CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA SAÚDE!



"TER UM BICHO FAZ BEM À SAÚDE"
"Os animais de estimação reinam nos lares brasileiros. E que bom! Surgem evidências de que, além da amizade e do carinho, o convívio com eles traz ganhos palpáveis à saúde"



Por: Sívia Lisboa
        Letícia Raposo (design)
        
"Médicos, cientistas e companhia estão à caça de uma nova (e certeira) tática para domar o boom de doenças cardiovasculares. É uma busca preocupante: infartos e derrames figuram hoje como a principal causa de morte no mundo. A receita para prevenir o entupimento das artérias, você deve saber, passa por alimentação balanceada, atividade física, controle do estresse...Na teoria, muito simples. Na prática, outros quinhentos. Ciente de que mudar o estilo de vida é, para a maioria das pessoas, uma missão hercúlea, a Associação do Coração (AHA, na sigla em inglês) decidiu vasculhar outras estratégias capazes de viabilizar esse plano de contenção. E, após vasta pesquisa, chegou a um aliado inusitado. Ele é peludo, tem quatro patas e, às vezes, dá aquele olhar pidão.
O documento publicado pela AHA atesta categoricamente: ter um bicho de estimação, em especial um cachorro, reduz a probabilidade de sofrer um piripaque cardíaco. 'Na última década, travamos conhecimento de diversos estudos associando os pets a um menor risco cardiovascular', declara o cardiologista Glenn Levin, autor da revisão científica que embasa a entidade. Um desses trabalhos, feito na Austrália, analisou 5 741 pessoas e detectou que os donos de animais apresentam níveis de pressão arterial e gordura no sangue significativamente mais baixos do que os sujeitos sem um bicho em casa.
Outras pesquisas, que sedimentam a declaração da AHA, ajudam a entender achados como esse. Elas revelam que ter um cão nos deixa menos sedentários, por exemplo. Brincar e passear com o amigo quadrúpede torna as pessoas até 70% mais propensas a bater a meta recomendada de exercícios - no mínimo meia hora por dia, cinco vezes por semana. Já faz diferença para afugentar ameaças aos vasos sanguíneos, como colesterol alto e hipertenção.
Um levantamento australiano apurou que os passeios em volta do quarterão acrescentam dez minutos ao tempo semanal de caminhadas. Parece pouco, mas ajuda a tirar o organismo da zona de conforto sedentário. Outro estudo, este da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, descobriu que os cães acabam com a desculpa de não andar pelas ruas porque espantam inclusive a sensação de insegurança (claro que o porte conta alguns pontos aqui). Aí, com a coleira na mão, aumentam as chances de o dono se safar também dos quilos extras.
Mas as vantagens não se restringem ao incentivo para hábitos saudáveis. A convivência afasta a solidão, reduz a tensão e injeta felicidade. Bastam 20 minutos de interação com o mascote - cachorro, gato, papagaio... - para uma cascata de neurotransmissores e hormônios inundar nosso corpo. Testes feitos pelo zoólogo sul-africano Johannes Odendaal registraram aumento na liberação de dopamina e endorfina (prazer), ocitocina (afeto) e feniletilamina (um antidepressivo natural). 'São substâncias que contribuem para baixar o estresse e a pressão, importantes fatores de risco para o coração)', diz o cirurgião cardíaco Eduardo Keller Saadi, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul."


"É lógico que ninguém propõe correr para a feira de filhotes com o único intuito de prevenir um infarto. O apego e o envolvimento com o bicho têm de ser legítimos - inclusive porque há toda uma rotina de cuidados com ele. Se isso ocorre de maneira natural, os dois são presenteados com um pacote generoso de bem-estar. Que o diga uma pesquisa da Univerdade de Miami, em solo americano, que esmiuçou, por meio de questionários, a personalidade, o comportamento e os hábitos de 217 pessoas. A surpresa veio quando as respostas foram analisadas pelo seguinte critério: ser dono ou não de um pet. A primeira turma tinha autoestima mais elevada e lidava melhor com as preocupações cotidianas.
Mas não é necessariamente uma cabeça zen que se traduz num coração protegido. 'O convívio com animais propícia uma maior variação na frequência cardíaca', conta Saadi. E essa alternância no ritmo de batimentos - mais pausada quando ficamos fazendo um cafuné no bicho no sofá, mais acelerada ao brincar com ele - já está relacionada a um menor risco de sustos ao peito. Parece que o coração não curte a mesmice e se fortalece com a mudança de estímulos.
Isso ajuda a explicar o papel positivo dos animais até quando o pior acontece e o sujeito infarta. Uma equipe da Universidade Cidade de Nova York acompanhou 369 americanos vítimas de ataque cardíaco e constatou que o índice de mortalidade foi quatro vezes maior entre os indivíduos que não moravam com um pet. A hipótese é que a relação com um mascote tenha uma repercussão direta na resposta do organismo a um estresse profundo - no caso, o infarto.
Um experimento de outra universidade americana, a de Buffalo, reforça essa ideia: os animais auxiliam a vencer o nervosismo após eventos que fazem a gente perder o chão. E, em algumas circunstâncias, o efeito da presença deles supera até o de medicamentos. No estudo, remédios para controlar a pressão foram testados em pessoas com ou sem um pet no lar. Em situações de muito estresse, as drogas em si se mostraram inócuas nos dois grupos. E é aí que o bicho pegou: os especialistas observaram que os donos de animais conseguiram obter um melhor controle da pressão pelo mero fato de tê-los ao lado em momentos ruins."


