CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA POLÊMICA!


"A MACONHA EM QUESTÃO"
"As novas e controvérsias teses sobre os efeitos da droga e por que a votação da descriminalização no STF, em junho, é importante para o país"


Por: Danilo Thomaz
        Carolina Brigido

"Um livro com pesadas advertências ao consumo da maconha tornou-se, recentemente, uma das obras mais vendidas nos Estados Unidos e eriçou as comunidades médicas e acadêmicas especializadas na investigação das drogas. Ex-repórter do The New York Times, o autor Alex Berensou inflamou um debate até então considerado superado em razão da popularização do uso medicinal e recreativo da Cannabis. "A maconha causa paranoia e psicose. Paranoia e psicose causam violência. Há evidências esmagadoras que ligam transtornos psicóticos à violência", escreveu ele em Conte a seus filhos: a verdade sobre a maconha, doenças mentais e violência, publicado em janeiro passado.
Berenson opina que não se deveria mais dourar a pílula sobre o uso da maconha, realçando seu papel relaxante ou enumerando as possibilidades de negócios decorrentes desse novo filão. "Talvez eu seja muito cínico, mas acredito que a maioria das pessoas fuma maconha pela mesma razão que elas bebem álcool ou usam qualquer outra droga: porque gostam de ficar chapadas"."



"Ele argumenta que os defensores do uso de maconha ignoram evidências científicas de que o composto ativo da droga, o THC (tetra-hidrocanabinol, principal ingrediente ativo da Cannabis), pode precipitar o início de esquizofrenia e provocar atos de violência em indivíduos que experimentam "surto" psicótico.
A partir de um artigo de Malcolm Gladwell para a revista The New Yorker, a tese controversa de Berenson se espalhou, e o livro entrou para a lista dos mais vendidos do país. Reportagens e ensaios com outras publicações, como The Atlantic, The Nation, Rolling Stones, Vox e National Review, enfileiraram vozes de apoio - poucas - e de críticas - grande parte delas - ao enfoque de Berenson e, por tabela, de Gladwell.
O ápice das vozes contrárias foi a carta aberta assinada por 75 acadêmicos e profissionais da área médica americana, que classificaram o livro como exemplo de "alarmismo" projetado para despertar o medo do público "com base em uma leitura errada da ciência". Os especialistas negam que haja evidências científicas comprovadas da vinculação entre consumo de maconha e violência como pregou Berenson. Se fosse assim, a Holanda seria o país mais sanguinário do mundo.

Mas a polêmica havia sido instaurada. Berenson conseguiu levar o assunto aos holofotes mais uma vez. Havia alguns consensos importantes que foram reafirmados pelos especialistas. Um deles, de que, sim, fuma-se muita maconha por aí. Outro, de que o uso excessivo pode, excepcionalmente, ter consequências graves. Existem casos documentados em que usuários foram levados a praticar atos violentos depois do consumo. A experiência da maioria, porém, é relativamente benigna e previsível; ainda que a de outras possa não ser. Ninguém contesta também que o uso ocasional de maconha por pessoas maiores de 25 anos é geralmente seguro. Não há evidências científicas de que a maconha possa ser "mais perigosa do que acreditamos"."



"Mas a concordância unânime sobre a maconha é que é preciso estudá-la mais. Isso não aconteceu por décadas porque se construíram, ao longo dos anos, verdades absolutas sobre ela: de que era um vício perigoso e a porta de entrada para drogas mais pesadas."



"Quando o assunto é jurídico, não há estudos conclusivos que permitam dizer que o caminho a ser percorrido deve ser a legalização ou descriminalização, por exemplo. Se a maconha for usada por indicação médica, como remédio, deve passar pelo mesmo processo de testes clínicos que outras drogas: com investigações sobre efeitos colaterais e tentativas de discernir dosagens e mecanismos adequados."



