WILLIAM MACASKILL EM A MELHOR MANEIRA DE AJUDAR
Na edição desta semana, 4 de novembro, a colunista Mariana Barros da revista Veja, entrevistou o professor da Universidade de Oxford, William MacAskill. Ele, autor de um estudo que comprova que nem todos os programas sociais são eficiêntes e por isso, afirma que prioritário mesmo é erradicar a pobreza. Por quê? MacAskill diz o seguinte: "O dinheiro destinado a países pobres ou a ONGs que lá trabalham pode acabar por sustentar regimes corruptos. A transparência é fundamental." E mais, ainda conta que o dinheiro melhor investido é aquele em que as Organizações demonstram com transparência seus gastos, e destinam pelo menos 75% das doações na causa da qual pedem as doações. Ainda explica que, as causas menos vinculadas à mídia, diferentemente das tragédias quase sempre noticiadas a todo momento, são um investimento que oferece melhor resultados. Por isso, saiba através da entrevista a seguir, aonde deverá aplicar suas doações. A divulgação prioriza apenas, compartilhar as informações e garantir acesso ao conhecimento para o público em geral. O Conhecimento Cerebral respeita qualquer tipo de opinião e por isso, não é a favor de qualquer tipo de plágio. Ainda incentivamos o apoio a qualquer veículo de comunicação, desde que trabalhe e priorize a elaboração de informações úteis e verdadeiras.
Por: Mariana Barros
"No ano passado, mais de 17 milhões de pessoas, entre elas bilionários e celebridades, fizeram o 'desafio do balde de gelo', em que convocaram conhecidos para que se autoinfligissem um banho de água fria ou doassem dinheiro a pesquisas sobre esclerose lateral amiotrófica. A maioria fez as duas coisas, dando publicidade global do combate à doença. O filósofo William MacAskill, 28 anos, foi uma das poucas vozes contrárias à onda. Segundo ele, o dinheiro doado àquela campanha salvaria muito mais vidas se fosse empregado em outras frentes, como o combate à malária em países pobres. MacAskill se esforça para difundir a ideia de que a melhor forma de fazer o bem não é agir por afeto, impulso ou boa vontade, mas com base em estudos científicos, o que ele chama de 'altruísmo eficiente'. Professor associado da Universidade Oxford e cofundador das ONGs Giving What We Can e 80 000 Hours, que juntas obtiveram mais de 400 milhões de dólares em doações, ele prioriza as diferentes iniciativas de acordo com resultados práticos que conseguem alcançar. Seus dados e argumentos distinguem programas que salvam vidas daqueles que só servem, em última análise, para aliviar a culpa de quem doa. Segundo MacAskill, o combate à extrema pobreza deve ser prioridade, pois ela está na raiz de outros problemas, como falta de saúde ou educação. Ele falou a VEJA de Londres."
Mariana Barros (VEJA): "Se tivéssemos de escolher uma única causa a nos dedicar e contribuir, qual seria?
William MacAskill: "A erradicação da pobreza, pois ela está na raiz da maioria dos nossos problemas. Na África Subsaariana, muitos vivem com menos de 1, 50 dólar por dia. Quando a gente tenta entender como essas pessoas vivem com tão pouco, a verdade é que não vivem. Morrem muito antes e com maior frequência do quem mora em países ricos. Um africano vive até os 56 anos. Um americano, até os 78 anos."
Mariana Barros (VEJA): "O escocês Angus Deaton, vencedor do Nobel de Economia deste ano, afirma que o dinheiro dos programas de ajuda extrema a países pobres é prejudicial porque não fortalece as instituições, perpetuando as mazelas. O senhor concorda?"
