CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA SAÚDE!


"DENGUE: A VACINA VEM AÍ"
"Depois de quase um século de esforços, um imunizante inédito contra o vírus deve chegar no início de 2016 - e o Brasil pode ser o primeiro país a lançar mão dele"


Por: André Biernath
        Ana Cossermelli (design e ilustrações)
        Getty Images (foto)

"O ano de 1904 foi péssimo para o presidente Rodrigues Alves (1848-1919). Seu maior problema, quem diria, media 5 milímetros, tinha seis patinhas e duas asas. O Aedes aegypti, mosquito responsável pelo surto de febre amarela que assolava o Rio de Janeiro, quase derrubou o governo. Isso porque, com medo de contrair a doença, investidores estrangeiros se recusavam a viajar para o Brasil, passando a perna na economia. Para piorar, Alves viu sua própria filha morrer da moléstia. O chefe de Estado resolveu, então, colocar o Exército na rua para exterminar o pernilongo. Casas foram invadidas, moradores acabaram despejados... Uma bagunça só! A ação enérgica foi um dos fatores que motivaram a Revolta da Vacina, em que o povo atacou soldados, apelidados jocosamente de 'mata-mosquitos'. Apesar de polêmico, o programa do presidente deu certo: a febre amarela foi expulsa da metrópole.
Passados 111 anos, a história se repete. O mesmíssimo Aedes aegypti é o vilão de outra grave crise de saúde pública no país. Só que, desta vez, ele carrega um vírus diferente, o da dengue. De acordo com o Ministério da Saúde, só em 2015 a enfermidade ultrapassou 1,4 milhão de infectados e provocou 761 mortes. Mas algumas coisas, ainda bem, evoluíram de lá pra cá: se no início do século passado as vacinas eram motivo de revoltas, hoje são a grande esperança de controle da epidemia. E a ciência está muito perto de entregar o primeiro imunizante efetivo para a dengue, fruto de um trabalho que envolve farmacêuticas e universidades há mais de oito décadas.
A candidata a vacina mais próxima da realidade vem do laboratório francês Sanofi Pasteur. A fórmula foi testada em mais de 40 mil pessoas espalhadas por 15 países do globo e os resultados da intervenção, publicados no respeitado periódico The New England Journal of Medicine. Nos voluntários com idade superior a 9 anos, o imunizante teve uma eficácia de 66%. Em outras palavras, de cada mil pessoas vacinadas, 660 escaparam da doença. 'Além disso, observamos uma redução de 93% dos quadros graves e uma queda de 80% nas hospitalizações, o que é bastante significativo', relata Sheila Homsani, diretora médica da empresa."


"Resultados animadores levaram a Sanofi a aceitar a papelada e pedir a liberação do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. A resposta do órgão regulatório deve sair no começo de 2016. Se vier o aval, o Brasil se tornaria o primeiro país do mundo a adotar a estratégia. Atualmente, outras 20 nações discutem a aprovação. O laboratório, inclusive, já se antecipou e montou uma fábrica na França exclusiva para atender esse mercado. A unidade teria capacidade de produzir 100 milhões de doses por ano.
A vacina deverá ser indicada a todos os indivíduos com mais de 9 anos. Antes dessa idade, as porcentagens de sucesso não foram das melhores. 'Não sabemos qual a razão disso, mas provavelmente a falta de maturidade do sistema imune das crianças menores tenha alguma influência', especula Sheila. Para obter proteção, são necessárias três picadas, com um intervalo de seis meses entre elas. Também não está claro se será necessário tomar doses de reforço de tempos em tempos, como acontece com a vacina para o tétano, por exemplo."


"O produto da Sanofi é feito a partir do vírus atenuado da febre amarela, aquele que causou o maior zum-zum-zum no Rio de 1900 e bolinha. Após modificações em seu DNA, ele passa a ser reconhecido no organismo como um exemplar de dengue (veja o infográfico abaixo). Uma das principais vantagens da fórmula é a proteção que ela confere contra os quatro subtipos virais - sim, é possível que a pessoa tenha a doença quatro vezes ao longo da vida. 'A cada ano, há um tipo mais prevalente que ataca as pessoas', explica a infectologista Carolina Lazari, do Fleury Medicina e Saúde."