"Maconha é droga. Todas as drogas tem risco. As mudanças das políticas não estão fingindo que esses riscos não existem. Eles existem e precisam ser abordados. Apenas muitos de nós consideramos que esses riscos poderão ser mais bem abordados se houver uma regulação estatal", afirmou o psiquiatra e professor da Unicamp Luiz Fernando Tófoli. "Descriminalização, regulação, legalização não é sinônimo de liberação".
Ao longo da última década, novas pesquisas têm surgido sobre o tema. Um estudo australiano mostrou que "usar maconha aos 15 anos aumenta em até três vezes o risco de alucinações aos 21 anos". Uma pesquisa suíça aponta que o uso regular de Cannabis por "adolescentes aumentou o risco de ideias paranoicas" em "2,6 vezes". Já uma pesquisa inglesa concluiu que "o uso de Cannabis por adolescentes triplicou o risco de sintomas psicóticos". (Em nenhum dos três países é permitido o uso recreativo da droga). "Há fortes evidências de que o uso da Cannabis no começo da vida aumenta o risco de desenvolvimento da esquizofrenia mais tarde. No entanto, também há evidências de que o uso da Cannabis por indivíduos com esquizofrenia está associada a uma melhor performance em testes cognitivos. É uma relação complexa", afirmou a doutora Daniele Piomelli, diretora do UCI Center for the Study oficial Cannabis, uma das responsáveis pela The Health effects of Cannabis and cannabinoids"."



"Segundo o neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Sidarta Ribeiro, é difícil precisar uma relação de casualidade entre o uso da Cannabis e doenças como a esquizofrenia. "Se pessoas que têm esquizofrenia têm maior prevalência de uso de Cannabis, vou concluir que a Cannabis causou esquizofrenia ou que a esquizofrenia causou o uso da Cannabis? Na maior parte dos casos, você não tem como resolver isso. A interpretação é altamente ideológica", afirmou. 
Para Ribeiro, a regulamentação da Cannabis seria a melhor maneira de mitigar os efeitos negativos. 
Um dos motivos para isso é permitir a produção da erva com doses equilibradas de seus dois principais canabinoides - O THC e o CBD. O professor da UFRN vê nas políticas de combate ao tabagismo - que levou à diminuição de 36% do número de fumantes entre 2011 e 2017, de acordo com o Ministério da Saúde - um modelo que poderia funcionar em relação à  Cannabis.
Ele citou como bons exemplos o fim das propagandas que glamorizavam o fumo, substituídas por propagandas negativas, e a restrição dos locais para fumantes. "O proibicionismo é um grande 'libera geral'. A pessoa tem acesso a tudo. Qualquer pessoa não tem de ter idade mínima, nada. Mas ela tem acesso a uma coisa extremamente incerta. Ela não sabe o que é aquilo. Ninguém sabe. Nem o cara que está vendendo sabe o que é aquilo de direito"."



"A Cannabis foi a droga mais consumida no mundo em 2016, tendo sido utilizada por 192 milhões de pessoas "ao menos uma vez ao longo do último ano", de acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2018 da ONU. "O número global de usuários da Cannabis continua a aumentar e aparenta ter se expandido em aproximadamente 16% na última década até 2016, refletindo assim um aumento similar na população global", afirma o relatório.
No Brasil, embora a maconha seja, hoje, a droga ilícita mais consumida, o aumento no consumo não pode ser mensurado na série de três levantamentos da Fiocruz sobre o uso de drogas. Os dados de 2001 e 2005 mostram que, respectivamente, 6,9% e 8,8% dos entrevistados usaram a maconha ao menos uma vez na vida. O número de dependentes nas duas pesquisas era de, respectivamente, 1% e 1,2%. Na pesquisa finalizada em 2016 - e divulgada parcialmente por meio de um vazamento para a imprensa -, 7,7% dos entrevistados admitiram ter usado maconha, haxixe ou skank uma vez na vida. Não foram disponibilizados os dados relativos à dependência em 2016."