William MacAskill: "É algo complexo. Talvez seja verdadeiro em relação a algumas instituições de nações em desenvolvimento, mas não à caridade em geral. O dinheiro destinado a países pobres ou a ONGs desses locais pode acabar por sustentar regimes corruptos: no entanto, o ponto central das minhas análises é que a eficiência das instituições varia muito. Um estudo americano David Anderson mostra que esses programas, em sua maioria, não são avaliados. E, dos que são, 75% surtem pouco ou nenhum efeito. Mas é possível identificar as ONGs sérias. As instituições mais confiáveis expõem quanto gastam na área administrativa, qual o salário do diretor e qual o porcentual de doações que de fato será aplicado nos programas - o ideal é que pelo menos 75% do total seja investido diretamente nisso e o restante no custeio. A transparência é fundamental para a eficiência dos projetos."
Mariana Barros (VEJA): "Qualquer ajuda é melhor do que nenhuma ajuda?"
William MacAskill: "Sim. Algumas formas de ajudar, porém, permitem fazer um bem muito maior do que outras. Se você escolher pagar por uniformes para as crianças do Quênia, estatisticamente isso surtirá efeito na educação dessa crianças. No entanto, se você colaborar em programas que combatem as infecções intestinais causadas por parasitas, poderá reduzir em 25% a abstenção dos estudantes quenianos e assim contribuir muito mais para a educação. Isso já foi feito. Cada dia que uma criança passa na escola livre dos vermes que a fariam ficar em casa sai por 5 centavos de livra (30 centavos de real). A relação entre o custo e o benefício é a melhor possível."
Mariana Barros (VEJA): "O senhor recomenda não dar dinheiro a pedintes com a justificativa de que não são os que mais necessitam de ajuda. Quem são, então?"
William MacAskill: "Uma pessoa que vive abaixo da linha de pobreza nos Estados Unidos ganha 11000 dólares por ano, o que a torna mais rica do que 85% da população mundial. Os 20% mais pobres do mundo, ou 1,22 bilhão de pessoas, vivem com menos de 1,50 dólar por dia. Se você leu o meu livro, posso estimar que faça parte dos 10% mais ricos do mundo. Portanto, deveria tentar ajudar os 20% mais pobres, que estão em países como Etiópia e índia ou, no caso do Brasil, em locais bem mais ermos do que as avenidas das grandes cidades. Assim, seria mais eficiente doar a abrigos que possam cuidar dos sem-teto."
Mariana Barros (VEJA): "Qual é o maior exemplo de sucesso nessa área?"
William MacAskill: "O programa que levou à erradicação da varíola, em 1977. Essa doença matou mais de 300 milhões de pessoas apenas no século XX. É mais gente do que o total de vítimas de todas as guerras, atentados e genocídios das últimas décadas. Se somarmos os mortos nos genocídio do Camboja e de Ruanda, nas guerras do Congo, nos atentados de 11 de setembro e nas guerras do Afeganistão e do Iraque, teremos cerca de 12 milhões de vítimas. Por ano, a varíola matou até 3 milhões de pessoas. Desde que deixou de existir, há quarenta anos, foram poupados de 60 milhões a 120 milhões de vidas. É mais gente do que seria possível salvar se tivéssemos conseguido a paz mundial no mesmo período."
Mariana Barros (VEJA): "O senhor diz que investir no combate à malária tem um impacto muito maior do que destinar dinheiro à luta contra o câncer. Por quê?"
William MacAskill: "A cada ano, 7,6% das mortes por doenças no mundo são causadas por câncer, um total de 8,2 milhões de vítimas. O investimento no combate a essa doença é de 217 bilhões de dólares. Já a malária tem um impacto menor: ela é responsável por 3,3% dos óbitos por doença, ou seja, um pouco menos que a metade das mortes por câncer. Se a luta contra a malária recebesse proporcionalmente os mesmos recursos que a batalha contra o câncer, seriam cerca de 100 bilhões de dólares por ano. Mas a verdade é que apenas 1,6 bilhão de dólares são gastos com malária por ano. Isso acontece porque só os países pobres sofrem com a malária. Nesse sentido, programas contra a malária podem beneficiar mais gente e ser mais eficientes do que o dinheiro investido contra o câncer."
