CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA ALIMENTAÇÃO!


"O FUTURO DA COMIDA"
"Mais gostosa, mais saudável - e até mais barata. Veja o que a indústria alimentícia pretende colocar na sua mesa"


Por: Bruno Garattoni [Reportagem]
         Eduardo Szklarz [Reportagem]
         Studio Oz [Foto]
         Juliana Caro [Design e Produção de Fotos]


"O TOMATE INDESTRUTÍVEL"



"ELE É GOSTOSO, NUTRITIVO E TEM CINCO VEZES MAIS LICOPENO, um antioxidante que ajuda prevenir o câncer de próstata. Mas, acima de tudo, é forte: resistente a pragas mesmo sem o uso de agrotóxicos. Esse "supertomate" é fruto de uma pesquisa do genecista argentino Agustín Zsogon, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), e do botânico brasileiro Lázaro Peres, da USP, em colaboração com as universidades de Minnesota (EUA) e Munstur (Alemanha).
Quando os espanhóis levaram o tomate para a Europa, no começo do século 16, ele era muito diferente. Tinha frutos bem pequenos, resistência natural a secas, geadas, doenças e insetos, jeitão de erva daninha e fama de ser venenoso (tanto que muitos o cultivam apenas como planta decorativa). Com o tempo, percebeu-se que não era assim, e os agricultores foram cruzando tomateiros até chegar ao que temos hoje: tomates enormes e bonitões, mas meio sem gosto e vulneráveis a pragas.
Para tentar resolver isso, os pesquisadores brasileiros refizeram a evolução da planta. Pegaram tomate selvagem, como ele era no século 16, e usaram engenharia genética para modificá-lo. O processo, batizado de "domesticação de novo", é rápido e eficiente porque os cientistas já conhecem os genes que desejam selecionar. Numa única geração de plantas (de mãe para filhas), eles selecionaram o que a agricultura levou séculos para conseguir. "Pegamos [o que era] praticamente uma erva daninha e reduzimos o seu porte, aumentamos sete vezes o número de flores, triplicamos o tamanho do fruto e ampliamos cinco vezes o teor de licopeno", diz Agustín.
A técnica usada foi o CRISPR, que usa enzimas para cortar genes de fita, mas a colagem não é perfeita: alguns erros aparecem na sequência de DNA. A planta responde ao corte reparando na sequência de DNA, silenciando os tais genes. O resultado é uma planta geneticamente modificada - mas não transgênica, já que nenhum gene novo foi induzido. Por enquanto, a ideia foi apenas testar a técnica, mas os cientistas dizem que seria possível levar o supertomate ao mercado. "Em poucas gerações, é possível ter uma escala de produção", afirma Agustín."




"A GORDURA TRANS(GÊNICA)"

"VOCÊ JÁ DEVE TER REPARADO: CADA VEZ MAIS PRODUTOS TRAZEM A INSCRIÇÃO "NÃO CONTÉM GORDURA TRANS". Também conhecido como gordura vegetal hidrogenada, esse tipo de ácido graxo foi desenvolvido pelo francês Paul Sabatier, que em 1912 ganhou o Nobel da Química para isso. A hidrogenação é um processo que transforma as gorduras instauradas (típicas do mundo vegetal) em algo mais parecido com as saturadas (como as gorduras animais). Isso faz com que elas derretam mais facilmente, sejam quimicamente mais estáveis e durem mais tempo. A técnica permitiu criar diversos alimentos, como a margarina e os óleos vegetais, e mudou nossos hábitos culinários: por isso o pasteleiro da feira usa óleo de soja, e não banha de porco para fritar.
Só que a transformação não é perfeita. A gordura vegetal hidrogenada não se torna idêntica à gordura animal. Ela continua sendo insaturada, e de um jeito estranho: com átomos de hidrogênio dispostos na diagonal (daí o nome "trans"), não paralelamente (na chamada ligação "cis"). Essa combinação, como a ciência começou a descobrir a descobrir nos anos 1990, é um problemaço: as gorduras trans fazem muito, mas muito mal. Elas aumentam o nível de colesterol ruim (LDL) no organismo, abaixam o teor de colesterol bom (HDL) e, como se não fosse o bastante, elevam o risco de desenvolver diabetes tipo 2. Nos Estados Unidos, as gorduras trans já são proibidas desde 2018.
A indústria alimentícia vai ter de se virar sem elas. E, para fazer isso, está tentando reinventar sua principal fonte de gordura: a soja.
A empresa americana Corteva Agriscience (uma divisão da Dow DuPont) desenvolveu um tipo de soja transgênica, batizado de Plenish, que contém 20% menos gordura saturada - e, o mais importante, não precisa ser hidrogenada para virar óleo nem contém gordura trans. "No teste que fizemos em ratos, o Plenish induziu menos obesidade do que o óleo de soja convencional", diz Frances Sladeck, do Departamento de Biologia Celular da Universidade da Califórnia em Riverside. Isso acontece porque a composição de ácidos graxos do Plenish é similar à do azeite de oliva: ambos têm alto teor de ácido oleico e baixo teor de ácido linoleico. "Modificar geneticamente um produto para torná-lo mais saudável é um conceito interessante", diz a cientista Poonamjot Deol, coautora do estudo. "Mudanças desse tipo geralmente são feitas com outros objetivos, como tornar os vegetais mais resistentes a herbicidas".
O óleo feito com soja Plenish já está disponível nos EUA desde 2014, e foi liberado na Europa em 2018, mas ainda é relativamente pouco usado. Isso tem a ver com seu preço, mais alto do que o óleo de soja comum, e também com uma ironia semântica: embora tenha 0% de gordura trans, o produto é geneticamente modificado, o que costuma ser entendido como sinônimo de "transgênico" - e desperta resistência dos consumidores."


