ATUALIDADES:
VESTIBULAR E ENEM


JOVENS INFRATORES NA MIRA DA POLÊMICA
O debate sobre a redução da maioridade penal exige que se avaliem as consequências da medida para os adolescentes e seus direitos




No Brasil, propostas de redução da maioridade penal costumam ganhar destaque nos meios de comunicação sempre que ocorrem crimes bárbaros com a participação de adolescentes. Passada a comoção maior, o tema deixa o noticiário. Em 2015, foi diferente. A discussão veio mais insistente, quando o Congresso Nacional desengavetou projetos antigos e decidiu levá-los ao plenário. A ideia de alteração da maioridade penal é reduzir de 18 para 16 anos a idade mínima para que um menor infrator receba as mesmas penas estabelecidas para adultos. O assunto mexe com toda a sociedade, e o debate muitas vezes apaixonado resulta em pesquisas de opinião amplamente favoráveis à redução, que confundem a demanda legítima por segurança e justiça como medo ou a vontade de vingança. Uma reflexão mais aprofundada exige que se conheça melhor a realidade do jovem brasileiro e seu papel na sociedade, bem como as consequências que a redução teria sobre os direitos da juventude. Nesse ponto, faltam pesquisas mais aprofundadas.

ADOLESCENTES BRASILEIROS

O Brasil tinha, em 2013, 21 milhões de jovens com idade entre 12 e 18 anos incompletos - essa é a faixa etária a que a lei se refere como adolescência. Período de intensas alterações hormonais, fisiológicas e emocionais, a adolescência traz grandes oportunidades e, ao mesmo tempo, muitos riscos. Por essa razão, a Constituição Brasileira de 1988 trata de maneira específica essa camada da população. O Estado tem o dever de assegurar aos jovens um conjunto de direitos - em saúde, alimentação, lazer, educação, profissionalização, cultura, dignidade, respeito e convivência familiar.

Infelizmente, na prática essa não é uma realidade. Existiam, em 2013, 10 milhões de jovens com idade entre 15 e 17 anos. Essa é a faixa etária em que espera que um jovem esteja cursando o Ensino Médio. Mas apenas um terço deles estava nessa etapa de estudos. E 1,8 milhão conciliava estudo e trabalho, enquanto outros 584 mil haviam abandonado a escola para trabalhar. Por fim, outro 1 milhão não estudava nem trabalhava.

À medida que os anos passam, as oportunidades para o jovem se estreitam e os riscos aumentam. Dados do Mapa da Violência 2015 mostram que, a partir dos 15 anos, dobra a chance de uma pessoa morrer por arma de fogo no Brasil, atingindo o pico aos 19 anos. A vulnerabilidade aumenta para negros. As agressões foram a principal causa de morte na adolescência nos últimos 12 anos. Nesse cenário, o jovem brasileiro é antes de tudo uma vítima, e não uma ameaça.




HISTÓRIA

No início do período republicano no Brasil a criança respondia por crime a partir dos 9 anos de idade, mas até os 14 era julgada conforme sua capacidade de discernimento, que era avaliada por um juiz. Entre os 14 e os 21 anos, a pena era mais branda do que as definidas para os adultos. Em 1921, a imputabilidade (a possibilidade de ser responsabilizado por um ato) passou a ser possível a partir dos 14 anos, e a capacidade de discernimento deixou de ser fator considerado. Até os 18 anos, o menor infrator era submetido a um processo e as medidas punitivas diferenciadas. Foi só em 1990, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que a ênfase mudou.

O ECA, que completou 25 anos em 2015, estabelece os direitos dos jovens até 18 anos no Brasil, O jovem brasileiro continua tendo responsabilidade penal a partir dos 12 anos - ou seja, ele é responsabilizado e punido por seus atos a partir dessa idade, mas julgado sob parâmetros da justiça juvenil. As punições passam a ser as medidas socioeducativas - ou seja, que pretendem recuperar o jovem para a sociedade, por meio da educação. Essas medidas vão desde advertência e a prestação de serviços à comunidade até a internação em estabelecimento educacional, por um período máximo de três anos. Esses estabelecimentos educacionais têm diversos nomes, dependendo do estado. Em São Paulo, as unidades da antiga Febem hoje são chamadas unidades da Fundação Casa. Todas essas unidades são coordenadas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (Sinase).