"Na carta aberta contra o livro de Berenson, pesquisadores e clínicos escreveram: "Ponderados os danos da proibição da maconha, incluindo a criminalização de milhões de pessoas, esmagadora negros e pardos, a legalização é a abordagem menos prejudicial".
Essa discussão relevante e crucial entrará em debate no Brasil em 5 de junho, quando o Supremo Tribunal Federal decidirá se o porte da maconha deve ou não ser criminalizado no Brasil.

Em 19 de dezembro de 2016, no último dia de atividade no Supremo Tribunal Federal no ano, o ministro Teori Zavaski deixou a sede da Corte em Brasília carregado de papéis. Passaria uns dias com a família no Rio Grande do Sul - e aproveitaria a folga para adiantar o trabalho exaustivo que tinha pela frente. O então relator da Lava Jato acabara de receber a delação da Odebrecht. Poucos sabem, mas Zavaski tinha outra meta além o depoimento dos executivos. Ele queria concluir as pesquisas para seu voto sobre a descriminalização do uso das drogas."



"Para conciliar o convívio com a família e o trabalho, Zavascki passou 20 dias no litoral gaúcho. Lá, conversava por horas com um de seus três filhos, que é médico, sobre o uso das drogas e as consequências para a saúde pública. O ministro tinha interrompido o julgamento com um pedido de vista em setembro de 2015, quando três dos 11 colegas já tinham votado, todos pela descriminalização do uso de drogas. Em mais de um ano, Zavascki pesquisou, conversou com técnicos e também com médicos renomados de São Paulo. Ainda assim, não havia concluído o voto.
Zavascki não teve tempo para terminar seu voto sobre drogas nem para homologar a delação da Odebrecht. Em 19 de janeiro de 2017, exatamente um mês depois de iniciado o recesso do STF, ele morreu em um acidente aéreo em Paraty, no Rio de Janeiro. Alexandre de Moraes foi nomeado para a cadeira dois meses depois e herdou o pedido de vista no processo das drogas. No próximo dia 5, quando o julgamento finalmente for retomado, ele dará seu voto em plenário. Não há certeza de como Zavascki votaria. Na atual composição da Corte, a tendência é que não seja mais considerado crime no Brasil portar maconha para uso pessoal. A mesma ideia pode ser estendida a outras."



"A grande contradição da Lei de Drogas é não criminalizar o uso, mas considerar crime o porte para consumo próprio. O julgamento é de uma ação que questiona o artigo 28 dessa lei. Pela norma, quem adquire, guarda e traz consigo droga para consumo pessoal fica sujeito a uma série de penalidades - nenhuma delas envolve prisão. O usuário pode receber advertência, ser obrigado a prestar serviços à comunidade ou atender a curso educativo. As medidas se aplicam para quem semeia ou cultiva plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância capaz de causar dependência física ou psíquica.
Se houver recusa ao cumprimento da pena, o juiz pode aplicar multa ao usuário. Ou determinar que ele seja atendido, se quiser, com tratamento especializado gratuito. O artigo também estabelece que, para determinar se a droga era para uso pessoal ou não, o juiz deverá observar vários critérios, como a quantidade da substância aprendida, o local e as condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, além da conduta e dos antecedentes do agente. Ou seja: impera a subjetividade."



"Para tentar resolver a equação, o ministro Luís Roberto Barroso, que votou em 2015, sugeriu que o próprio STF fixasse uma quantidade para diferenciar uso pessoal de tráfico. Para ele, quem fosse pego com 25 gramas de maconha deveria ser classificado como usuário - e, portanto, não poderia ser preso. Também defendeu que o usuário pudesse cultivar, no máximo, seis plantas fêmeas de maconha. As quantidades foram inspiradas na legislação de Portugal e Uruguai. A regra valeria até o Congresso Nacional legislar sobre o assunto."



"Gilmar Mendes votou pela liberação do porte para qualquer tipo de droga para uso pessoal. Edson Fachin também foi pela descriminalização, mas se ateve à maconha. Nenhum dos dois endossou a sugestão de Barroso sobre quantidades. A falta de parâmetro objetivo na diferir tráfico preocupa boa parte dos ministros do STF. Embora a tendência seja considerar o artigo 28 inconstitucional, a solução apresentada por Barroso não deve conquistar maioria no plenário. Ministros consideram ousado para um tribunal fixar regra. A atribuição seria do Congresso Nacional.

Outro problema é que, para os ministros, fixar quantidades não seria o suficiente para diferir traficantes de usuários - e, portanto, não resolveria o problema.  Isso porque alguém com pouca quantidade de droga poderia ser traficante, dependendo da circunstância em que foi preso, da conduta e dos antecedentes. "Tenho dificuldade de ficar estabelecendo quantidade", disse o ministro, em caráter reservado. Também com a condição de anonimato, outro integrante da Corte concordou: "Essa história de planta fêmea não pode ser parâmetro para a Justiça".
O ministro Marco Aurélio Mello ainda não votou, mas não esconde sua opinião. "Não sou (a favor da descriminalização) e vejo, inclusive quanto ao usuário, que o bem protegido é a saúde pública. Maconha é o primeiro degrau. E numa certa faixa etária, ela faz mal ao garoto. Mas tenho colega que é a favor. É ingênuo dizer que tal quantidade, mesmo não sendo maconha, sendo cocaína, não é tráfico. Indaga-se: o entregador, não o grande traficante, coloca uma mochila cheia de droga para sair entregando? Não. É uma ingenuidade", criticou."



"O mais antigo ministro do STF, Celso de Mello, também não votou ainda. Ele não poupa elogios à lei de drogas de Portugal, que proíbe qualquer tipo de punição aos usuários. Para ele, o Congresso Nacional deveria seguir o mesmo modelo. "A legislação portuguesa está um passo na nossa frente, porque ela não dispensa ao usuário uma punição penal. Essa é a questão que estamos discutindo. Mas é sempre importante que o Congresso Nacional tenha primazia (para decidir)", disse."



"Com a proximidade do julgamento do Supremo, é pouco provável que os parlamentares avancem na discussão, que está adormecidas há anos. "Não há dúvida de que, qualquer que seja a decisão, o Congresso Nacional sempre é soberano para estabelecer políticas públicas nessa área", resumiu o presidente do STF, Dias Tófoli. Ricardo Lewandowski concorda. "O Congresso tem condições de analisar a questão de forma mais ampla do que o Judiciário, e certamente deverá - se vier a legislar - levar em consideração dados relativos à segurança pública e à saúde da coletividade", completou."




"Celso de Mello explicou que o papel do STF nesse caso é restrito. "O STF não legisla. Ele vai interpretar situações jurídicas. Pode, por exemplo, entender que o artigo 28 da Lei de Drogas (o que prevê penas para o porte e para consumo pessoal) é inconstitucional. Essa é a tese sustentada no processo".
Questionados sobre se já tinham feito uso de alguma substância ilícita, alguns ministros se esquivaram de responder. Lewandowski foi um dos que deram uma resposta firme: "Jamais usei qualquer droga ilícita". Março Aurélio também negou. "Não, nunca usei, não. A única droga é um charutinho uma vez na semana. Nem cigarro. (Não tive) nenhuma experiência, jamais", declarou. Mas fez uma ponderação bem-humorada: "Agora, deve ser bom não é? Porque tem tanta gente que gosta..."