"LAVOURA VIRTUAL"


"CAFÉ COLOMBIANO FEITO NA ALEMANHA. Chá indiano plantado no Brasil. Uvas francesas made in China. É o que promete o projeto OpenAg ("agricultura aberta") do MIT. Ele está tentando construir food computers - máquinas dentro das quais seria possível reproduzir o clima e as características do solo de qualquer lugar do mundo. "Ele imita o ambiente natural da planta", diz o pesquisador Caleb Harper, do MIT. "Podemos não apenas simular o clima atual dos lugares, mas projetar o clima do passado e trazer de volta à vida uvas Carbernet do Vale de Napa (Califórnia) de 1982, por exemplo", afirma. Isso seria feito controlando variáveis como temperatura, umidade e luminosidade dentro da caixa, e os minerais, acidez e nutrientes da terra usada. A ideia é decodificar, e digitalizar a "receita" biológica necessária para produzir cada tipo de alimento, e distribuí-la livremente pela internet - daí o nome do projeto. "O objetivo é criar uma 'Wikipedia dos fenótipos', em que as receitas serão baixadas e aperfeiçoadas pelos usuários ao redor do mundo", diz.
Ele criou uma versão pequena da máquina, que batizou de Personal Food Computer (e liberou no site do MIT as instruções para quem quiser construir o seu), e um modelo do tamanho de contêiner, o Food Server. A ideia é ótima. Mas o sonho de reproduzir qualquer tipo de comida, em qualquer lugar, ainda está distante. Para conseguir isso, seria preciso transplantar também o solo original e seus micróbios - em escala suficiente para produzir o alimento desejado, e sem garantia de que vá dar certo. Isso para não falar nas lavouras que não existem mais (como as uvas da safra californiana de 1982, citadas por Harper), e por isso não podem ser adequadamente estudadas. Acaba dando mais certo, e saindo mais barato, fazer o óbvio: simplesmente importar o que você quer comer."


"A MAÇÃ QUE NÃO FICA MARROM"