Mariana Barros (VEJA): "O senhor também defende a tese de que não devemos dar dinheiro a vítimas de desastres. Por quê?"
William MacAskill: "Existe algo que os economistas chamam de 'lei dos retornos declinantes', que explica por que faz muito mais sentido doar às melhores entidades de caridade que lutam contra à pobreza do que doar a vítimas de um desastre. É como um bolo. A primeira fatia é ótima, mas lá pela terceira você já está um pouco enjoado. Ou seja, a depender da quantidade, tem muito menos utilidade. Quanto mais atenção da mídia uma causa recebe, mais vultosas serão as doações. Seguindo essa lógica, o ideal é optar pelas causas que passam batido no noticiário."
Mariana Barros (VEJA): "Devemos ficar de braços cruzados diante de tragédias?"
William MacAskill: "Depende de qual tragédia você está falando. Para traçar uma comparação, cada vítima do terremoto do Japão recebeu, via organizações internacionais, 330 000 dólares de doações. E cada pessoa que morre de causas decorrentes da pobreza equivale a 15 000 dólares em doações. O terremoto do Japão matou 15 000 pessoas. Mas, a cada dia, 18 000 crianças morrem devido a fatores relacionados à pobreza. É uma tragédia muito maior. A eficiência da doação passa por considerar em que situação seu dinheiro vai valer mais, e não em contribuir para o que chama mais a sua atenção."
Mariana Barros (VEJA): "Ajudar os outros é algo essencialmente bom ou há algum aspecto negativo?"
William MacAskill: "Se a ajuda for efetiva, é claro que é bom. Mas não é regra. Psicólogos descobriram um fenômeno chamado 'licença moral', de acordo com a qual as pessoas que fazem uma boa ação frequentemente compensam isso depois, chegando a ponto de praticar ações condenáveis. Um experimento com pessoas que compraram produtos 'verdes', que não agridem o meio ambiente, revelou que, após adquirirem esses itens, elas se mostravam mais propensas a mentir e até furtar dinheiro."
Mariana Barros (VEJA): "Por essa lógica, também há quem ajude os outros apenas como forma de aliviar a culpa?"
William MacAskill: "Ah, sim. Quando as pessoas agem movidas pela culpa, não se importam com o destino da doação. O que quer dizer que aconteça com aquele dinheiro, elas já se sentirão bem pelo simples fato de tê-lo passado adiante. É como entrar em um shopping e comprar alguma coisa apenas para se sentir melhor."
Mariana Barros (VEJA): "Como assim?"
William MacAskill: "Imagine entrar em uma loja onde todos os produtos estão sem preço. Você informa ao vendedor quanto quer gastar e ele lhe entrega uma seleção de itens feita da cabeça dele. E você leva aquilo para casa sem saber direito o que está levando. É isso que acontece com a caridade. Com a diferença de que, em vez de comprar para você, está comprando para terceiros."
Mariana Barros (VEJA): "Como podemos ter certeza de que o dinheiro que doamos será bem empregado?"
William MacAskill: "Procure saber quais são os programas financiados por aquela instituição e como ela realmente trabalha. Analise o custo dos resultados obtidos, ou seja, a relação entre o investimento feito e a eficácia do programa. Pesquise quais são as evidências que comprovam que aquele programa é o melhor possível para determinado problema. Verifique como ele é implementado e se os responsáveis já tiveram sucesso em outras áreas. Por fim, questione se a instituição depende de investimentos adicionais para obter resultados e por que não conseguiu doações suficientes para custear tudo."
Mariana Barros (VEJA): "Boicotar produtos de grandes confecções que explorem mão de obra barata é uma maneira eficiente de fazer o bem?"
William MacAskill: "As condições de trabalho que esses locais oferecem são horríveis. Mas o que eles revelam é a extrema pobreza. Se você boicotá-los, tirará daquelas pessoas a melhor oportunidade de emprego que elas poderiam ter. Eu tenho dúvidas quanto à eficácia desse tipo de boicote."