Mesmo sem um placar claro, o julgamento do dia 5 não será unânime. Ao contrário, promete discussões acirradas entre os ministros em plenário. Alexandre de Moraes já deu demonstrações públicas de que não concorda com Barroso sobre o tema. Em 5 de fevereiro, Moraes disse que, para combater o tráfico de drogas, é preciso prender os líderes e também as chamadas "mulas" - ou seja, pessoas encarregadas do transporte de drogas. A posição foi defendida em sessão da Primeira Turma do STF, no julgamento do habeas corpus de um réu flagrado com meio quilo de maconha. Por 3 votos a 2, o preso continuou atrás das grades.
"Para combater o tráfico de drogas, o correto é prender os cabeças. Não existe general sem exército. Se não existisse mula, não existiria general", disse Moraes. Barroso fez o contraponto. Ponderou que o réu era apenas uma "mula" do tráfico, preso com uma quantidade mínima de maconha. "São visões diferentes, é uma política pública que não funciona", disse Barroso, ao rebater o voto de Moraes. "Ele foi preso neste momento com maconha, poderia ter sido preso em outro momento com cocaína", retrucou Moraes."



"O estudante José (o nome é fictício) encontrou na maconha sua válvula de escape, fumava para relaxar. Morador da comunidade Santa Marta, na Zona Sul do Rio de Janeiro, José desceu o morro numa manhã de agosto para comprar um pouco da erva numa boca de fumo, onde traficantes oferecem todo tipo de droga no varejo. Enquanto barganhava, policiais militares se aproximaram, numa operação de rotina contra a venda ilegal, e começaram a atirar. José é negro, homossexual e mora na favela. Diz-se usuário, mas naquele dia fugiu da polícia com medo de ser enquadrado como traficante. Enquanto corria, tropeçou, caiu e foi preso pela PM. Ele disse que, no meio da confusão, um traficante deixou para trás uma mochila com 12 cartuchos de fuzil, uma balança, um caderno de anotações do tráfico, celular, 406 gramas de cocaína em cápsulas e 150 gramas de maconha em tabletes. O criminoso fugiu, e a PM atribuiu os achados a José, que nega ser o dono."



"Aos 27 anos, José trabalha como lavador de carros durante o dia e faz supletivo à noite. Mora com seu companheiro em um barraco na mesma favela onde nasceu, cresceu e foi preso. Foi acusado de tráfico de drogas, associação criminosa e resistência à prisão, uma vez que os bandidos revidaram os tiros, e ficou meses na cadeia. Em dezembro passado, foi solto depois de os policiais faltarem a duas audiências para prestar depoimentos e de sua defesa alegar que ele é réu primeiro, tem emprego e residência fixa. "Pedimos exames das digitais do pente de fuzil, o grafotécnico para saber de quem é a letra do caderno e uma perícia de celular, para provar que não tem menção ao nome dele. Vamos fazer de tudo para mostrar que é inocente", afirmou o advogado Ricardo Nemer.
Na terceira audiência, um dos policiais alegou que José havia pulado de uma laje atirando, mas não soube responder que tipo de arma ele tinha. Sua defesa alega que não foi pedido um exame de pólvora de suas mãos para averiguar se ele havia tido, ou não, contato com bala. O juiz optou por soltá-lo. José agora responde em liberdade por todos os grupos mencionados. No dia em que deixou a prisão, o pai de José foi buscá-lo sujo de cimento. Tinha em mãos R$ 200 em notas de R$ 5, R$ 10 s R$ 20, uma gravata vermelha e uma carta de agradecimento - os honorários que pagaria ao advogado. Se houver nenhuma reviravolta processual, os crimes aos quais José responderá podem lhe render de 11 a 28 anos de cadeia. "Meu cliente está dentro do manual de suspeito da polícia: é jovem, periférico e preto. Ele é usuário de drogas, mas está sendo acusado como traficante. E traficante de facção criminosa que dá tiro em polícia", afirmou Nemer."



