DOSSIÊ CHOCOLATE:
DO XOCOLATL DOS ASTECAS ÀS CHOCOLATIERS DA BÉLGICA: A SAGA, A CIÊNCIA E OS SEGREDOS DO ALIMENTO DOS DEUSES"

Você gosta de chocolate? Provavelmente, sua resposta foi sim. Dos mais simples às obras de artes gourmet. Dos chocolates branco, ao leite e o amargo. Dos bombons diversos às trufas de inúmeros sabores. E não poderia faltar, é claro, do chocolate símbolo da Páscoa: o de ovos diversos de chocolates. Não importa de onde você é, a paixão é a mesma. Difícil seria encontrar alguém que nunca tenha provado dessa guloseima doce e não tenha gostado. Chocolate pode entrar até mesmo nos produtos de higiene pessoal e cuidados com a pele, como cremes corporais, perfumes e até mesmo, sabor de creme dental. E tem até especialistas que afirmam que ele faz muito bem para a saúde. Então, nada melhor do que saber de onde e como surgiu esse doce incrivelmente amado não só pelos brasileiros, como também pelas populações de todos os continentes da Terra. Bem-vindo ao DOSSIÊ CHOCOLATE: DO XOCOLATL DOS ASTECAS ÀS CHOLATIERS DA BÉLGICA: A SAGA, A CIÊNCIA E OS SEGREDOS DOS ALIMENTOS DOS DEUSES. Vamos contar ao longo de cinco capítulos, toda a história deste alimento incrível que é o chocolate, e te levar ainda mais ao encontro de seu amor por esta guloseima que vêm do cacau. Depois de ler cada matéria desse DOSSIÊ CHOCOLATE, tenho certeza que você irá terminar com muita vontade de comer chocolate. Então, bom apetite!

CAPÍTULO 1


A EUROPA CONQUISTADA


A caminho de casa, após sua quarta incursão pela América, Cristóvão Colombo passava pelo litoral de Honduras, ainda na esperança de encontrar alguma riqueza exótica. Corria o ano de 1502. Ancorado próximo à uma ilha, abandonou canoas de índios que traziam panos e utensílios de cobre, entre outras bugigangas. Mas o que os selvagens pareciam achar de mais precioso entre suas ofertas era um punhado de amêndoas. O descobridor não entendeu quando algumas delas caíram no fundo da canoa, e os aborígenes "se engalfinharam para catá-las, como se fossem olhos que tivessem caído de uma cabeça" - segundo relataria mais tarde o filho do genovês. Como Colombo e os índios não falavam a mesma língua, ele ficou sem entender o valor daquelas sementes. Deixou-as para trás, e assim perdeu a chance de ser o homem que introduziria o chocolate no continente europeu.
Que o fez foi o espanhol Hernán Cortés, que, enquanto acabava com a raça dos astecas, teve chance de testemunhar como aquelas amêndoas enrugadas se transformava em bebida nas mãos dos nativos. E chegou até a anotar uma receita para o preparo do líquido: 700 gramas de cacau, 750 de açúcar, 60 de canela, 15 de pimenta, 14 de cravo, 3 favas de baunilha, um punhado de anis, algumas avelãs, almíscar e flor de laranjeira. Quando escreveu ao rei da Espanha, Carlos Iª, encheu sua descoberta de elogios: "Com uma xícara dessa bebida preciosa, um homem é capaz de caminhar um dia inteiro sem comer".
Não há registros de que o monarca europeu tenha se entusiasmado tanto quanto seu súdito. E o cacau permaneceu raro na Europa durante quase 60 anos. Foi só em 1585 que uma frota partiu do território do antigo Império Asteca em direção a Sevilha, carregado com cacau. Começava ali o tráfego marítimo que estabeleceria de vez o chocolate no centro do Velho Mundo. Mas, durante algum tempo, ele ficaria restrito à Espanha, como um delicioso segredo.


Conforme conta Mort Rosenblum em seu Chocolate - Uma saga agridoce preta e branca, o cacau era processado em mosteiros e conventos espanhóis. E o fato de o chocolate ser tão irresistível gerou polêmica entre os católicos, ciosos das tentações terrenas. Um bispo da época ficou furioso porque as senhoras sorvendo chocolate nos últimos bancos da igreja perturbavam a missa. "As mulheres se recusaram a ceder e mudaram de igreja. E o bispo, inexplicavelmente, morreu envenenado".
O cacau permaneceu um segredo espanhol até o começo do século 17. Francesco Antonio Carletti, conseguiu levá-lo para a Itália, acabando com o monopólio ibérico. Os cozinheiros italianos logo estavam imaginando novas formas de preparar o cacau líquido, e a bebida ficou muito mais interessante. Eles desenharam porcelanas exclusivas para servi-la, e salões de chocolate abriram em Veneza e Florença. Mas a consolidação do sucesso no continente europeu viria mesmo a partir de 1615, Foi quando uma princesa espanhola de 14 anos, Ana de Áustria, teve de se mudar para a França, para casar. Seu futuro marido era nada menos que o rei Luís 13. Mas Ana só concordou em partir quando lhe deixaram levar para Paris seu verdadeiro amor: o chocolate.

RAINHAS CHOCÓLATRAS

Na França, o cacau foi incorporado à riqueza da cultura gastronômica. Foi lá que surgiu o primeiro chocolatier do mundo: David Chaillou, intitulado chocolateiro oficial. Ganhou até parente real, em 1670, concedendo-lhe "o privilégio exclusivo de fazer, vender e administrar certa composição chamada chocolate". Chaillou levou a preparação da bebida a outro patamar, conquistando de vez o paladar da aristocracia francesa. Tanto que receber convidados para tomar chocolate quente no desjejum, em canecas de prata, virou moda entre os ricos da época. Era a droga preferida dos bem-nascidos, visto como estimulante do bom humor e incentivador da libido. O cardeal Richelieu admitiu vício pela coisa. E, curiosamente, até a Revolução Francesa, todos os reis Luíses se envolveriam com mulheres chocólatras. Maria Teresa, que se casou com Luís 14, era obcecada por chocolate. Uma fofoca dizia que a rainha havia tido uma filha negra, que escondeu do mundo - e isso teria sido consequência do tanto de chocolate que ela ingeria. Já a amante de Luís 15, a Marquesa de Pompadour, obrigava o rei a tomar chocolate para funcionar na cama - ela dizia que, sem a bebida, Luís parecia "morto como um pato frio". Maria Antonieta também desembarcou em Paris com chocolate na bagagem. E trouxe seu próprio chocolatier vienense, que lhe preparava uma infusão que combinava pó de orquídeas, flor de laranjeira e leite de amêndoas.


Como aconteceu em diversas épocas da gastronomia, o entusiasmo dos franceses contaminou o resto da Europa - o que, naquela época, significava o resto do mundo. E a exportação dessa devoção, especialmente para a Inglaterra, revolucionou o consumo, mudando para sempre o rumo da história do chocolate.

NA BOCA DO POVO

Ainda na segunda metade do século 17, um francês abriu em Londres a primeira loja de chocolate inglesa. Com uma diferença fundamental: sua clientela era de pessoas comuns. A bebida deixava de ser uma exclusividade da aristocracia e caía no gosto popular. Tanto que as casas de chocolate londrinas logo estavam rivalizando com as cafeterias. E foi em 1674 que o Coffee Mill e o Tabacco Roll surgiram como uma novidade que teria consequências na forma como eu e você degustamos nossos chocolates: eles passaram a servir o doce sólido. Pela primeira vez na história, havia à disposição chocolate para comer.


Pena que o que serviam era um doce grosseiro e, segundo relatos, não muito gostoso. Mas abriu a possibilidade de ter chocolate em outras formas. Ainda assim, a primeira grande inovação nesse sentido democracia a acontecer - mais de 150 anos. Foi em 1828 que o holandês Conenrad van Houten descobriu um jeito de extrair, com uma pequena prensa hidráulica, a manteiga de cacau e depois fazer um pó com o restante da massa. Combinando parte da manteiga de cacau separada com açúcar e adicionando o pó, ele conseguiu um feito inédito: moldar o chocolate. Duas décadas depois, o inglês Joseph Fry aprimorava a técnica para produzir o primeiro chocolate em barra do planeta.
Mas 20 anos se passaram, e um chocolateiro suíço, Daniel Peter, usou leite condensado, inventando por um amigo alemão, para criar o chocolate ao leite - até hoje, o mais popular dos produtos à base de cacau. O tal amigo era um farmacêutico que, em 1886, ainda inventaria outro best-seller da alimentação: a farinha láctea. Seu nome? Heirich Nestlé.

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