"SABE QUANDO VOCÊ CORTA UMA MAÇÃ, NÃO COME TUDO, E ACABA JOGANDO UMA PARTE FORA PORQUE FICOU MARROM? Já existe solução. É a Arctic Apple, uma maçã geneticamente modificada lançada nos EUA pela empresa Okaganan. Ela tem baixo teor de uma enzima que deixa as maçãs escuras ao serem mordidas, cortadas ou amassadas. "Ano passado, vendemos nossas maçãs em mercearias nos Estados do meio-oeste dos EUA. A colheita deste ano será dez vezes maior", diz o canadense Neal Carter, presidente da Okanagan.
A história da Arctic Apple começou em 1995, quando Carter comprou seu primeiro pomar. Ele ficou impressionado com o número de maçãs que iam para o lixo por causa das manchas causadas por solavancos no transporte e no armazenamento. "Cerca de 40% da safra era perdida", recorda. A chave do problema estava em substâncias químicas presentes em diversas frutas, os polifenóis, que reagem com o oxigênio do ar e causam o escurecimento. A reação precisa da ajuda de uma enzima chamada polifenol oxidase (PPO). Os polifénois e as PPO ficam separados em diferentes compartimentos das células. Mas, quando você morde ou achata a fruta, esses compostos se encontram e interagem com o oxigênio, escurecendo o alimento em poucos minutos.
Carter fundou a Okanagan em 1996 e licenciou uma técnica de alteração genética desenvolvida por cientistas australianos. Após dez anos de pesquisas, conseguiu reduzir 90% do PPO na maçã - o bastante para evitar o escurecimento. A FDA aprovou a maçã em 2015, e logo depois a Okanagan foi comprada pela Intrexon Corparation, que é também é dona da AquAdvantage, produtora de salmão transgênico [leia texto abaixo].
Mas é possível evitar manchas na maçã sem mexer em seus genes. O pesquisador Rufino Cantillano, da Embrapa Clima Temperado, desenvolveu um método que retarda o escurecimento de maçãs fatiadas. A vida útil do produto embalado aumenta de dois para até 12 dias. Primeiro a fruta é colocada por dez minutos numa solução desinfetante, com cloro. Depois é cortada em gomos e mergulhada por um minuto num agente antioxidante (eritorbato de sódio). "A maçã mantém a aparência, a cor, a textura e a acidez", diz Cantillano. A técnica já está sendo usada, de forma experimental, por produtores brasileiros."



"O TRIGO SEM GLÚTEN"


"1% DAS PESSOAS TEM DOENÇA CELÍACA, e não pode comer glúten (pois isso lhe causa inflamação no intestino). Também há pessoas com algum grau de sensibilidade ao glúten, mas não muitas: as estimativas mais exageradas falam em 6%. Para todas as demais, não há nenhum problema em ingerir essa proteína presente no trigo. Muita gente acha que é intolerante a glúten, mas na verdade não é. Cientistas da Universidade de L'Aquila, na Itália, acompanharam durante dois anos um grupo de 392 pessoas que diziam ter problemas com glúten - e descobriram que 86% não apresentavam intolerância nem sensibilidade, a ele. Era tudo coisa da cabeça delas.

Mas o fato é que, de uns anos para cá, o glúten se tornou mais um vilão da alimentação, e o mercado tem respondido a isso lançando novos produtos, como os pães sem trigo. O problema é que eles não são, nem de tão longe, tão gostosos quanto o pão de verdade. Mas e se alguém conseguisse criar um trigo que não tivesse glúten.
Cientistas do Instituto de Agricultura Sustentável (IAS), da Espanha, dizem ter conseguido fazer mais ou menos isso. Eles desenvolveram um trigo sem gliadina, que é o componente irritante do glúten - e afirmam que o pão feito com ele é idêntico, em todos os aspectos, ao pão comum. "Fizemos uma degustação e ninguém percebeu a diferença", diz o cientista Francisco Barro, do IAS.
O projeto começou em 2006, quando Barro usou uma técnica de silenciamento de genes conhecida como RNA de interferência (RNAi). Esse método usa um mecanismo natural de defesa das plantas, que destrói vírus invasores ao identificar seu RNA mensageiro (molécula que carrega informações sobre o DNA de cada vírus). Os cientistas isolaram o DNA  gliadina, e o inserirem num gene artificial. Depois, implantaram esse gene no trigo, e isso ativou o sistema de defesa da planta - que começou a destruir toda a gliadina.
"Nós conseguimos linhagens de trigo com 99% das gliadinas silenciadas", diz Barro. Ele testou o produto com sucesso em ratos, e foi autorizado pelo governo da Espanha a cultivar uma tonelada de grãos, com os quais obteve 700 quilos de farinha. Agora, está fazendo testes clínicos com pessoas celíacas e sensíveis ao glúten em hospitais da Espanha. Mas, como o novo trigo é geneticamente modificado, será difícil lançá-lo no mercado europeu. "Não conseguimos cultivar produtos transgênicos na Europa por pressão dos ecologistas", afirma. "O trigo de RNAi tem mais chances de chegar ao mercado no Brasil ou nos EUA. Já temos empresas interessadas", diz ele."



