CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA BRASIL!



MASSACRE EM SUZANO

"NÃO ACONTECIA NO BRASIL"
"O espanto do vice Hamilton Mourão reflete a indignação geral, mas o país parece ter definitivamente importado a insanidade dos tiroteios a esmo"



Por: Filipe Vilicic 
        Sabrina Brito

"Na manhã do dia 20 de abril de 1999, uma terça-feira, os americanos Eric Harris, de 18 anos, e Dylan Klebold, de 17 anos, entraram na Columbine High School, situada na cidade que lhe dá nome, no Estado do Colorado (EUA), onde ambos estudavam. Chegaram armados com uma carabina, duas espingardas, uma pistola automática e quatro facas. Antes haviam instalado explosivos no local. Por volta de 11 horas da manhã, começaram a disparar em professores e colegas de escola. O horror se estendeu até o meio-dia, quando, depois de uma rápida troca de tiros com a polícia, Eric e Dylan suicidaram-se. O caso, que entrou para a história como o Massacre de Columbine, resultou na morte de doze crianças e um professor, além de 24 feridos. Se todas as bombas plantadas tivessem sido detonadas, a tragédia seria maior. Na quarta-feira 13, após o Massacre de Suzano, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, alarmou-se: "Essas coisas não aconteciam no Brasil". No entanto, ocorreram cada vez mais (veja o quadro abaixo). O próprio Mourão admitiu isso em seguida. "Ocorriam em outros países. Nós tivemos no Realengo, no Rio de Janeiro, uns tempos atrás. Agora na escola de São Paulo, e já teve em um templo. Lamento profundamente"."


"É como se o Brasil houvesse começado a importar a insanidade muito americana dos tiroteios a esmo. Segundo relato de um ex-aluno da escola de Suzano que estudou com o atirador Guilherme Taucci Monteiro em 2016, o ex-colega contava que desejava replicar o Massacre do Columbine. "Ele sempre falava sobre armas e postava coisas estranhas na internet. Um dia, disse que repetiria o que aconteceu nos EUA", recordou o garoto, que pediu para se manter anônimo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Um levantamento realizado em 2014 pela americana ABC News Investigation mostrou que, nos quatorze anos seguintes a Columbine, ao menos dezessete ataques foram diretamente inspirados no massacre do Colorado. "Há uma romanização daquele episódio em filmes, livros, na mídia", disse a VEJA a socióloga Jaclyn Schildkraut, professora de justiça criminal da Universidade do Estado de Nova York e autora de três livros sobre tiroteios em massa em colégios - um acerca do marcante caso de 1999. "São muitas as histórias de jovens que nem eram nascidos naquele tempo que disparam armas alegando ter sido motivados por tudo o que se contou a respeito de Columbine", frisou ela."



"A transmissão em massa da informação por meio da internet permitiu que notícias de massacres americanos fossem rapidamente divulgadas no mundo inteiro, o que potencialmente influenciou a cabeça de pessoas de outras nacionalidades", observa a socióloga Rachel Kalish, especialista  estudos da violência da Universidade do Estado de Nova York. O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) Rafael Alcadipani da Silveira acrescenta outro fator para o aumento de ocorrências dessa natureza no Brasil: "Esse tipo de ódio, dentro de um país no qual tem proliferado a cultura do confronto, da violência, do tiro, da porrada e bomba"."



"Ao levantar a questão de por que tiroteios em escolas começaram a acontecer também no Brasil, o vice Hamilton Mourão culpou os videogames violentos". A justificativa - muito usada nos EUA por lobistas da indústria bélica para tentar tirar o foco das armas de fogo - não se sustenta. No Japão, por exemplo, 60% dos cidadãos são adeptos dos games (inclusive os de teor agressivo); entretanto, lá a média de mortes por armas de fogo é de três por ano. Enquanto isso, nos EUA, onde uma porcentagem similar da população adotou o mesmo passatempo, são 40 000 mortes anuais. Em nenhum outro lugar do mundo ocorrem tantos ataques a escolas como nos EUA. Em 2018 o país quebrou o próprio recorde nesse tipo de calamidade: foram 94 eventos, 59% a mais do que o anterior, alcançado em 2006."




