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A seguinte matéria é de autoria do colunista Duda Teixeira, publicada esta semana pela revista Veja. Portanto, todas as informações abaixo pertencem exclusivamente aos seus autores, e não devem ser copiadas sem a divulgação de seus nomes.
"O INFERNO ATÔMICO"
"As bombas lançadas há setenta anos contra Hiroshima e Nagasaki anteciparam o fim da II Guerra e expuseram ao mundo os efeitos da radioatividade"
"Após a explosão da bomba atômica na cidade japonesa de Hiroshima, em 6 de agosto de 1945, a revista americana The New Yorker contou o que se passou com o pastor Kiyoshi Tanimoto, da Igreja Metodista, quando tentava levar feridos para o hospital. 'Ele dirigiu o barco até a margem do rio e chamou os que estavam ali para subir a bordo. Ninguém se moveu, e ele se deu conta de que estavam muito fracos para se levantar. (Tanimoto) desceu e pegou uma mulher pelas mãos, mas a pele dela se desfez em grandes pedaços, como uma luva. Ele estava tão doente que teve de se sentar por um momento. Então, entrou na água e carregou vários homens e mulheres, que estavam nus, para o barco. Suas costas e peito estavam pegajosos, e ele se lembrou das grandes queimaduras que tinha visto durante o dia: amarelas no começo, depois vermelhas e inchadas, enrugadas e, finalmente, de noite, supuradas e fedidas... Ele repetia para si mesmo: esses são seres humanos', publicou a revista."
"Sem que o imperador japonês aceitasse a rendição (na Europa, a II Guerra Mundial acabara três meses antes, com a capitulação alemã), em 9 de agosto os americanos lançaram outra bomba atômica dessa vez sobre Nagasaki. Assim, como na primeira, ela gerou ondas de radiação, calor e vento que destruíram e incendiaram prédios, deceparam e incineraram corpos e elevaram a temperatura a insuportáveis 4 000 graus, causando um total de mais de 200 000 mortos nas duas cidades. Ainda seriam necessários alguns dias para que o imperador Hiroito aceitasse a rendição total. As duas calamidades também tiveram como efeito uma reversão completa do expansionismo japonês e o início da era nuclear, caracterizada pela corrida entre vários países pela obtenção da arma mais letal de todas.
As dolorosas histórias contadas pelos sobreviventes e parentes das vítimas estão expostas num museu em Hiroshima, que também mostra um triciclo e uma lancheira de metal retorcidos pelo calor. O prédio foi construído junto ao ponto onde caiu a bomba, em que o Rio Motoyasu e uma ponte formavam um 't'. Essa foi a referência visual para o piloto do bombardeiro B-29. Nesse mesmo rio, habitantes da cidade depositaram na semana passada lanternas de papel para lembrar os mortos. O significado singular de Hiroshima e de Nagasaki, porém, não está somente no número de perdas humanas."
"Durante a II Guerra, outros ataques provocaram danos até maiores. Na companhia aérea com bombas tradicionais contra cidades do Japão, mais de 300 000 morreram. No bombardeio mais letal, em Tóquio, 100 000 perderam a vida nas explosões ou no incêndio que tomou a capital, construída principalmente de casas de madeira e papel. Em Hiroshima, em comparação, 70 000 morrera, instantaneamente. O assustador no caso das duas cidades japonesas é que elas praticamente desapareceram com uma única explosão. A escolha de Hiroshima, aliás, foi feita porque era um local de relevo plano, o que ampliou seu potencial destrutivo. Além disso, sua área urbana de 5 quilômetros de diâmetro parecia adequada para testar o potencial da nova arma. Cerca de 90% da área foi transformada em ruínas. Outro aspecto foi o impacto nos corpos humanos, que se prolongou ao longo dos anos. Em 2014, em hospitais de Hiroshima e Nagasaki destinados a sobreviventes, mais de 10 000 pessoas receberam tratamento para câncer, sendo o mais comum o de pulmão."
"Olhadas através da lente histórica de hoje, as duas bombas nucleares lançadas no Japão podem trazer imagens distorcidas. A principal delas é dizer que poderiam ter sido facilmente dispensadas, uma vez que os japoneses estavam a ponto de se render. Segundo essa versão, as mortes teriam sido provocadas apenas por um capricho dos Estados Unidos, desejosos de mostrar seu poder aos soviéticos. Até aquele instante, o Projeto Manhattan, que desenvolveu a bomba, já tinha consumido 2 bilhões de dólares e envolvido 125 000 pessoas.
É verdade que a probabilidade de os japoneses vencerem a guerra era mínima, mas não há dúvida de que derrotá-los de outra forma custaria outro mero absurdo de vítimas. No plano desenhado pelos Estados Unidos para invadir a ilha do Japão, a Operação Downfall ('Derrocada', em inglês), calculava-se que as perdas americanas poderiam chegar a 1 milhão de vítimas. O presidente Harry Truman imaginava que seriam meio milhão. O Japão tinha 12 700 aviões e 18 600 pilotos e combustível para milhares de voos suicidas, pilotados por camicases. Para eles, assim como para a maior parte dos japoneses, a noção de morrer pelo império era honrosa e garantia uma aprazível vida após a morte. Civis foram orientados a atacar invasores, e todos, incluindo mulheres, idosos e crianças, se preparavam com lanças de bambu. Havia também lanchas, submarinos e mergulhadores camicases sendo preparados para cumprir a missão. Um aperitivo da carnificina que poderia ocorrer foi dado quando os Estados Unidos tomaram a Ilha de Okinawa, em um combate entre abril e junho de 1945. Os civis tinham recebido granadas e foram encorajados a se explodir diante dos americanos. Cerca de 140 000 pessoas pereceram dos dois lados.
Com Hiroshima e Nagasaki, os japoneses se deram conta de que morreriam sem sequer poder lutar honrosamente, como pretendiam. O perigo estava nos céus. 'Os militares (japoneses) foram apresentados à incômoda possibilidade de que os americanos poderiam negar a eles a batalha no solo que eles queriam e simplesmente lançar bombas atômicas, contra as quais eles não tinham o que fazer', escreveu o historiador D.M. Giangreco no seu livro Hell to Pay, sobre a Operação Downfall. Ainda assim, a desistência não foi imediata. Em uma reunião do Conselho Supremo de Guerra, a rendição foi rejeitada veementemente. Os bombardeios ao Japão continuaram até que o imperador Hiroito finalmente cedeu. 'Os ministros e líderes militares começaram a chorar', escreve o historiador inglês Antony Beevor, no livro recém-lançado em português A Segunda Guerra Mundial (Record). Hiroito decidiu que falaria pelo rádio, um fato inédito para um imperador. Na noite de 14 de agosto, conta Beevor, generais tentaram dar um golpe e impedir a fala de Hiroito, sem sucesso. Muitos japoneses choraram por ouvi-lo pela primeira vez. 'O inimigo começou a usar uma nova e cruel bomba, com um poder de destruição ainda incalculável e capacidade de ceifar muitas vidas inocentes', disse o imperador. Era o fim da II Guerra Mundial.
A matéria acima foi retirada da revista Veja, edição 2 438 - ano 48 - nº 32, págs. 76, 77 e 78. 12 de agosto de 2015. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente a revista Veja e a Editora Abril.
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