A detenção é prevista apenas para crimes graves ou casos de reincidência, mas, na prática, já tem sido utilizada para infrações de menor gravidade. Hoje, dos 111 mil adolescentes cumprindo medidas socioeducativas, cerca de 24 mil sofrem a privação da liberdade - 63% deles por roubo ou associação com tráfico de drogas (veja infográfico acima). Aqueles condenados por crimes contra a vida - homicídio, latrocínio (roubo seguido de morte), estupro e lesão corporal grave - são 3,8 mil. Esse número representa cerca de 13% dos casos de adolescentes detidos em unidades do sistema socioeducativo, mas apenas 0,01% do total de adolescentes brasileiros.


PEC EM VOTAÇÃO

Para que se reduza a maioridade penal no Brasil, é preciso fazer uma alteração na Constituição Federal, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). O texto final da PEC deve ser votado duas vezes pela Câmara dos Deputados e outras duas vezes pelo Senado Federal, sempre com a aprovação de mais de dois terços dos parlamentares.

Existem no Congresso diversos projetos de lei para alterar o tratamento dado a menores infratores, e nem todos defendem a redução da maioridade. Alguns propõem uma adequação do ECA, estabelecendo punição maior para crimes graves, mas ainda dentro dos parâmetros socioeducativos: adolescentes poderiam ficar presos até oito anos em instituições especiais, em vez dos três anos hoje adotados. O argumento dos defensores dessa ideia de que três anos é pouco para recuperar um menor infrator para a sociedade.

Em julho de 2015, a Câmara de Deputados votou e rejeitou uma PEC de redução. Mas, na madrugada seguinte, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), apresentou nova proposta, que acabou sendo aprovada. Essa segunda votação abriu uma controvérsia jurídica. O regimento do Congresso determina que um tema cuja proposta tenha sido derrotada não seja novamente apreciado na mesma legislatura.




POLÊMICA

A PEC aprovada pela Câmara reduz a maioridade de 18 para 16 anos, no caso de crimes graves ou hediondos, como estupro, latrocínio, homicídio cometido por grupos de extermínio, homicídio doloso (com intenção de matar) ou lesão corporal seguida de morte. Os menores devem receber as mesmas penas estabelecidas para adultos. Mas, até que o adolescente ultrapasse os 18 anos de idade, essa pena deve ser cumprida em unidades especiais a serem construídas pelos governos federal e estaduais. À época do fechamento desta edição, faltava ainda a segunda votação da Câmara e as duas do Senado.

Os defensores da redução da maioridade penal consideram que, pelas regras do ECA, não ocorre justiça: adolescentes que cometem infrações legais ficam sem punição ou recebem punições leves demais; as vítimas, por outro lado, sofrem plenamente as consequências, sem reparação nenhuma. Os que são a favor afirmam, também, que reduzir seria uma forma de coibir a prática criminosa por adolescentes. Além disso, muitos consideram que o envolvimento no crime, seja na idade que for, não tem relação com as oportunidades de educação ou trabalho que o indivíduo recebe: ser criminoso seria uma questão de índole.

Já quem é contra a redução alega que não houve, até agora, um grande debate nacional que envolva e esclareça a população a respeito do assunto, e que a tramitação da questão no Congresso está sendo feita às pressas e de forma arbitrária. Para estes, é falsa a ideia de que o criminoso adolescente fica impune. Ao contrário, os menores infratores são processados, e, se condenados, cumprem pena, inclusive com restrição da liberdade. Além do mais, se o menor é diagnosticado com algum problema mental, pode ficar detido, em tratamento, por tempo indefinido.

Os contrários à redução afirmam, ainda, que não há evidência de que o simples endurecimento de penas reduza a criminalidade. No Brasil, nas últimas décadas, as taxas de criminalidade cresceram, apesar da severidade cada vez maior nas punições. Os números variam muito, conforme a pesquisa, mas em todas a taxa de reincidência no caso de menores infratores - ou seja, a proporção de condenados que, depois de soltos, voltam a cometer delitos - é menor do que entre criminosos adultos. Isso, segundo os críticos da redução, comprova que envolver-se com o crime não é questão de índole pessoal, mas da falta de oportunidades e de educação.


NO MUNDO

Com o ECA, o Brasil encontra-se alinhado às diretrizes internacionais. No mundo, os países que mantém a maioridade penal abaixo dos 18 anos constituem minoria. Segundo o último relatório Crime Trends (Tendências do Crime), da Organização das Nações Unidas (ONU), apenas em 17% dos 57 países pesquisados em 2008 a maioridade penal é inferior aos 18 anos.

Outros países caminham no sentido inverso: Espanha e Portugal aumentaram a maioridade penal de 16 para 18 anos. Nos Estados Unidos (EUA) onde os estados têm autonomia para legislar sobre o tema, há projetos de lei em tramitação que pretendem elevar a maioridade dos 16 anos, em Nova York, e 17, no Texas, para 18 anos. Essa tendência chama a atenção em um país cujo rigor é citado por quem defende a redução da maioridade. Os EUA mantêm presas mais de 2 mil pessoas condenadas à prisão perpétua por crimes cometidos quando ainda eram menores, segundo a Anistia Internacional. Mas, em 2012, a Suprema Corte vetou a aplicação da prisão perpétua a menores de idade.


SAIU NA IMPRENSA

ELAS PASSARAM PELA FEBEM

"Herenice Santos Cruz gosta de ser chamada de Nice Pequena ou apenas Pequena, nome que recebeu em três meses antes de sair de uma unidade da Febem, atual Fundação Casa. (...)
Na Febem, Pequena seguia com rigor as regras (...) e se preocupava com o futuro (...) 'Conheci meninas que sofreram agressão. Eu não. Mas fui várias vezes humilhada por funcionários. Mesmo assim, foi lá na unidade que tive a oportunidade da minha vida (...) Se eu fosse maior de idade naquela época, teria ficado anos presa (...) Eu entrei de gaiata nessa história, não tinha passagem pela polícia, nada disso, mas entrei. Não fui enganada. Cometi um erro e paguei por isso. Mas tive sorte porque conheci a Valéria (professora de teatro da instituição) e com ela aprendi muita coisa. Até o meu português melhorou. Se eu tivesse ficado naquela situação, poderia estar morta. Na cadeia, acho que teria me tornado criminosa mesmo! (...)"


Revista Brasileiros, maio de 2015

RESUMO

MAIORIDADE PENAL

CONCEITO: É a idade em que o jovem infrator recebe a mesma punição que a população adulta. No Brasil a maioridade penal é de 18 anos. Mas, entre 12 e 18 anos incompletos, o jovem infrator pode ser punido no âmbito da justiça juvenil.

REDUÇÃO DA MAIORIDADE: Em julho de 2015, foi aprovada na Câmara de Deputados uma PEC que propõe reduzir a maioridade penal de 18 anos  para 16 anos, no caso de crimes graves. Para tornar-se lei, a PEC precisa ser aprovada duas vezes pela Câmara e depois também duas vezes pelo Senado.

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: Hoje, são aplicadas aos jovens entre 12 e 18 anos incompletos, de acordo com a gravidade do delito, que vão desde a advertência e prestação de serviços à comunidade até a internação em estabelecimento educacional, por um período máximo de três anos.

MAIORIDADE NO MUNDO: Pesquisa da ONU mostra que de 57 países analisados, apenas 17% puniam em 2008 jovens com menos de 18 anos da mesma forma que adultos. E alguns países têm aumentado a maioridade.

DEBATE: Argumentos a favor da redução da maioridade: trata-se de uma questão de justiça: as vítimas sofrem as consequências do crime, enquanto o adolescente fica impune ou recebe penas brandas demais; a redução seria uma forma de coibir a entrada de jovens no crime; e envolver-se em crimes depende da índole do indivíduo. Argumentos contra: o adolescente não fica impune - pode, inclusive, ser detido; as ações socioeducativas são mais eficazes do que a carceragem para recuperar o adolescente para a sociedade - prova disso é que as taxas de reincidência entre jovens internados nas instituições educacionais são mais baixas do que aquelas entre adultos detidos nos presídios comuns; envolver-se com o crime é reflexo da falta de oportunidade e educação.




Informações retiradas do livro ATUALIDADES: VESTIBULAR E ENEM - 2º Semestre de 2015, págs. 146, 147, 148 e 149.

SUGESTÃO

Após a leitura, sugerimos que assista ao debate sobre o assunto produzido pelo canal Futura, que detalha e traz à discussão, toda a polêmica envolvida.


Se você vai fazer uma redação sobre o tema, sugerimos que assista à aula do canal do You Tube, Descomplica, que debate técnicas de redação sobre o assunto.


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