"O LEITE SEM VACA"

"LEITE VEGETAL PODE ATÉ SER GOSTOSO, MAS NÃO É LEITE - está mais para um suco de sementes. Não tem a mesma textura, o mesmo gosto, nem se comporta da mesma forma se transformado em queijo, sorvete ou iogurte. Fazer leite sem vaca é difícil por causa da fórmula: como cerca de 90% do leite é água, todas as proteínas, gorduras e açúcares entram numa proporção diminuta. Reproduzi-las com vegetais mantendo suas propriedades lácteas, é quase impossível. Mas há várias empresas tentando fazer isso. 
Uma delas é a americana Perfect Day Foi Foods, que está bactérias e leveduras geneticamente modificadas para fermentar açúcar - e criar um líquido que contém caseína, alfa-lactoalbumina e beta-lactoglobulina, as três proteínas que dão ao leite suas características típicas. "Ao contrário de proteínas feitas com soja, amêndoas ou outras plantas, as nossas são exatamente iguais às que vêm da vaca", diz Ryan Pandya, CEO da empresa. O leite sintético da Perfect Day só deve chegar ao mercado daqui a alguns anos.
A startup chilena The Not Company (NotCo) aposta em outra tática: usar inteligência artificial para tentar descobrir a proporção exata, entre ingredientes de origem vegetal, para reproduzir o leite. Após criar a Not Mayo, uma maionese sem ovos, a empresa está lançando o Not Milk, seu leite sem leite. O autor da proeza é um algoritmo, batizado de Giuseppe, que usa uma base de dados com as características de milhares de alimentos. O software determina qual a cor, o pH, a densidade, a concentração de açúcar, o ponto de ebulição e o ponto de congelamento do alimento que deve reproduzir. Daí, consulta seu banco de dados para encontrar ingredientes que possam suprir cada um desses atributos.
O computador acelera o processo de tentativa e erro, e faz combinações que um humano não teria imaginado. Por exemplo, Giuseppe usou grão de bico no lugar de ovo para fabricar maionese. Misturou champignon com nozes para imitar o sabor do chocolate. E usou grãos de cacau para tentar substituir o sabor de um queijo azul."

"A ALFACE URBANA"

"SE VOCÊ COSTUMA COMPRAR ALFACE, sabe como é comum ter de jogar pedaços fora. Ela estraga rápido, inclusive porque vem de longe e já chega à sua casa meio murcha. Mas, no exterior, já existem empresas com uma resposta para isso: o cultivo urbano de alface. A pioneira foi a japonesa Innovatus, que em 2016 inaugurou um centro de produção com capacidade para gerar 12 mil pés de alface/dia - e entregá-los aos supermercados de Tóquio em no máximo duas horas após a colheita. Nos EUA, a principal empresa do ramo é a Bowery Farming, cuja "fábrica de alface" fica em Nova Jersey, na periferia de Nova York. Trata-se de um galpão com iluminação de LED e dezenas de milhares de prateleiras para plantio de alface, com sistemas automatizados de irrigação, colheita e transporte da verdura. "Nós somos cem vezes mais produtivos que a agricultura tradicional na mesma área da terra", diz Irving Fain, CEO da empresa. A alface Bowery é cultivada sem agrotóxicos e custa US$ 3,99 - preço comparável ao da alface orgânica tradicional."

"AS PLANTAS GIGANTES"

"VOCÊ PROVAVELMENTE NUNCA OUVIU FALAR DELA, mas a RuBisCO* é a enzima mais abundante - e importante - da Terra. As plantas a utilizam para capturar o gás carbônico (CO2) durante a fotossíntese, produzindo glicose e liberando oxigênio (O2). Assim, transformam a luz do Sol em energia. Mas a RuBisCO tem um problema: em 20% das vezes, ela pega uma molécula de O2 por engano. As plantas então contornam o problema realizando um processo muito mais difícil, a "fotorrespiração", o que reduz em até 50% a eficiência da fotossíntese. Por isso elas crescem menos, e mais devagar, do que poderiam.
Mais um grupo de cientistas americanos descobriu como melhorar a fotossíntese - com uma técnica que poderia elevar drasticamente a produção de alimentos no mundo. "Só no meio-oeste dos EUA, poderíamos alimentar 200 milhões de pessoas a mais por ano", afirma O biólogo Donald Ort, da Universidade de Illinois. A fotorrespiração consegue muita energia porque segue uma rota longa nas células da planta. Usando a engenharia genética, Ort e sua equipe criaram plantas com um "atalho" metabólico, que acelera esse processo e diminui a perda de energia.
Nos primeiros testes, feitos com tabaco, eles criaram plantas 40% maiores. Mas calma: a ideia não é produzir mais cigarro. "Escolhemos o tabaco porque ele é tão fácil de alterar geneticamente, robusto e gera muitas sementes. Com isso, avançamos mais rápido do que se tivéssemos começado os testes com um alimento", explica Ort. Agora, ele está inserindo a modificação genética na soja, no feijão-fradinho e na batata, e depois pretende testá-la no trigo e no arroz. Em tese, a mudança pode ser aplicada a 90% das plantas (que possuem uma via metabólica chamada C3). Se der certo, poderá ser a resposta para alimentar a população global - que deverá, segundo a ONU, chegar a 9,8 bilhões de pessoas em 2050."

* abreviatura de ribulose - 1,5 - bisfosfato carboxilase oxigenase.


"O PORCO COM MENOS GORDURA"


"BACON LIGHT" parece uma contradição de termos - mas, tecnicamente, já é possível. Cientistas chineses desenvolveram um porco transgênico com 24% menos gordura corporal. Para entender a façanha, é preciso lembrar que quase todos os mamíferos têm dois tipos de tecido adiposo: o branco e o marrom. O marrom é mais vascularizado (daí sua cor) e especializado na produção de calor. A chave dessa usina de energia é a chamada proteína desacopladora-1 (UCP-1), presente nas mitocôndrias da gordura marrom. Os porcos não têm essa proteína, e por isso são mais vulneráveis ao frio. Seu corpo, então, acumula muita gordura branca como forma de proteção.

Os cientistas inseriram a tal proteína em 12 embriões de porcos, que nasceram com um pouquinho de gordura marrom - e bem menos gordura branca. Os animais se desenvolveram normalmente, sem efeitos adversos. "Os porcos com a UCP-1 mostraram melhor capacidade de manter a temperatura corporal e menor acúmulo de gordura", concluiu Jianguo Zhao, do Instituto de Zoologia da Academia Chinesa de Ciências. Ou seja: a pesquisa melhorou o bem-estar dos animais e, de quebra, a qualidade da carne. O bacon "fit", de qualquer forma, ainda não tem data para chegar ao mercado."


"BATATA FRITA MAIS SAUDÁVEL"

"PODE CONFESSAR, É DIFÍCIL RESISTIR A UMA BATATA FRITA. Quanto mais moreninha, mais crocante... e mais perigosa também. É que a cor escura indica a presença de acrilamida, uma substância potencialmente cancerígena que se forma quando fritamos ou passamos a batata a mais de 120 graus. A alta temperatura faz o açúcar reagir com os aminoácidos do alimento, produzindo a substância tóxica. Mas já existe uma solução à vista. Em 2014, o Ministério da Agricultura dos EUA aprovou uma batata geneticamente modificada que produz menos acrilamida
Batizada de Innate, a batata modificada é fabricada pela empresa americana J. R. Simplot Company, uma das principais fornecedoras do McDonald's. A Simplot alterou o DNA da batata para que ela contenha menos asparagina, um aminoácido que reage com o açúcar na formação da acrilamida. "O resultado é uma redução de 58% a 72% de acrilamida quando as batatas são assadas, fritas ou torradas em altas temperaturas", diz a empresa.
A batata não é transgênica, pois não possui genes de outras espécies. Daí seu nome, Innate ("inata"). O que os cientistas fizeram foi isolar genes de batatas selvagens, rearranjá-los e inseri--los de volta no DNA da planta. Ao detectar os fragmentos "invasores", o sistema de defesa da batata ataca os genes da asparagina. De quebra, a Innate não fica com manchas escuras após ser cortada ou se for amassada no armazenamento e transporte - o que significa menos prejuízo para produtores e comerciantes. Mesmo assim, o produto ainda enfrenta resistência por ser geneticamente modificado. O próprio McDonald's decidiu não adotá-lo.
Enquanto a Innate não chega, é possível limitar o consumo de acrimalida: basta fritar a batata o mínimo possível, evitando que ela fique amarronzada. As fritadeiras sem óleo, do tipo air fryer, também são indicadas, porque fritam a batata mais devagar - e isso, como constatou um estudo da Universidade Politécnica de Valência, gera 90% menos acrimalida (e, como não há óleo, as batatas ficam com menos gordura)."


"SALMÃO A PREÇO DE TILÁPIA"




"FAZ TEMPO QUE O SUSHI ESTÁ NA MODA NO BRASIL, mas continua caro. Pudera: todo o salmão que os brasileiros consomem é importado, principalmente do Chile. 
Mas isso pode mudar. A empresa americana AquaBounty está testando no Brasil a produção do salmão AquAdvantage (AAS), primeiro animal geneticamente modificado a receber aprovação da FDA (agência dos EUA que regula alimentos e remédios).
"Nosso salmão cresce na metade do tempo. Atinge o peso de venda (4 a 5 quilos) em 16 a 20 meses, contra os 30-32 meses do salmão convencional. E come 25% menos ração", diz Ron Stotish, CEO da AquaBounty. Para conseguir essa proeza, cientistas da Memorial University de Newfoundland (Canadá) introduziram no salmão do Atlântico o gene do hormônio do crescimento de outra espécie, o salmão-rei. O resultado foi o salmão transgênico. A AquaBounty o submeteu à FDA em 1993, mas a aprovação só veio em 2015.
Enquanto esperava, a empresa usou a engenharia genética para tornar a população de seus cardumes exclusivamente feminina e estéril. Os machos, cujo papel é fertilizar os ovos colocados pelas fêmeas, são cultivados em pequenas quantidades - e em tanques em terra, não em gaiolas no mar. São medidas de segurança para evitar que a nova espécie escape para o oceano, onde poderia causar desequilíbrios ambientais.
A água dos tanques é constantemente filtrada e o ambiente controlado, o que reduz ou elimina o uso de antibióticos e hormônios. É a chamada Aquicultura em Sistema de Recirculação (RAS). As fezes são coletadas e transformadas em fertilizante - uma vantagem em relação à criação convencional, em que o cocô do salmão é liberado diretamente no mar.
Como é mais forte e cresce rápido, o salmão transgênico pode ser criado praticamente em qualquer lugar, inclusive nos trópicos. "Estamos testando a produção no Brasil, cuja demanda tem crescido", diz Stotish, sem revelar o local da experiência. Se o projeto for adiante, teremos salmão transgênico nacional - e mais barato."


"CORES ESTRANHAS E AGROTÓXICOS INVISÍVEIS"



"EU NÃO VOU RESPONDER A NENHUMA PERGUNTA SOBRE GLIFOSATO", diz Jacqueline Applegate, diretora de ciência ambiental da Bayer. Estamos no estande da empresa na Fruit Logística, em Berlim: a maior feira de frutas e verduras do mundo, com 3.276 exibidores de 90 nações. Ela reúne agricultores de todos os cantos do planeta - pense em qualquer alimento, de aspargos a atemoia, e você encontrará vários países produtores aqui, loucos para fechar negócio com os 78 mil visitantes do evento.
A feira também tem absolutamente todas as máquinas, serviços e insumos agrícolas inimagináveis, das coisas mais banais (redinhas para embalar limões e laranjas) às mais sofisticadas (o robô belga Octinion, primeiro capaz de colher morangos, ou a máquina italiana CTI, que pega, posiciona, corta e desencaroça 17 mil abacates por hora), passando por tecnologias que já fazem parte da sua vida, mas você nem sabe que existem - na próxima vez que comprar alface embalada, saiba que dentro do saquinho há uma "atmosfera modificada", com oxigênio substituído por CO2 e nitrogênio, para fazer a verdura durar mais. A Fruit Logística tem até detectores de metais: eles se tornaram a sensação da indústria depois que alguém colocou agulhas dentro de morangos australianos, no ano passado, causando mais de 180 incipientes e arruinando os produtores locais.
A exposição só não tem uma coisa: agrotóxicos. Eles são parte central do mundo moderno, e essenciais para a indústria agrícola, mas a Fruit Logística é como se nem existissem. Só no pavilhão 18, de todos os 26 que compõem o evento, há um mísero estande dedicado a esse tipo de produto. Ele pertence a empresa espanhola Citrosol, que parece ter tomado cuidado para disfarçar (Os panfletos dos seus pesticidas estão escondidos atrás de uma máquina, que ela também oferece, para "medir os limites de resíduos" de agrotóxico nos alimentos). Todos os gigantes da indústria agroquímica estão aqui, mas nenhum deles mostra seus principais produtos. É como ir a uma feira de medicina, por exemplo, e não ver nenhuma menção a remédios. Insólito.
Mas também tem sua lógica: depois que a Bayer comprou a Monsanto, que produz o glifosato e plantas transgênicas compatíveis com esse herbicida, as ações da empresa alemã caíram quase 50%, afogadas pela polêmica em torno do produto. Nos EUA, a Bayer já foi condenada a pagar US$ 370 milhões em indenizações a agricultores que dizem ter desenvolvido câncer devido ao uso de glifosato. A empresa está recorrendo dos processos e, aqui, prefere discutir "práticas sustentáveis" e apresentar as suas variedades de melão, tomate e pimentão, que comercializa sob as marcas Seminis e De Ruiter.
No estande vizinho, da empresa de biotecnologia Syngenta, também não há qualquer menção aos mais de 50 pesticidas comercializados pela marca. Mas há alimentos bem estranhos, que não se parecem a nada que você já tenha visto nos supermercados: a melancia individual Sunprima (grande demais na prática, para comer sozinho), uma bizarra couve-flor roxa chamada Depurple, e o não menos esquisito tomate Yoom, com intensa e curiosa cor preta. Não são transgênicos - as alterações foram obtidas por cruzamentos seletivos, que foram mudando lentamente as cores dos alimentos, num processo que levou sete anos (eles ficaram dessas cores porque contêm mais antocianinas, um pigmento antioxidante). Mas eles têm algo de alienígena - e aqui na feira, expostos em redomas de acrílico, são até meio intimidantes. Pergunto qual é o gosto do tomate preto, e um executivo da empresa logo aparece com um. Chega a ser um alívio constatar que ele tem, apenas, gosto de tomate."


"Mas nenhuma tecnologia é tão assustadora quanto a da empresa Bee Vectoring Technology, que usa abelhas como transportadoras de pesticidas. O sistema, que já está sendo usado plantações de morango e blueberry nos EUA, usa uma bandeja colocada na saída da colmeia. As abelhas pisam nela e ficam impregnadas com pequenas quantidades de pesticida, que levam até as plantas que polinizam. A empresa diz que a coisa não faz mal aos insetos - algo, convenhamos, difícil de acreditar.
"Eu nem vou tentar explicar, é uma física quântica muito profunda", diz o americano RJ. Hassler, inventor do produto mais questionável de toda a feira: o Food Freshness Card. Ele está em destaque no catálogo da Fruit Logística, mas quase não consigo encontrá-lo - seu estande é pequeno e fica num cantinho do 23° pavilhão. Trata-se de um cartão plastificado, com desenhos que lembram símbolos Illuminati, para colocar dentro da geladeira, onde faria a comida durar 40% mais tempo. Pergunto a Hassler se ele tem estudos científicos comprovando a eficácia do produto, que custa US$ 75. Ele diz que ganhou vários prêmios de inovação e mostra vídeos, supostamente gravados em laboratório, que compararam uvas, tomates e pés de alface envelhecendo com e sem cartão milagroso. Hassler diz que os estudos podem ser consultados em seu site e, confiante, me dá um Freshness Card para levar e testar.
Ao voltar para o Brasil, adivinhe só. Não havia estudo nenhum. E o tal cartão, claro, não funcionou.
Ele é um picaretagem. Mas as demais tecnologias descritas nos textos dessa reportagem não são - mesmo os casos em que parecem surreais. E, no que depender da indústria alimentícia, fatalmente chegarão ao seu prato. Bom apetite. (Bruno Garattoni)."


A matéria acima foi retirada da revista SUPERINTERESSANTE - Edição 402, págs. 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33 e 34. Maio de 2019. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista SUPERINTERESSANTE e à Editora Abril


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