Mariana Barros (VEJA): "Além da falta de transparência, as ONGs cometem erros estratégicos?"
William MacAskill: "Muitos. É comum os programas partirem de pressupostos que não se firmam. Nos anos 1990, o sul-africano Trevor Field criou uma bomba para extrair água do subsolo. Muitas bombas na África funcionam como energia eólica, o que faz com que os moradores dependam do vento para pegar água. Já a invenção de Field, batizada de PlayPump, tinha a forma de um gira-gira e convidava as crianças a brincar ali e, assim, obter a energia necessária para extrair água. Parecia genial. Nos anos 2000, ela foi escolhida pelo Banco Mundial como a criação mais inovadora do ano, entre 3 000 concorrentes. O sucesso rendeu show beneficente do rapper Jay Z, além de um prêmio de 16,4 milhões de dólares, concedido pela então dama americana Laura Bush e pelo ex-presidente Bill Clinton. Foi quando a Unicef e a Skat, uma importante organização suíça, começaram a divulgar relatórios sobre casos de crianças com membros quebrados, porque, depois das primeiras voltas, a estrutura continuava girando sozinha. Os pequenos caíam, vomitavam e ficavam exaustos de tanto girar. Verificou-se que a PlayPump extraía menos água do que as demais bombas e seu uso era considerado degradante pelas mulheres adultas, as principais responsáveis por buscar água. Ou seja, ninguém levou em conta os aspectos práticos da invenção."
Mariana Barros (VEJA): "O marketing social ou ecológico das empresas surte efeito?"
William MacAskill: "Há companhias com uma clara missão social fazendo doações ou adotando políticas benéficas, como oferecer emprego aos mais necessitados. Em outros casos, porém, a tal responsabilidade social das empresas não passa de marketing."
Mariana Barros (VEJA): "Como distinguir quando isso ocorre?"
William MacAskill: "Basta ver o que está sendo financiado. Muitas empresas não investem no que é mais socialmente necessário, e sim naquilo que casa com sua estratégia de marketing. Gastar rios de dinheiro não quer dizer nada, a questão é se elas estão escolhendo projetos que podem fazer diferença na vida das pessoas."
A entrevista acima foi retirada da revista Veja - edição 2 450 - Ano 48 - nº 44, págs. 17, 20 e 21. 04 de novembro de 2015. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista Veja e a Editora Abril.
uma abordagem lúcida sobre como circula o dinheiro doado a caridade.
ResponderExcluirBoa reflexão Roberto. Isso mesmo! É a verdade do dinheiro nua e crua.
ExcluirObrigada por comentar!
uma abordagem lúcida sobre como circula o dinheiro doado a caridade.
ResponderExcluirHá um site no Brasil que propõe a criação de uma comunidade exatamente para essas questões. O site está no ar desde 2008, algumas pessoas parabenizam, mas nenhuma ainda se dispôs a participar. Para encontrar o site, basta digitar no google um dos princípios fundamentais da proposta: "tratar mais a cabeça do que o estômago".
ResponderExcluirO site tem, logo no começo, um tópico bem mais próximo ao que propõe o Filósofo americano. A frase também pode ser pesquisada pelo google pra se chegar ao site: "compreender bem o bem".
ResponderExcluir"Compreender bem o bem" (vide google) "A "necessidade da esmola" aqui é entendida como algo resultante de dois tipos de atitudes complementares.
ResponderExcluirDe um lado, a necessidade de enfrentar o peso de uma culpa ligada ao sucesso pessoal (em qualquer escala), quem sabe em busca do "direito" à tranquilidade da consciência; ou mesmo a necessidade da afirmação de valores como a solidariedade, o amor, o bem comum. Este é quem adota a atitude de dar a esmola como regra. Do outro lado, a atitude de pedir esmolas atende à necessidades psicológicas mais complexas, talvez associadas à uma resposta pouco esclarecida à uma séria crise da auto estima."