CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA ENTRETENIMENTO!


"ESCOLHA O SEU TIME"
"O espetacular Capitão América: Guerra Civil confronta a plateia com o mundo em que ela vive - um mundo em que cada conflito é um cisma, e no qual não há espaço possível de consenso entre as trincheiras"


Por: Isabela Boscov

"Capitão América: Guerra Civil (Capitain America: Civil War, Estados Unidos, 2016), já em cartaz no país, é aquele ponto do caminho a partir do qual não há retorno: tudo que veio antes dele repentinamente parece ultrapassado. Salvo em caso de cegueira ou obtusidade de produtores e diretores, é difícil imaginar que, em 2017, ainda se vá ver alguma sequência de mega destruição em computação em computação gráfica como aquelas que incham a última meia hora de Vingadores: Era de Ultron ou Batman vs Superman: Origem da Justiça - não depois de Guerra Civil ter multiplicado exponencialmente o conceito de climax em uma cena antológica, na qual os personagens mais queridos da Marvel saem no braço uns contra os outros, em um combate que é quase todo corpo a corpo e que causa avarias modestas (para o padrão super-herói) a um aeroporto."


"Vai ser complicado, na verdade, continuar a agarrar-se a qualquer outro conceito dado como certo até aqui: os irmãos e codiretores Anthony e Joe Russo pulverizam as regras para apresentar personagens, coreografar ação e definir o que é conflito. Acima de tudo, eles demolem uma figura central do filme de super-herói: o vilão. Guerra Civil não precisa dele. A batalha, aqui, é entre pontos de vista, que têm todos sua boa medida de coerência - mas são defendidos por seus partidários como se sintetizassem toda a coerência, à exclusão de qualquer outros. Eis o que torna Guerra Civil tão contemporâneo: a maneira como os irmãos Russo devolvem à plateia a guerra em que ela própria está enfronhada - a guerra de trincheiras, sem espaço intermediário de consenso, que hoje se forma em torno de qualquer tópico que ganhe algum relevo."


"É atualíssima também a proposição que, em Guerra Civil, cinde os heróis conhecidos como Vingadores. Depois que uma ação desastrada do grupo deixa dezenas de civis mortos em Lagos, na Nigéria, o secretário de Estado Thadeus Ross (William Hurt) decide chamá-los à razão: junta-os em volta de uma mesa para mostrar a eles imagens do dano colateral catastrófico que infligem à humanidade em nome da defesa desta. Thadeus avisa que, a partir da próxima reunião da ONU, os heróis passarão à supervisão de um comitê multinacional. As imagens que ele projeta para os Vingadores são, claro, extraídas de aventuras anteriores dos estúdios Marvel. De dentro do filme, os irmãos Russo chamam também a plateia (e, de quebra, seus colegas diretores) à razão: não é correto que cenas de mortandade e destruição em massa sejam usadas para empolgar e fascinar sem que se pese o preço de cada vida tirada ou destruída."


"Abatido pela culpa de ter criado a entidade Ultron, causadora de muito do estrago que se viu. Tony Stark (Robert Downey Jr.) apoia o tratado. O Homem de Ferro tem, ainda, outros problemas: seu pai, um inventor brilhante e fundador de um império bélico, morreu antes que eles pudessem acertar suas graves diferenças. Sujeitar-se ao controle de um comitê implica, para ele, uma tardia mas bem-vinda rendição a figuras de autoridade. Já os traumas de Steve Rogers (Chris Evans) são de outra ordem. Inventado como ferramenta militar durante a II Guerra Mundial, o Capitão América já foi muito usado e abusado, e de maneira nenhuma aceitará ser colocado a serviço de interesses que não possa esmiuçar. Não é mera divergência de opiniões que agora divide os dois. O tratado é lei, e o Capitão passa a ser um criminoso ao decidir proteger seu velho amigo Bucky Barnes, o Soldado Invernal, quando se atribui a ele um ato terrorista. Complicador adicional: Capitão foi, em parte, criação do pai de Tony. Mais que amigos, os dois heróis, de certa forma, são irmãos. Para Tony, é insuportável que Steve prefira outro irmão, Bucky, a ele."



"A habilidade dos irmãos Russo é tal, porém, que em nenhum momento suas considerações morais ganham cheiro de moralismo. Ao contrário: é com imensa dor - e também deliciosas quantidades de humor - que seus protagonistas viram antagonistas. Certas amizades resistem a tudo, como a de Homem de Ferro e Máquina de Guerra (Don Cheadle), e a Capitão América e Falcão (Antony Mackie). Já uma amizade nascente, como a de Feiticeira Escalarte (Elizabeth Olsen) e Visão (Paul Bettany), pode ser mais frágil. Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) oscilam para lé e para cá. Pantera Negra (Chadwick Boseman), que faz aqui uma entrada triunfal, só tem um lado: o seu próprio. Homem-Formiga (Paul Rudd) estão tão feliz por se terem lembrado dele que, na sua excitação, rouba fácil, fácil a cena no pátio do aeroporto. Só não carrega consigo de vez porque os estúdios Marvel conseguiram a autorização da Sony para reintegrar o Homem-Aranha ao seu rol, em uma apresentação de personagem - e uma interpretação do inglês Tom Holland, de 19 anos - de entrar para a história."



"Apesar dos interlúdios ligeiros, brigas em família são mesmo sangrentas. Em Guerra Civil, à medida que os desentendimentos se aprofundam em ódio e rancor, eles vão se manifestando em lutas frenéticas - às vezes raivosas, outras vezes desesperadas. Não há como não admirar o que os irmãos Russo estão demonstrando aqui: que a ação é tanto mais explosiva quanto mais humana for a escala e mais íntima a sua perspectiva. Da campanha de terra arrasada que o Capitão América e o Homem de Ferro promovem um contra o outro, algo novo surge: o filme de super-herói como radiografia política, comentário psicológico e drama tolstoiano."



A matéria acima foi retirada da revista VEJA - Edição 2 476 - Ano 49 - nº 18, págs. 88, 89, 90 e 91. 04 de maio de 2016. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e a Editora Abril.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog