REDAÇÃO:
VESTIBULAR E ENEM


ARGUMENTAÇÃO

APRENDA COM OS JORNAIS ESTRATÉGIAS PARA PERSUADIR
A leitura cotidiana dos editoriais jornalísticos amplia sua capacidade de interpretar fatos e de organizar argumentos


Argumentação é a principal ferramenta para os candidatos que pretendem uma boa colocação mas redações dos vestibulares. Evidentemente, a linguagem e a estrutura dos textos são importantes - é a chamada coesão textual -, mas não mais facilmente assimilados com estudos e prática do que a argumentação. A capacidade de argumentar extrapola os limites das salas de aula. Ela será necessária ao longo de toda a vida acadêmica e profissional daqueles que agora adentrarão em uma faculdade. Não é à toa que a maioria dos vestibulares exige a redação de um texto argumentativo em seus processos de seleção.

E como adquirir essa capacidade argumentativa? Primeiramente, colocando-se a par das questões que o cercam, sejam políticas, sociais, econômicas, filosóficas, técnicas ou culturais, elas poderão compor o chamado repertório pessoal. Em seguida, entender os lados divergentes que podem estar em cada questão para criar uma opinião e argumentar a favor dela. Parece trabalhoso, mas a experiência de se interessar pelos assuntos e interagir com eles torna a prática corriqueira e até prazerosa. Dessa forma, informar-se e conhecer os diversos pontos de vista é fundamental, o que exige a leitura de bons textos sobre os assuntos que poderão ser explorados.

TEXTOS PARA PERSUADIR

Uma das formas textuais mais interessantes para esse exercício é a leitura do editoral dos jornais. Os editoriais trazem o posicionamento ideológico do veículo de comunicação a que pertencem, ou seja, são também textos argumentativos, que têm a função de informar e persuadir o leitor. Desse modo, a leitura de um editorial, serve para informar sobre diferentes assuntos, e pode ser uma grande fonte de aprendizado sobre argumentação.

Textualmente, os editoriais são habitualmente mais longos do que o solicitado nas dissertações dos vestibulares. Também apresentam múltiplos parágrafos e, eventualmente, são finalizados com frases de efeito. No vestibular, usamos menos parágrafos e não usamos frases de efeito. Em uma dissertação para o vestibular, o ideal é limitar os parágrafos a quatro ou cinco, um para introduzir sua tese, dois ou três para argumentar e um para concluir.

Para esta edição, selecionamos um editorial do jornal Folha de S. Paulo, publicado em 27 de abril de 2015, que trata do regime prisional utilizando com os jovens infratores. Como você poderá perceber na leitura do editorial e em sua análise, o texto é construído de maneira a não só informar o leitor, mas persuadi-lo, fazer com que ele compartilhe da ideia ali exposta. Para tanto, não há vacilos na argumentação, e as informações são apresentadas como afirmações e embasadas em dados.

Observe que a simples exposição das informações não é suficiente para garantir a veracidade do discurso. Isso porque dados podem ser lidos de diferentes formas e as conclusões podem ser diferentes, dependendo da linha de pensamento de cada um.

EDITORIAL
_________________________________________________________________________________________________________________
1) PARADOXO PERVERSO
    Adolescentes infratores têm, na prática, menos acesso que os adultos ao regime semiaberto, numa inversão da lógica do sistema penal.

2) A notícia em si já seria chocante. Mas, na conjuntura atual, em que se discute a diminuição da maioridade penal de 18 anos, a reportagem publicada por esta Folha na quinta-feira (23) tem conotação perversa.
Dos 23 mil menores infratores que cumprem algum tipo de punição no Brasil, só 10% têm acesso ao regime de semiliberdade, pelo qual podem sair das instituições durante o dia para estudar ou trabalhar.
Em alguns estados, como Paraíba e Maranhão, menos de 3% dos infratores têm atendido esse direito; em Mato Grosso, não se registra casos de menor situação.

