quando parecem estar progredindo, a Argentina cria impedimentos. O Brasil até poderia seguir sozinho, mas não o faz. O que orienta a política comercial brasileira é a aproximação ideológica com governantes bolivarianos. Inicialmente formado por quatro membros, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o Mercosul trouxe para dentro a Venezuela e a Bolívia. Na semana passada, o vice-presidente da Bolívia, Álvaro Garcia Linera, cuja família é investigada por narcotráfico nos Estados Unidos, anunciou que bloqueará qualquer tentativa de integração entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, Colômbia e México, enquanto seu país não tiver uma saída para o mar. O caso mostra que, para os caudihistas latino-americano, a economia está a serviço da política. 'O Mercosul parou no tempo e tornou-se um um bloco puramente político', diz a coordenadora de relações internacionais da Confederação Nacional da Agricultura, Alinne Betânia Oliveira. Sem buscar a camaradagem ideológica, a TPP sai na frente. O acordo da semana passada reúne os Estados tão diferentes quanto a democracia dos Estados Unidos, a ditadura comunista do Vietnã e a monarquia de Brunei."



"Enquanto não se livrar das amarras ideológicas, o Brasil ficará limitado a ter como principal parceiro comercial a China, que se manteve alheia à TPP mas pode integrá-la um dia. Sem resolver problemas estruturais e com medo de se aventurar em mercados competitivos, o Brasil viu suas exportações de bens industrializados perder espaço e focou suas exportações em commodities para a China. Com isso, ficou mais suscetível às oscilações do gigante asiático. Desde 2012, o crescimento chinês caiu em dois pontos percentuais (de 9% para 7%), o que reduziu o preço das matérias-primas vendidas pelo Brasil. Na primeira metade do ano, as exportações brasileiras para a China diminuíram 22,6%. Entre 2015 e 2016, a desaceleração chinesa deve encolher a variação do PIB brasileiro, já negativa, em mais 0,3%. Até o fim do ano, a economia brasileira cairá da sétima para a nona posição, sendo ultrapassada pela Índia e pela Itália. O custo da opção pelo atraso não será baixo."



A matéria acima foi retirada da revista Veja, 2 447 - Ano 48 - nº 41, págs. 68, 69, 70 e 71. 14 de outubro de 2015. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista Veja e a Editora Abril.



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