"Apesar dos avanços notáveis, a liberação iminente do produto ainda é motivo de bastante discussão entre os experts. Uma das principais críticas é o fato de sua eficácia ficar na casa dos 65%, considerada baixa perto de outros imunizantes, que ultrapassaram com relativa facilidade os 95% de resguardo. 'Essa não é a vacina dos sonhos, mas é melhor do que não ter nenhuma opção', analisa Carolina.
A política realista do 'é o que temos pra hoje' ganha defesa da própria Sanofi Pasteur. 'A Organização Mundial da Saúde traçou o objetivo de reduzir em 50% o risco de mortalidade da dengue até 2020, e essa vacina ajudará a cumprir a meta', argumenta Sheila. Há ainda o conceito de que a imunização, mesmo que imperfeita, traz benefícios para todas as pessoas, uma vez que reduz a quantidade de vírus circulando. 'Quando você protege parte da população, ocorre uma queda nos reservatórios de dengue, o que diminui o risco de novas infecções', concorda Carolina.
Outro ponto que merece ponderações é o esquema de vacinação em três etapas. Especialistas têm receio de que as pessoas tomem uma picada e se esqueçam ou desistam das outras duas doses. Foi o que aconteceu na campanha de imunização contra o vírus HPV em 2014, promovida pelo Ministério da Saúde para meninas de 11 a 13 anos. A primeira vacina foi aplicada em 99% do público-alvo. Mas a segunda alcançou só 57% dentro do prazo estabelecido. Para evitar um panorama parecido, será necessária uma campanha pesada sobre a importância de completar o esquema vacinal em dois semestres."


"SOLUÇÃO À BRASILEIRA"

"Segundo o site ClinicalTrials.gov, do governo dos Estados Unidos, 82 pesquisas com novas vacinas em seres humanos. Essa corrida é liderada com folga pela Sanofi, mas há competidores de peso, como outras farmacêuticas, empresas de biotecnologia, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), no Rio de Janeiro, e até mesmo o Exército americano. Em meio a tantas pretendentes, o Instituto Butantan, em São Paulo, ganha destaque e promete a sua versão do imunizante para os próximos dois ou três anos. 
Recentemente, a fase 2 de estudos, em que são avaliadas a segurança, a eficácia e a dosagem correta, foi concluída com êxito. 'Os participantes, que tinham entre 18 e 59 anos, conseguiram produzir os anticorpos necessários após uma única dose', comemora o pediatra Alexander Precioso, diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto e um dos líderes da investigação na área de soluções antidengue.
Diferentemente do imunizante da Sanofi, que trabalha com partículas virais da febre amarela, a opção 100% nacional utiliza o próprio vírus atenuado da dengue, fabricado geneticamente em parceria com o Instituto Nacional de Saúde americano. 'Eles são enfraquecidos a ponto de permitir que o organismo desenvolva uma resposta imunológica ante os quatro subtipos da doença', diz Precioso. Os cientistas aguardam a liberação das agências governamentais para iniciar os estudos de fase 3, em que a vacina será testada em um grande número de voluntários. 'Pretendemos imunizar 17 mil pessoas só no ano que vem', prevê o estudioso do Butantan."


"Outro concorrente à vacina vem lá do Oriente. A farmacêutica japonesa Takeda anunciou, durante um importante congresso médico da área, que seu antivírus teve uma boa taxa de eficácia em um grupo de 148 indivíduos. 'Nós empregamos o vírus atenuado do tipo 2 e manipulamos seu genoma para que ele ganhe também as características dos tipos 1, 3 e 4', descreve o infectologista Pedro Garbes, diretor médico regional da Takeda. Os testes com mais gente estão programados para 2016.
Há outros imunizantes em investigação, mas eles se encontram numa fase preliminar de pesquisa, o que significa que as conclusões sobre o seu potencial demorarão certo tempo. Muitos consideram essa força-tarefa global extremamente bem-vinda. 'Quando várias frentes trabalham para tentar controlar uma doença, sobe a possibilidade de bons resultados serem alcançados rapidamente', raciocina a médica Marta Heloísa Lopes, da Sociedade Brasileira de Infectologia. 'E o mais interessante é saber que vários desses estudos são conduzidos no Brasil', elogia."


"A CAÇA AO MOSQUITO CONTINUA"

"Por mais que as vacinas representem um marco importante na luta contra a infecção, os especialistas não acreditam que ela será a solução final para a dengue. 'Não devemos arrefecer em nenhuma das medidas tradicionais contra o vetor, o mosquito Aedes aegypti', afirma Marcos Boulos, professor titular de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. As atitudes envolvem eliminar os pontos em que o inseto deposita seus ovos e as larvas se desenvolvem. Vale retirar os pratinhos das plantas, virar as garrafas no quintal, não descuidar dos pneus... Todo cuidado é pouco: até uma tampinha de garrafa cheia d'água pode servir de criadouro para o inseto.
Na hora da faxina, não se esqueça de lavar bem - com bucha e sabão - os objetos que possam ter ovinhos do Aedes. 'Eles sobrevivem por até 400 dias sem água e eclodem quando estão novamente num ambiente úmido', avisa Sheila. É importante conversar com os vizinhos e cobrar da prefeitura a limpeza de terrenos baldios, por exemplo. Se mesmo com toda a prevenção o mosquito escolher você, é preciso ficar atento e, ao menor sinal de febre, dores no corpo e sangramento, correr para o hospital."


"Um fenômeno que preocupa especialistas é a recente adaptação que o inseto sofreu para conseguir sobreviver nas grandes cidades. Antes, ele escolhia o momento certo para atacar: no início da manhã e no final da tarde. Agora, a fêmea - é só ela que suga o nosso sangue - pica a qualquer hora do dia. Há algum tempo, o inseto só colocava seus ovos em água limpa. Mas algo aconteceu e eles não ligam mais se o líquido estiver poluído. Temperaturas mais baixas tampouco são um impedimento para sua reprodução. 'Se, no passado, os casos da doença começavam a partir de dezembro, hoje os picos iniciam em outubro', compara Carolina.
Assim como transmitia a febre amarela urbana no Brasil do início do século 20, o Aedes aegypti tem a capacidade de inocular outros vírus no nosso corpo. É o caso do chikungunya e do zika, que recentemente desembarcaram por aqui. O ano de 2015 soma 14 mil casos de febre chikungunya. As contaminações pelo zika, por sua vez, ainda são consideradas brandas.
Mas o Ministério da Saúde ligou o alerta vermelho ao perceber o aumento nos casos de microcefalia em recém-nascidos nas regiões com mais registros da presença desse vírus. Existe uma grande probabilidade de que o agente infeccioso esteja por trás dessa condição rara, caracterizada por um crânio de menor tamanho na hora do nascimento. 'Isso só reforça a necessidade de focarmos a nossa atenção no elo que une essas três doenças, o mosquito', frisa Boulos. Sem a atitude consciente de cada cidadão, não há vacina que baste para resolver de vez qualquer epidemia."


A matéria acima foi retirada da revista SAÚDE É VITAL, nº 397, págs. 42, 43, 44, 45, 46 e 47. Dezembro de 2015. Todos os direitos autorais reservados exclusivamente à revista SAÚDE É VITAL e a Editora Abril.


SUGESTÃO PARA LEITURA

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SUGESTÃO

O especialista Drauzio Varella explica sobre a doença causada pelo Aedes aegypti: a dengue. O vídeo foi retirado do You Tube e o idioma é o português.


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