CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA EDUCAÇÃO!


"A EDUCAÇÃO PASSOU LONGE DAQUI"
"A baterna, a arruaça e o uso político das manifestações contrárias à reorganização das escolas de São Paulo enterraram o que poderia ter sido uma solução para os muitos problemas da educação no estado"


"Uma boa ideia para melhorar a qualidade do ensino em São Paulo terminou na semana passada soterrada por estilhaços de bomba e sacos de lixo em chamas. Num espetáculo explícito de banditismo e oportunismo político, black blocs, arruaceiros e manifestantes a soldo de partidos misturaram-se a estudantes para transformar em caso de polícia uma questão de educação.
Tudo começou em setembro, quando a Secretaria de Educação, então comandada pelo engenheiro Herman Voorwald, anunciou uma reestruturação da rede escolar paulista. Com ela, o governo tinha dois objetivos principais. O primeiro era racionalizar os gastos públicos, diminuindo a ociosidade de algumas escolas. Entre 1998 e 2015, por causa da redução de nascimentos, da municipalização do ensino fundamental e da migração de estudantes para a rede privada, a rede estadual de ensino perdeu quase 2 milhões de alunos. Com isso, salas de aula que deveriam ter entre trinta e quarenta pessoas passaram a ter menos de dez. O segundo objetivo do projeto era estimular o desempenho de alunos reagrupando-os por faixa etária. Um estudo do governo mostrava que as escolas de ciclo único, ou seja, aquelas próximas, tinham desempenho até 28% melhor que outras que misturavam a esse público alunos mais velhos. Para implementar a mudança, seria necessário transferir cerca de 311 000 dos 4 milhões de alunos do sistema e fechar 92 dos pouco mais de 5 000 estabelecimentos de ensino do estado.
Inicialmente, o projeto agradou à maior parte dos diretores de escolas. A ideia foi então apresentada aos pais dos alunos. E aí as coisas começaram a dar errado. Sem informações suficientes que mostrassem as vantagens do projeto, inseguros sobre como começaria o ano letivo de 2016 e aflitos diante da possibilidade de seus filhos acabarem mudando para uma escola 'pior', muitos pais protestaram contra a mudança. A incerteza durou semanas, sem que o governo conseguisse acalmá-los. Um mês e meio depois do anúncio, alunos contrários à reestruturação ocuparam a escola estadual Fernão Dias Paes. Semanas mais tarde, o número de prédios tomados chegou a 200. O governo admite que demorou a perceber a gravidade da situação. Diz um dos secretários que participaram da gestão da crise. 'Quando a gente viu, esse assunto, infinitamente menor, estava dividindo todo o noticiário com o impeachment da Dilma'. Não por acaso."


"As manifestações contrárias à reorganização das escolas rapidamente deixaram de ser um movimento de estudantes. Grupos de oposição ao governo estadual e de apoio ao federal, ligados ao PT e ao PCdoB, misturaram-se aos protestos e passaram a incentivar os alunos a bloquear as ruas. A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Camila Lanes, que já tinha a pele curtida de protestos contra Beto Rocha (PSDB) no Paraná, ocorridos no primeiro semestre, também se juntou ao grupo para mobilizar os alunos pela interdição de avenidas. A Apeoesp, sindicato dos professores da rede pública ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), aproveitou para engrossar o caldo, e até o MTST de Guilherme Boulos resolveu dar o ar da graça nas manifestações. A Polícia Militar foi chamada para desobstruir as vias, e as cenas de bombas de gás lacrimogênio e de estudantes algemados tomaram o noticiário.
No dia 4 de dezembro, depois da divulgação de uma pesquisa do Datafolha que mostrou que a aprovação do governador Geraldo Alckmin havia caído para 28% - índice que não tinha sido atingido nem com a crise hídrica -, o tucano capitulou. Preso no trânsito por um protesto dos estudantes, Voorwald ouviu no carro o governador anunciar a suspensão do projeto que ele tinha elaborado. Quando chegou à sede do governo, o secretário entregou a carta de demissão."


"Como havia muito o propósito do movimento já era outro, o recuo do governador de nada adiantou - mais de uma centena de escolas continua ocupada. Na noite de quarta-feira, arruaceiros misturados a estudantes tomaram as ruas do centro de São Paulo, atearam fogo a sacos de lixo, depredaram orelhões e atiraram pedras contra policiais no pior confronto já registrado desde o início das manifestações.
O governo falhou ao achar que o tempo e os méritos do projeto acalmariam os protestos. E falhou sobretudo ao subestimar o faro de oportunistas políticos interessados em defender sua agenda partidária à custa dos estudantes. O resultado é que, por um tempo indeterminado, os cofres públicos do estado continuarão a bancar gastos desnecessários, escolas e classes permanecerão ociosas e o sistema escolar paulista perderá a chance de dar um merecido e necessário salto de qualidade."


A matéria acima foi retirada da revista VEJA - edição 2 456 - Ano 48 - nº 50, págs. 84, 85 e 86. 16 de dezembro de 2015. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e a Editora Abril.


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