"Se o Supremo decidir pela inconstitucionalidade do artigo 28, o Brasil será um dos últimos países da América do Sul a descriminalizar o usuário. De dez nações analisadas num levantamento da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, só Brasil e Guiana consideram crime a posse de drogas para uso pessoal. Em outras partes do mundo, a discussão está mais avançada. No Uruguai e alguns estados dos Estados Unidos, a maconha é legalizada - a produção, distribuição, comercialização e posse para uso pessoal são permitidas e reguladas, assim como para bebidas alcoólicas e cigarros.
Em janeiro deste ano, a diretoria executiva da Organização das Nações Unidas - composta dos líderes de 31 agências - decidiu, por unanimidade, incentivar os países membros a descriminalizar o porte de drogas ilícitas para uso pessoal. O documento pede que as agências se comprometam a: "Promover alternativas à condenação e punição em casos apropriados, incluindo a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, e o princípio da proporcionalidade, para evitar o excesso de encarceramento de pessoas acusadas de crimes relacionados a drogas". O comunicado marcou uma mudança de paradigma na ONU e mandou um sinal importante num momento em que vários países elevaram o tom contra a guerra às drogas, como as Filipinas, Indonésia e Sri Lanka, que adotam pena de morte para traficantes. 

O impacto no sistema prisional é um dos principais argumentos de quem defende a descriminalização. Segundo os dados mais recentes do Ministério da Justiça, 26,5% da população carcerária masculina e 62% da feminina respondem por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Uma década depois da aprovação da nova lei, em 2006, a população carcerária brasileira teve um salto de 80%. O Brasil tem hoje 727 mil pessoas presas - é o terceiro país que mais se encarcera do ranking mundial, atrás dos Estados Unidos e da China.
Fixar padrões legais para enquadrar um suspeito como usuário ou traficante não é a única saída, tampouco simples. A experiência internacional mostra que não há um número mágico - a variação é enorme. Na Espanha, por exemplo, o limite de posse para uso pessoal é de 100 gramas de maconha e 7,5 gramas de cocaína. No México, 5 e 0,5 gramas, respectivamente. Apesar de amenizar os julgamentos individuais, os critérios objetivos podem, ao mesmo tempo, produzir injustiças ou leniência diante de um ato ilegal. Se a quantidade adotada for muito baixa, pode reforçar o encarceramento e ainda punir usuários problemáticos que consomem em excesso. Se for muito alta, pode abrir uma brecha para que traficantes comercializem sem pudor, dentro do limite legal.
Os contrários à descriminalização defendem que deixar de incriminar o uso pessoal terá como resultado o aumento do uso de drogas, posição defendida, por exemplo, pelo Conselho Federal de Medicina. O advogado Ives Gandra, professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e membro da Academia Brasileira de Filosofia, admite que a guerra às drogas falhou, mas não vê na descriminalização um caminho. Me parece que a descriminalização da droga forma de reduzir o consumo é uma falácia", afirmou. "A descriminalização do usuário já é consagrada na jurisprudência brasileira. Tanto que o cidadão, quando é introduzido numa clínica de dependentes químicos, não tem de responder a um processo penal. Se descriminalizar na lei, o que acontece é o seguinte: não elimina os produtores e ainda alarga o mercado".
Não há evidências de que a descriminalização aumente o uso de drogas. Um levantamento de 2012 apresentou dados de cerca de 20 países que tornaram suas leis de drogas menos rígidas. Em nenhum deles a proporção da população que faz uso regular alterou-se nem para baixo nem para cima. A comparação entre países europeus vizinhos, com estruturas socioeconômicas semelhantes, mostra que criminalizar o consumo de drogas impacta muito pouco na decisão de usá-las. O Centro Europeu de Monitoramento de Drogas e Dependência comparou a mudança de comportamento no uso da maconha em oito países, a partir do ano de alteração do status legal da droga. Não encontrou uma relação direta entre prevalência de consumo e restrições mais ou menos rigorosas ao porte da droga para uso pessoal."
COM REPORTAGEM DE ALINE RIBEIRO


A matéria acima foi retirada da revista ÉPOCA - n° 1090, págs. 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27. 27 de maio de 2019. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista ÉPOCA e à Editora Globo.


SUGESTÃO

Abaixo, vídeo de uma reportagem que fala do projeto enviado à Câmara dos Deputados, que prevê a descriminalização das drogas. Explica a polêmica em torno do assunto. As imagens são do YouTube e o idioma é o português.


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