DOSSIÊ CÂNCER:
A PREVENÇÃO, A LUTA, A VITÓRIA
Houve um dia em que ter diabetes era uma sentença de morte - ou pelo menos de alguns membros amputados. A pressão alta, a garantia de um ataque cardíaco iminente. Ser portador de HIV, uma verdadeira arma apontada para a cabeça. Hoje, são doenças ainda graves, mas crônicas e controláveis - qualquer um pode conviver com elas e ter qualidade de vida, desde que tomados alguns cuidados.
A epidemia assustadora dos nossos tempos de vida longa e farta (inclusive de maus hábitos como fumar, beber, comer demais e não se exercitar) é o câncer e suas mais de 100 variações já identificadas. Um assunto que interessa a todos nas próximas postagens, que compreenderão um DOSSIÊ CÂNCER: A PREVENÇÃO, A LUTA, A VITÓRIA. Você lerá e verá que ter câncer não é uma loteria, mas sim uma probabilidade estatística. Esse diagnóstico vai aparecer para metade de nós nos próximos anos.
A cura definitiva da doença em qualquer estágio já foi cravada algumas vezes, e tema de notícias ou assuntos publicados neste blog. Hoje, cientistas de todo o mundo parecem convergir para uma solução menos milagrosa que um elixir mágico, e, por isso, mais plausível: manter o câncer sob controle. As últimas descobertas aplacam a fúria da multiplicação das células cancerosas e garantem uns bons anos a mais de vida, e o principal: com qualidade. Para que o câncer, muito em breve, seja a nova diabetes, metaforicamente, só nos impeça de comer alguns doces, mas não de viver.
TRATAMENTOS:
BATALHA SEM FIM - UM INIMIGO MUTANTE REQUER UMA LUTA EM VÁRIAS FRENTES. OS TRATAMENTOS MODERNOS CONTRA O CÂNCER TÊM POR OBJETIVO DOMAR COM A QUAL PRECISAREMOS CONVIVER
BATALHA SEM FIM
Um inimigo mutante requer uma luta em várias frentes. Os tratamentos modernos contra o câncer têm por objetivo domar a doença com a qual precisaremos conviver
"O rei Pirro colecionava vitórias sangrentas contra o Império Romano até 279 a.C. Naquele ano, sob seu comando, as tropas macedônicas e do Épiro (região da Grécia) enfrentariam os romanos nos bosques cerrados de Ásculo, região ao norte do que seria o salto da bota no mapa da Itália.
Pirro venceu, mas a duras penas. Seus 20 elefantes de guerra - o grande triunfo nos enfrentamentos anteriores - foram combatidos de maneira mais eficiente pelos romanos, com lanças nas pernas e líquidos incandescentes. Feridos e assustados, se tornaram incontroláveis, se voltando contra as próprias tropas. O rei não teria como repor os 3.500 combatentes mortos. Já os romanos, embora tivessem perdido quase o dobro de homens, voltariam mais numerosos e com sobreviventes já experimentados contra os macedônios em questão de semanas. Foi quando Pirro proferiu a frase que hoje faz dele um verbete nos dicionários ocidentais: 'Mais uma vitória como essa e estou perdido. Volto sozinho para casa'.
Substitua os soldados de Pirro por agressivos medicamentos quimioterápicos e os romanos por células cancerígenas, e você terá um panorama dos tratamentos contra o câncer até o final da década de 1990. Eficientes e alguns casos, eram cheios de 'vitórias pírricas' - vinham a um custo alto demais para a saúde do paciente. Já o adversário, o câncer, doença especializada em se adaptar e se proliferar, voltaria ainda mais forte para enfrentar pacientes já combalidos.
A luta contra o câncer evoluiu nas últimas décadas a partir de uma discreta rendição da medicina nessa guerra. Já não há a ambição de subjulgar o câncer conforme o nosso imaginário, com a cura descoberta no tubo de ensaio de um pesquisador genial. O desafio é enfrentar o câncer como uma doença crônica, mantendo qualidade de vida até o paciente chegar à velhice - e a natureza fazer a sua parte."
"O marco para forma de encarar o câncer ocorreu na virada para este milênio. Foi quando, após longos estudos, começam a chegar ao mercado medicamentos desenvolvidos a partir de 1971, quando o presidente norte-americano Richard Nixon declarou guerra ao câncer injetando US$ 1,5 bilhão anualmente em pesquisa.
Mais de 30 anos se passaram do risível prazo estipulado por Nixon para encontrar a cura - o aniversário de 200 anos de independência dos EUA, em 1983 -, e um dos consensos é que a quimioterapia, sozinha, é agressiva demais e insuficiente. O ataque químico impede que as células cancerígenas (e as não cancerígenas) se reproduzam em velocidade, mas essa é apenas uma das armas do câncer. Há ao menos outras nove.
Em 2000, os pesquisadores Douglas Hanahan e Robert Weinberg publicaram o artigo The Hallmarks of Cancer, um marco da compreensão sobre a doença que detalha as seis habilidades que fazem do câncer um câncer. Voltando às analogias, o nosso organismo está diante de um exército capaz de se reproduzir em velocidade, sem a ajuda de terceiros, ignorando inibidores químicos do seu crescimento, se alimentando do ambiente ao redor, invadindo territórios a distância e resistindo à morte natural. Onze anos depois, quatro outras características se somaram - a principal delas é o DNA instável, vista como a causa do progresso da doença pode mudar de uma hora pra a outra.
Não bastassem as múltiplas habilidades, em cada tipo de câncer essas características têm medidas diferentes e sofrem constante mutação. Em razão disso, os tratamentos modernos depositam nos medicamentos biológicos as maiores esperanças. Aliados a métodos tradicionais - quimioterapia, radioterapia e cirurgias pontuais -, são coquetéis ministrados para desativar o câncer nas suas características particulares.
As analogias de guerra contra o câncer só servem até determinado ponto. Guerra presume um lado vencedor. Contra um adversário tão complexo, tudo o que podemos, por ora, é tentar nos manter saudáveis enquanto nos digladiamos com ele pelo maior tempo possível. E sem vitórias que nos derrotem, como a de Pirro."
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