DOSSIÊ CIÊNCIA FORENSE
NAQUELA MESA TÁ FALTANDO ELE...
A ciência auxilia os familiares em busca dos restos mortais das 241 pessoas desaparecidas nos porões da ditadura militar brasileira
Por: Thiago Tanji [Reportagem e Edição]
Otávio Silveira [Ilustração]
Feu [Design]
REPARAÇÃO
PARA COMEMORAR O QUÊ?
Com um governo abertamente saudoso do regime militar, entidades e comissões ligadas à administração federal preocupam-se com possíveis retrocessos nas políticas de investigação, resgate da memória e concessão de indenizações às vítimas da ditadura
No dia 25 de março, foi anunciado pelo porta-voz Otávio Rêgo Barros que o presidente Jair Bolsonaro determinara ao Ministério da Defesa "comemorações devidas" ao aniversário de 45 anos do golpe militar - liminares judiciais tentaram suspender a decisão e o Ministério Público Federal (MPF) emitiu nota em repúdio à medida. Em meio à briga ideológica, sobram preocupações para entidades que defendem o trabalho de investigação dos crimes cometidos pela ditadura e a busca dos desaparecidos. Uma das comissões mais afetadas pelo atual governo é a da Anistia, criada em 2001 com o objetivo de realizar reparações às vítimas da repressão do Estado durante o regime militar: neste ano, a Comissão deixou de fazer parte do Ministério da Justiça e foi abrigada no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pasta comandada por Damares Alves. Desde então, ela dispensou conselheiros, nomeou militares de carreira e empossou como presidente o advogado João Henrique Nascimento de Freitas, autor de ações na Justiça.
Sob a presidência de Eugênia Gonzaga, procuradora da República, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos segue com seu trabalho de identificar os restos mortais das vítimas da repressão. Instituída em 1995 pelo governo federal, a comissão faz parte do Grupo de Trabalho Perus e também promove ações em todo o país para investigar outros possíveis locais onde estariam ossadas de desaparecidos políticos. De acordo com Gonzaga, a maior dificuldade para o funcionamento do órgão são as restrições orçamentárias. A investigação das ossadas de Perus deveria contar com pelo menos dez técnicos contratados, mas atualmente há apenas quatro, já que nenhum contrato via governo federal foi renovado. A manutenção do trabalho depende da liberação de emendas parlamentares de um grupo de deputados federais que apoiam o projeto - a análise dos restos mortais de Perus no ICMP custou US$ 540 mil (o equivalente a R$ 2 milhões) e foi possível graças a uma emenda da deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP). Neste ano, o governo federal ainda não liberou a utilização dessas verbas. "Não temos o ato do Executivo que autoriza essa utilização, e nós aguardamos isso, porque a verba está lá, disponível", ressalta Gonzaga. Procurado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não enviou resposta até a conclusão desta reportagem.
Sob a presidência de Eugênia Gonzaga, procuradora da República, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos segue com seu trabalho de identificar os restos mortais das vítimas da repressão. Instituída em 1995 pelo governo federal, a comissão faz parte do Grupo de Trabalho Perus e também promove ações em todo o país para investigar outros possíveis locais onde estariam ossadas de desaparecidos políticos. De acordo com Gonzaga, a maior dificuldade para o funcionamento do órgão são as restrições orçamentárias. A investigação das ossadas de Perus deveria contar com pelo menos dez técnicos contratados, mas atualmente há apenas quatro, já que nenhum contrato via governo federal foi renovado. A manutenção do trabalho depende da liberação de emendas parlamentares de um grupo de deputados federais que apoiam o projeto - a análise dos restos mortais de Perus no ICMP custou US$ 540 mil (o equivalente a R$ 2 milhões) e foi possível graças a uma emenda da deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP). Neste ano, o governo federal ainda não liberou a utilização dessas verbas. "Não temos o ato do Executivo que autoriza essa utilização, e nós aguardamos isso, porque a verba está lá, disponível", ressalta Gonzaga. Procurado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não enviou resposta até a conclusão desta reportagem.
A DITADURA ESCANCARADA
A Comissão Nacional da Verdade reuniu os dados sobre o período
CASAS DA MORTE
O Doi-Codi de São Paulo (onde hoje funciona uma delegacia) assassinou 47 pessoas em suas dependências. Era comandada por Carlos Alberto Brilhante Ustra.
VIOLÊNCIA PELO BRASIL
A Comissão da Verdade identificou que 230 locais que ocorreram violações de direitos humanos em diferentes estados do Brasil.
OS RESPONSÁVEIS
Apresentado em 2014, o relatório identificou 377 agentes do Estado ligados aos crimes de repressão, tortura e desaparecimento de opositores à ditadura.
TORTURA
Informações organizadas pelo governo brasileiro indicam que cerca de 20 mil brasileiros sofreram algum tipo de tortura.
CRIMES SEM RESPOSTAS (NEM PUNIÇÕES)
Lei da Anistia é utilizada como salvaguarda para impedir o julgamento criminal dos responsáveis por morte
Durante o discurso de pouco mais de 50 segundos para confirmar o voto a favor da abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o então deputado federal Jair Bolsonaro evocou a memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, que morreu em 2015 com a patente de coronel do Exército Brasileiro. Ustra é o único agente do Estado reconhecido pela Justiça como responsável por sequestros e tonturas durante a ditadura militar: em 2012, o STJ confirmou a condenação civil declaratória aberta por um processo da família de Edson Teles em 2002.
Apesar do reconhecimento, a sentença não vale pela Justiça criminal: promulgada em 1979, a Lei da Anistia prevê a reversão das punições aos brasileiros que foram considerados criminosos políticos pelo regime militar e aos responsáveis por "crimes conexos" - no entendimento da Justiça, isso abrangeria as violações de direitos humanos promovidas pelo Estado, como a tortura, o sequestro e o assassinato de opositores. "Em outros países, a Lei da Anistia não pode impedir crimes dessa natureza", afirma Carla Osmo, professora da Faculdade de Direito da Unifesp. Em 2018, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela falta de investigação e julgamento dos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975 nas dependências do Doi-Codi de São Paulo. "Quando não se investiga e não há punição para esses crimes, há uma mensagem implícita à sociedade de que essas práticas são aceitáveis", destaca Osmo. Que o diga o caso do pedreiro Amarildo Dias de Souza, desaparecido em 2013 depois após ser detido na Favela da Rocinha.
DOSSIÊ CIÊNCIA FORENSE foi retirado da revista GALILEU - Edição 334, págs. 40 e 41. Maio de 2019. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista GALILEU e à Editora Globo
DOSSIÊ CIÊNCIA FORENSE foi retirado da revista GALILEU - Edição 334, págs. 40 e 41. Maio de 2019. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista GALILEU e à Editora Globo
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