CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA PSICOLOGIA!
"NA ROTA DOS SENTIMENTOS"
"Um renomado cientista faz uma parceria com um dos maiores líderes religiosos do planeta e, juntos, os dois criam um mapa para entender as sensações humanas"
Por: Jennifer Ann Thomas
"Cérebros brilhantes podem produzir grandes sofrimentos. É preciso educar os corações', acredita Tenzin Gyatso, de 80 anos, o atual Dalai-Lama, líder máximo do budismo tibetano. Segundo sua crença, a felicidade mundial poderia ser alcançada se cada um dos habitantes do planeta encontrasse a paz interior. Em 2014, com essa ambiciosa meta em mente, o Dalai-Lama encomendou a um dos mais respeitados psicólogos contemporâneos, o americano Paul Ekman, de 82 anos, um estudo que pudesse levar à compreensão de como se guiam os sentimentos humanos. O resultado é o Atlas das Emoções, lançado no mês passado.
A ideia é que, consultando o trabalho, as pessoas possam identificar quais estados mentais lhe provocam as reações emotivas que Ekman reuniu em cinco grupos, alegria, raiva, medo, tristeza e nojo (veja no quadro acima). Disse o psicólogo a VEJA: 'Para o Dalai-Lama, esse conhecimento pode nos guiar ao estado de calma. Para a ciência, é uma forma de ensinar os indivíduos a dominar suas emoções' (a entrevista completa você acompanha mais à frente).
Uma consulta ao currículo de Ekman revela que o líder budista estava certo ao procurá-lo para a tarefa que culminou no Atlas. Seu interesse pelo assunto teve início na década de 60, quando viajou para a Papua-Nova Guiné em busca de tribos indígenas isoladas. Sua intenção era confirmar uma das hipóteses do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), o criador da teoria da evolução das espécies. Segundo uma das teses de Darwin, as emoções seriam comuns a todos os humanos como efeito da evolução de nossa espécie, algo verificável na uniformidade das expressões faciais. Ou seja, um brasileiro do campo, um japonês de Tóquio e um índio oriundo de uma ilhota apresentariam as mesmas reações, involuntárias, provenientes de cada sentimento. Nas palavras de Darwin: 'O mesmo estado de espírito é demonstrado ao redor do mundo'.
Ekman não só ratificou que Darwin estava certo como dedicou sua carreira a aprofundar a teoria. Ao retratar os indígenas, comprovou que suas expressões faciais quando exibiam certos sentimentos eram iguais às de outros indivíduos diante das mesmas emoções. Todos temos, portanto, a mesma 'cara de alegria' ou 'cara de nojo'. A partir dessa descoberta, o americano chegou aos cinco tipos de anseio que perpassam os humanos.
A facilidade com que os desejos que os leigos compreendem as pesquisas de Ekman acabou por transformá-lo em um cientista pop. Um dos desdobramentos de seu estudo é o que chamou de 'microexpressões': traços da face que denunciam quando as pessoas estão mentindo sobre o que sentem. Esse trabalho motivou, por exemplo, a citação do seriado policial de TV Engana-me Se Puder, cujo protagonista é inspirado no próprio psicólogo americano. Ekman teve ainda um papel-chave na elaboração do longa Divertida Mente, vencedor, neste ano, do Oscar de melhor animação. Os cinco personagens principais, que vivem na cabeça de uma menina, espelham-se nas emoções universais de Ekman."
"O primeiro encontro de Ekman com o Dalai-Lama se deu por interferência da filha do psicólogo, Eve, que segue a profissão do pai. Admiradora da filosofia budista, ela insistiu com Ekman para que conhecesse o religioso em uma conferência científica na qual ambos estariam presentes, em 2000. O encontro rendeu, depois, cinquenta horas de conversas sobre as emoções humanas. Há dois anos, o Dalai-Lama voltou a abordar o amigo com a proposta do Atlas - que custou 750 000 dólares aos cofres budistas. O estudo contou com a colaboração de 150 pesquisadores, e seu resultado deu origem a um site no qual é possível encontrar alguns dos fatores que levam as pessoas a sentir uma ou outra emoção. Para tanto, são considerados o contexto anterior à manifestação do sentimento, o fato que lhe serviu de gatilho, as expressões involuntárias exibidas por efeito de tal estado de ânimo e as consequências da situação. 'Temos sentimentos interiores que podem ser construtivos ou destrutivos. Precisamos atentar a isso para criar humanos felizes, famílias felizes e, finalmente, uma humanidade feliz', conclui o Dalai-Lama."
CARTÓGRAFO EMOCIONAL
Pioneiro no estudo dos sentimentos, o psicólogo americano Paul Ekman, de 82 anos, falou a VEJA sobre o trabalho que resultou no Atlas das Emoções.
Qual a finalidade do Atlas? Para o Dalai-Lama, se entendermos nossas emoções, conseguiremos atingir um estado de calma. Ele acredita que desenvolver essa consciência pode ser a chave para a paz, pois os sentimentos que atravancam a clareza da mente prejudicam a capacidade de ter compaixão. Já para a ciência, é uma forma de ensinar pessoas a compreender e dominar emoções.
Não é reducionista resumir a complexidade humana a cinco emoções? Em outro momento, cheguei a definir sete delas - as outras eram 'surpresa' e 'desprezo'. No entanto, fizemos um amplo trabalho científico, com a avaliação de colegas, e definimos as cinco universais com 70% de aprovação. Além disso, há subcategorias. Para se ter uma ideia, existem cerca de oitenta expressões de raiva. Até determinado ponto, o caminho para chegar a esses sentimentos é comum a todos. O medo, por exemplo, sempre é ativado por uma percepção de ameaça. Agora, o que significa essa ameaça é uma percepção individual.
O senhor também é especialista em ler expressões corporais que denunciam quando alguém mente. É estressante notar quando tentam enganá-lo? Sacar um embuste não é o mesmo que identificar qual foi o gatilho que levou uma pessoa a mentir. Sempre soube quando minha filha, Eve, tentava me enganar. Contudo, precisava fazer com que ela se sentisse segura nessas situações, para conseguir sua confiança em mim e chegar à raiz do problema.
A matéria acima foi retirada da revista VEJA - Edição 2 485 - Ano 49 - nº 27, págs. 84, 85 e 86. 06 de julho de 2016. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e a Editora Abril.
SUGESTÃO
Separamos o trailer do filme Divertida Mente, da Disney Pixar, baseado nos estudos do psicólogo americano Paul Ekman. As imagens foram retiradas do You Tube.
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