"O MELHOR AMIGO DA IMUNIDADE?"

"Estão surgindo pistas de que a convivência com bichos também deixa nosso sistema de defesa esperto - e essa influência, claro, seria mais impactante na infância. Diferentemente do que já se imaginou, a companhia de cães e gatos não eleva o risco de alergias em si, inclusive protegeria crianças pequenas de infecções. 'A imunidade se desenvolve mais precocemente quando se tem contato com os animais', explica Luiz Fernando Jobim, chefe do Setor de Imunologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. É como se pelos, lambidas e as bactérias que pegam carona nelas treinassem nossas células para atacar o que, de fato, é perigoso.
Prova desse efeito vem de um trabalho do hospital americano Henry Ford, que monitorou 565 pessoas do nascimento aos 18 anos. Nesse meio-tempo, os cientistas colheram amostras de sangue e compararam a incidência de alergias. Primeira conclusão: não houve aumento de crises em indivíduos que viviam com animais desde cedo. Segunda conclusão: pessoas que, quando pequenas, foram criadas com um cão ou gato apresentaram um risco 50% menor de virarem alérgicas.
Uma investigação realizada lá na Finlândia e focada em bebês aponta que aqueles expostos a pets correm uma probabilidade 30% menor de desenvolver infecções respiratórias. Segundo Jobim, os pais não precisam temer tanto as alergias, a menos que a criança já tenha um histórico de reações do gênero. 'Mas é importante lembrar que os pelos dos animais são como um tapete, capaz de juntar ácaros, os maiores vilões nesses casos', alerta. Então já sabe: tem que manter a casa limpa, e os bichos com o banho em dia."


"A paixão pelos animais é tamanha que cientistas estão tentando decifrar a tendência atual de optar por ter mais bichos de estimação do que filhos - algo que, como mostra o IBGE, já acontece no país. O fato é que, embora os motivos que levam as pessoas a adotar um labrador, um coelho ou um canário nem sempre sejam os mesmos, nossa atração por outras espécies tem razões biológicas e sociais, forjadas em milênios de convívio. Recentemente, um grupo de estudiosos suecos revelou que os cães foram domesticados entre 27 e 40 mil anos atrás. Sim, é uma troca de favores (eu lhe dou abrigo, você me dá proteção) muito antiga e que foi passada de geração. As razões dessa amizade mudaram, mas permanece o apego hereditário por cachorros - e, com o tempo, por outros membros da fauna."


"Aliás, a própria reação dos bebês diante dos pets atesta quão inato é esse apego. A psicóloga Vanessa LoBue e colegas da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, conduziram, em 2013, um experimento para testar se crianças de 1 a 3 anos preferiam brincar com bichos de pelúcia ou animais de verdade. Não deu outra: os pequenos gostam mesmo é de interagir com os tipos de carne, osso e sentimentos."


"Na cabeça dos adultos, os bichos ganham realmente um status de crianças eternas, como comprovou um trabalho do Hospital Geral de Massachusetts, também em terra americana. Quatorze mães (no sentido literal) foram submetidas a exames de ressonância do crânio enquanto olhavam para fotos de seus filhos e de seus cãezinhos. A atividade cerebral evocada pelas imagens era semelhante nos dois casos, indicando que o intuito materno é estendido aos animais. 'Ouvir o ronronar de um gato ou acariciar um bicho por cerca de 20 minutos também ativa a liberação de prolactina, hormônio ligado ao prazer e à produção de leite', relata a psicóloga e pet terapeuta Karina Schultz, de Porto Alegre. Dá até pra entender aquele tratamento à base do 'Vem aqui com a mamãe', né?"


"Bichos são mais que bons companheiros. Muitos já ganharam o título de terapeutas. O potencial de cavalos, cães, gatos, coelhos e pássaros como coadjuvantes na reabilitação de pacientes é um foco crescente de estudos e experiências em hospitais. O geriatra Renato Guimarães implementou na Universidade de Brasília há mais de uma década um projeto pioneiro com cães e portadores de Alzheimer. 'O contato com o animal ajuda a recuperar sentimentos perdidos', observa. 'Um dos pacientes voltou inclusive a cuidar do cãozinho que ele tinha em casa', conta. É um treinamento cognitivo movido a afagos e lambidas.
Já a ONG americana Dogs4Diabetics adestra cachorros para reconhecer crises de hipoglicemia em donos diabéticos. As quedas no nível do açúcar no sangue provocam tremor, suor frio e taquicardia, mas podem evoluir para convulsão, perda de consciência e morte. Os animais aprendem a identificar os primeiros sinais e acenar, com latidos, para o proprietário. 'Treinamos nossos cães para alcançar pelo menos 80% de eficácia nos alertas', diz Ralph Hendrix, vice-presidente da ONG. Para o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Cauri, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, só é preciso ter em mente que, em metade dos episódios de hipoglicemia, o sujeito não sente nada. 'Por isso os cães não podem substituir o monitoramento constante com os aparelhos de medir glicose', ressalva."


"Os bichos vêm circulando por corredores de hospitais do Brasil e do mundo - como visitantes e coterapeutas. Na capital paulista, o Hospital Israelita Albert Einstein autoriza a visita de animais de estimação aos seus donos internados após autorização do médico e avaliação prévia do pet. A entidade diz que a iniciativa tem contribuído para reduzir o tempo e internação. No Hospital Infantil Sabará, também em São Paulo, cães treinados acompanhados de um instrutor entram nos quartos e salas para animar as crianças uma vez por semana. A tristeza e o medo cedem lugar a sorrisos. 'Depois que os cães passam, elas aceitam melhor os procedimentos que as afligem', conta a enfermeira Flávia José Russo, coordenadora do grupo de humanização do Sabará. 'E assim o hospital se torna um ambiente menos hostil', completa.
A terapia assistida por animais beneficia especialmente crianças com paralisia cerebral e distúrbios psiquiátricos. E, nesse ponto, merecem medalha de ouro os cavalos. Após a Primeira Guerra Mundial, médicos perceberam que, ao trocar em equinos, ex-soldados lesionados pelas batalhas se recuperavam mais depressa. 'Hoje sabemos que isso se deve ao fato de o trote do cavalo ser similar ao da marcha humana', explica a fisioterapeuta Mylena Medeiros, Ph.D. em equoterapia e autora de quatro livros sobre o tema. Para quem perdeu ou não possui equilíbrio ao andar, como vítimas de paralisia cerebral, o movimento do animal exige que o corpo faça uma série de ajustes posturais e movimentos de rotação e flexão que dificilmente são reproduzidos de outra forma. Daí os ganhos no desenvolvimento motor."


"Pesquisas do Instituto de Psicologia da USP revelam, por sua vez, que crianças autistas, com dificuldade de interação social, apresentam melhoras em aspecto comportamentais e comunicativos com a terapia assistida por cães. A neurocientista Patrícia Lima Muñoz conduziu e filmou dez sessões desse tipo. Em uma delas, uma menina ficava o tempo todo no canto da sala, voltada para a parede e fazendo movimentos repetidos como debulhar o cabelo e se balançar. Na primeira vez que o cachorro entrou no recinto, sentou-se ao lado dela e ali permaneceu, como se dissesse 'Estou aqui quando você precisar'. Na segunda consulta, o bicho arriscou uma aproximação e passou a acompanhar a garota no seu balanço. Na última, a menina saiu do cantinho e brincou com o novo amigo. 'É incrível como os cães parecem saber exatamente como agir', nota Patrícia. Uma sensibilidade que tem feito um bem danado à espécie humana há pelo menos 27 mil anos."


A matéria acima foi retirada da revista SAÚDE É VITAL, nº 396, págs. 26, 27, 28, 29, 30, 31 e 32. Novembro de 2015. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista SAÚDE É VITAL e a Editora Abril.


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