3) Seriam, talvez, infratores de alta periculosidade? A realidade é bem diferente disso. Uma minoria bastante limitada dos internos responde por crimes hediondos.
Em São Paulo, por exemplo, somente 2,6% dos adolescentes foram punidos por tal tipo de transgressão. Mesmo assim, 93% deles permanecem confinados dia e noite.

4) Configura-se situação de rigor punitivo ainda maior - e este o paradoxo do caso - do que se vê entre infratores adultos. Destes, cerca de 35% estão, no país inteiro, no sistema semiaberto.
Não se trata de regalia ou concessão motivada por alguma atitude sentimental. Tal regime se fundamenta na ideia de que, a não ser em casos de grande perigo para a sociedade, há mais vantagem em ter o delinquente dedicado a atividade produtiva do que em mantê-lo preso na companhia de personalidades já deformadas pelo banditismo e pelas práticas da cadeia.
O raciocínio tem maior pertinência no caso dos adolescentes, mais capazes de absorver novas condições de trabalho e estudo. O inverso do que se verifica, portanto.

5) Se alguém quisesse fazer blague com um assunto de máxima importância e seriedade, tantas vezes tratado com a demagogia dos que vociferam em favor do máximo rigor penal, poderia inverter as opiniões correntes. Os que defendem penas mais elevadas, vingança social extrema, dureza com o jovem infrator deveriam apoiar a atual legislação.
Quanto aos que advogam teses mais flexíveis e maior cuidado na punição aos adolescentes, talvez devesse apostar na diminuição da maioridade penal para 16 anos: haveria de ser, bizarramente, o modo de lhes oferecer mais ocasiões de cumprir sua pena no regime semiaberto, de forma mais produtiva.
Não se trata disso, por certo.
Mas é de notar o quão fora da realidade estão os que, julgando necessário mais rigor contra o jovem delinquente, desconhecem as péssimas condições hoje oferecidas para que se reintegrem à sociedade, e o quão distante está a máquina punitiva de proporcionar real aumento da segurança geral dos cidadãos.

Folha de S. Paulo, 27/4/2015.

ANÁLISE DO EDITORIAL
__________________________________________________________________________________________________________________

1. O título deve refletir o conteúdo do texto e a linha argumentativa de quem redige. A escolha do título, neste caso, além de ser adequada ao editorial que seguirá, provavelmente chamou a atenção dos leitores do jornal.

2. A chamada deste editorial e seus primeiros parágrafos apresentam o assunto que será abordado - no caso, o baixo número de menores infratores que cumprem pena em regime semiaberto. O tema é retomado de uma reportagem de quatro dias antes da própria Folha de S. Paulo, cujo título era "Só 1 em cada 10 menores infratores pode sair para estudar ou trabalhar". Repare como os números são utilizados nesta parte, e ao longo do texto, para impactar o leitor.

3.  Nestas duas orações, o jornal ressalta o contraste entre o rigor da pena e o teor das infrações. Novamente são utilizados números para tornar o quadro mais visual ao leitor.

4.  Neste ponto o editorial faz a discussão mais importante, que retoma o título e a chamada. A comparação com a situação dos menores infratores e a dos adultos toma maiores proporções, uma vez que o regime semiaberto parece ser mesmo mais adequado aos jovens. Repare com o texto se utiliza de um raciocínio lógico, muito eficaz na persuasão do leitor.

5.  Os parágrafos finais servem de conclusão ao editorial - o que é feito inicialmente com certa ironia, mas termina com um tom grave. O texto aponta que o atual regime parece punir mais o jovem, privando-o de possibilidades de reintegração social, do que aconteceria com a redução da maioridade penal - já que, uma vez tratados como adultos, teriam maior chance de cumprir a pena no regime semiaberto. Dessa forma, não se demonstra como o sistema funciona de forma errônea, como sugere uma ignorância do público acerca desse assunto. Observe que há uma dupla crítica: uma à máquina punitiva; e outra dirigida àqueles que pedem mais rigor na punição aos jovens, que desconheceria a realidade do sistema existente no país.


Informações retiradas do livro GE - GUIA DO ESTUDANTE - REDAÇÃO: VESTIBULAR E ENEM 2016, págs. 26 e 27.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog