VIOLÊNCIA
"VIOLÊNCIA LEVA JORNAL A FECHAR NO MÉXICO"
"Repórter foi morta com oito tiros na cabeça diante do filho; país é o mais perigoso na região para exercer profissão"
Por: Sylvia Colombo
DE BUENOS AIRES
"Se preço da existência desse diário é a vida de alguém, não estou disposto', escreveu o dono da publicação.
'Adeus!', dizia a manchete do jornal 'El Norte', baseado em Ciudad Juárez e um dos principais do Departamento de Chihuahua, no norte do México, no último dia 2.
'Tudo na vida tem um começo, um fim e um preço a pagar. Se o preço da existência desse diário é a vida de alguém, eu não estou disposto a entregar a de nenhum de seus profissionais ou colaboradores', dizia a carta publicada na edição pelo dono da publicação, Oscar Cantú, 67.
Desde que inaugurou, em 1990, até hoje, o jornal ficou célebre por denunciar crimes de narcotráfico, corrupção e conflitos de interesse na violenta região, que faz fronteira com os EUA. Vinha vendendo 35 mil cópias diárias e tinha audiência na internet de 3 milhões de visitantes ao mês.
A decisão foi tomada, conta Murguía por telefone a FOLHA, após o assassinato de uma de suas colaboradoras e amigas pessoais, a jornalista Miroslava Breach, aos 54 anos, no último dia 23 de março.
Atuando em Chihuahua, Breach vinha fazendo reportagens sobre o financiamento de campanhas políticas por traficantes, o desejo de indígenas de zonas ocupadas por criminosos, a descoberta de fossas clandestinas ou outros temas de violência.
Na manhã do dia 23, ela levava o filho de 10 anos à escola quando seu carro foi abordado. A jornalista levou oito tiros na cabeça.
'Foi algo tão brutal que eu fiquei sem reação. Fui para minha casa e me pus a olhar meus arquivos', relata Cantú. Desde o lançamento do jornal, conta que costuma guardar uma cópia em papel das principais reportagens e dos furos do 'El Norte'.
'Em todos esses textos, que me orgulho de ter publicado, havia uma constante, a da impunidade. A maioria dos delitos que expusemos não teve julgamento. E foi por isso que tomei essa decisão, porque senti com muita dor que nosso trabalho não rendeu os frutos desejados'."
"O PIOR NA REGIÃO"
"Considerado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos como o país da região mais perigoso para a profissão, o México vê os números de jornalistas mortos aumentar nos últimos anos.
Só em março, houve três assassinatos, em regiões diferentes. Além de Breach, foram mortos Ricardo Monluí Cabrera, em Veracruz, e Cecilio Pineda, em Guerrero.
Na última semana, a ONG britânica Article 19, que investiga violência contra jornalistas, divulgou relatório que detalha esse sangrento cenário. Segundo a entidade, apenas em 2016 foram mortos 11 jornalistas, enquanto houve 426 agressões ou ameaças e há 23 desaparecidos.
Ainda de acordo com o relatório, desde o início da gestão Peña Nieto, em 2012, já que são 30 os profissionais da imprensa assassinados.
O atual presidente tinha conseguido baixar os índices de homicídio em geral, reduzindo o emprego da força do Estado desde o início da guerra ao narcotráfico, em 2006.
Peña Nieto havia conseguido, também, capturar alguns chefões dos principais cartéis, como o 'Chapo' Guzmán, do cartel de Sinaloa, e 'La Tuta', líder do cartel Cavalheiros Templários.
Desde o ano passado, porém, houve uma nova explosão de violência, segundo especialistas causada, justamente, pelo reagrupamento dos cartéis sob novas lideranças, e os assassinatos ligados ao comércio ilegal da droga subiram 15% de 2015 a 2016."
"Fechar o 'El Norte' foi um ato de protesto. Pudemos resistir às ameaças e à crise do setor, diversificando atividades, criando publicações e gastando muito dinheiro para fazer a migração para o digital. Mas de que vale tudo isso se seguimos perdendo colegas? Se meus filhos não querem entrar no mesmo carro que eu porque sabem que posso ser alvo de um atentado?', pergunta Cantú.
Segundo ele, a pressão sobre os jornais não vem só de narcotraficantes, mas também de autoridades regionais cujas campanhas foram financiadas com seu dinheiro.
A alternativa a fechar, diz, seria a autocensura. 'Muitos jornais fazem isso, deixam de falar da violência, fazem um noticiário apático, com muito futebol e celebridades, e seguem ativos. Eu não posso fazer esse tipo de jornalismo. A autocensura no México hoje, significa cumplicidade'."
Notícia retirada do jornal FOLHA DE S. PAULO - EDIÇÃO DIGITAL - Ano 97 - nº 32.154, pág. A15. MUNDO. 15 de abril de 2017. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à FOLHA DE S. PAULO.
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