"Por outro lado, o fácil acesso a pistolas está ligado diretamente ao aumento desse tipo de violência. Um estudo publicado pela revista médica inglesa BMJ mostrou, pela análise de crimes com armas de fogo nos EUA, que, quanto mais elevado o número delas, maior é a incidência de tiroteios em massa em escolas. A cada aumento de 10% no número de armamentos, crescem 35% os crimes nos colégios. Vale lembrar que em território americano existem mais armas de fogo em circulação, na mão de civis, do que habitantes.
No Brasil, no entanto, a situação é menos alarmante: estima-se que há apenas oito armas, entre regularizadas e em situação irregular, para cada 100 000 habitantes. Mas isso pode mudar. O  decreto assinado em janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro estende a validade do registro de cinco para dez anos, permite a posse por qualquer morador de estados com índice de homicídios acima de dez por 100 000 pessoas (situação na qual se encontram todas as regiões do Brasil) e libera a compra de quatro unidades por indivíduo. E o governo quer mais. Parlamentares da chamada "bancada da bala" preparam um pacote que prevê direito ao porte, redução de tributos, anistia a donos de armas sem registro e diminuição da idade mínima de compradores de 25 para 21 anos, além de abertura do mercado para empresas estrangeiras. No mesmo dia do massacre de Suzano, Bolsonaro declarou que não dorme sem uma pistola ao lado da cama. Isso não acontecia no Brasil."
Com reportagem de André Lopes e Thais Navarro


"O PODER PÚBLICO NÃO APRENDEU NADA"
"Mãe que vive hoje o luto pela perda da filha no massacre que vitimou doze crianças em Realengo, em 2011, diz que barbáries como essa podem ser evitadas"


"No dia em que minha filha Luísa morreu, acordei com um sentimento estranho, e perguntei se ela tinha prova na escola. Com uma angústia inexplicável no peito, preferia que ela faltasse à aula. Luísa acabou indo. Era o mais razoável. Tinha 13 anos, e eu sempre a acompanhava à escola. Mas naquele dia, enquanto caminhávamos juntas, lembrei que tinha de resolver uma coisa rápido em casa. Ela seguiu, sorridente. Eu disse que a alcançaria. Logo fui a seu encontro e acabei esbarrando com um amigo, que perguntou: "Oi. Você não está sabendo?". Não, não sabia de nada. "Um homem doido entrou na escola atirando", ele contou. "Qual escola?", perguntei. "A Tasso da Silveira." Era a escola da Luísa desde pequena, uma casa para ela. 
Na mesma hora subi na moto desse amigo e fomos em direção ao colégio. Assustada, tracei vários cenários na cabeça, menos o de crianças mortas dentro de uma escola. Quem imaginaria isso no Brasil? Para mim, tiroteio assim era coisa que acontecia nos Estados Unidos, que a gente vê no cinema e na TV. Estava errada. O palco da insanidade dessa vez era a escola da minha filha, que perdeu a vida ainda no começo dela. Luísa e outras crianças morreram covardemente naquele 7 de abril de 2011.
Todo mundo sempre diz que a dor desse tipo de perda é física - e é mesmo. Dá um desespero, falta de ar. O que ajudou muito foi me unir a outros pais e formar a ONG Anjos de Realengo. No momento mais difícil não tivemos nenhum apoio das autoridades - psicólogos poderiam ter ajudado. Por isso decidimos brigar uns pelos outros. No início, e Ramos só os parentes das crianças mortas, mas foram chegando também familiares de sobreviventes da tragédia. Obtivemos algumas conquistas. Uma delas foi fazer do 7 de abril o dia nacional do combate ao bullying, o gatilho para a loucura do rapaz que matou a Luísa. Isso chamou atenção para o problema. Outra vitória foi conseguir a contratação de 3 000 porteiros para trabalhar nas escolas estaduais do Rio. Mas, para nossa tristeza, quatro anos depois todos foram demitidos.
Quando Luísa partiu, eu me vi totalmente perdida, sem rumo. A força para continuar viva veio justamente de poder ajudar outras pessoas que levaram o mesmo tombo que eu. Minha filha morreu sem saber o porquê de estar morrendo. Quanto ao atirador, não consigo sentir nada. A dor do luto é tão grande que não me sobrou espaço para sentimentos vingativos. Sim, o assassino de Luísa fez um estrago na minha vida, mas trabalho para que pessoas doentes como ele tenham ajuda.
Percebo com tristeza que o poder público não aprendeu nada com o drama de Realengo. Se tivesse aprendido, haveria nas escolas gente mais treinada para garantir a segurança e notar nuances de comportamento que podem desaguar nesses casos. Pretendo visitar as mães que agora vivem a dor da morte de seus filhos, em São Paulo. Transformei o aprendizado forçado que tive com minha própria dor em ofício: hoje ajudo país que perderam os filhos de forma brutal. De alguma maneira, sou a voz de Luísa, minha caçulinha que se foi tão cedo. Tenho outro filho, de 24 anos, mas a cada sem ela ficou vazia. E aquele aperto no peito nunca foi embora."
Depoimento a Bruna Motta


A matéria acima foi retirada da revista VEJA - Edição 2626 - Ano 52 - n° 12, págs. 54, 55, 56 e 57. 20 de março de 2019. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e à Editora Abril.


SUGESTÃO

Abaixo, reportagem do Brasil Urgente, que relembra outros massacres em escolas no Brasil. As imagens são do YouTube e o idioma é o português.


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