ESPECIAL DAVID BOWIE

Nesta semana, o mundo parou e se entristeceu ao saber da morte de David Bowie, cantor, compositor e ator que conquistou duas gerações que acostumadas com o ritmo e letras de suas músicas, não quis acreditar que aquela voz se calara. David Bowie tinha apenas 69 anos, e faleceu vítima de um câncer. Mas diferentemente do que a morte possa representar, para os seus milhares de fã mundo afora, David Bowie jamais se calará, nem ele, nem suas músicas. Acompanhe o especial David Bowie a partir de agora:

MÚSICO INGLÊS DAVID BOWIE MORRE DE CÂNCER AOS 69 ANOS

Dois dias após completar 69 anos e lançar seu 25º disco de estúdio, o cantor, compositor e ator inglês David Bowie morreu no domingo (10), em decorrência de um câncer. Ele deixa dois filhos.

Autor de 'Starman' e 'Space Oddity', Bowie era chamado de 'camaleão' por sua variedade de estilos musicais e capacidade de transformação em personagens, como Ziggy Stardust.

DAVID BOWIE

1947-2016

AGORA HÁ VIDA EM MARTE

• COMPOSITOR INGLÊS QUE INFLUENCIOU COMPORTAMENTO DE DUAS GERAÇÕES MORRE DE CÂNCER AOS 69

• AUTOR DE CLÁSSICOS DO ROCK COMO 'LIFE  ON MARS?', CRIOU OBRA AMBIENTADA NA GRANDEZA DO ESPAÇO

Artista que expandiu como poucos os limites da sua arte, David Bowie morreu no domingo aos 69 anos, vítima de um câncer que o acometeu por 18 meses. A informação foi divulgada nesta segunda (11) pela família.

Cantor, compositor, ator e performer, Bowie foi um iconoclasta que transitou, a partir da matriz do rock, por diversos gêneros musicais. Lançou moda e estilos e influenciou o comportamento de duas gerações. Graças à capacidade infinita de se reinventar e de se travestir, ganhou o apelido de 'camaleão do rock'.

Compôs clássicos do gênero, como 'Space Oddity', 'Starman', 'Heroes', 'Changes' e 'Let's Dance'.

Nascido David Robert Jones, em Londres, adotou o sobrenome artístico - emprestado a uma marca de facas - para se diferenciar de Davy Jones, do Monkees.

Lançou o primeiro disco em 1967, mas só virou uma estrela de primeira grandeza com 'The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars', disco de 1972 seguido de uma turnê de grande sucesso. O artista foi casado duas vezes e deixou dois filhos.

Sumiu por dez anos para retornar somente em 2013, mas desde os anos 1990 já havia perdido parte de sua influência. Dois dias antes de morrer, lançou seu 25º álbum, 'Blackstar', e um videoclipe, que, agora se vê, trazem sinais de que Bowie estava se despedindo.

O espaço e as criaturas imaginárias, que criou para habitá-lo construíram o melhor da obra de Bowie. Em 'Life on Mars?', de 1971, ele perguntava: 'Existe vida em Marte?'. Talvez agora ele mesmo possa responder.

RELEMBRANDO O ASTRO

Que tal relembrar algumas músicas do ícone David Bowie? Leia esta matéria ao som de 'The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars'. A música é perfeita a qualquer hora!

MORTE FOI ANUNCIADA PELA MANHÃ DE 11 DE JANEIRO, EM MÍDIAS SOCIAIS

Única nota oficial divulgou que o cantor morreu após 18 meses de luta contra câncer

Foi durante a madrugada desta segunda (11), às 4h30 (horário de brasília), que a página oficial de David Bowie no Facebook divulgou que o cantor 'morrera em paz', após 18 meses de luta contra câncer, na companhia da família. A´pós o susto nos fãs, nenhuma outra informação foi confirmada oficialmente.

Tabloides londrinos e nova-iorquinos especulam que Bowie tinha um câncer de pulmão que teria se espalhado para o fígado. Segundo o inglês 'Daily Mail', seu produtor Tony Visconti teria dito que o artista sabia um ano que seu tipo de câncer era incurável. Para ele, seu novo disco 'Blackstar', lançado na última sexta-feira (8) e gravado após o diagnóstico, seria um 'presente para o mundo'.

O biógrafo Wendy Leigh, por sua vez, contou à 'BBC News' que fontes próximas ao cantor confirmaram que Bowie teve seis ataques cardíacos nos últimos anos.

A falta de informações gerou teorias conspiratórias nas redes sociais. Pouco tempo após o anúncio, alguns fãs começaram a sugerir que o camaleão do rock não teria morrido realmente. Esses fãs citam a música 'Lazarus', de 'Blackstar', que tem o nome da figura bíblica ressuscitada por Jesus.

LONDRES E NOVA YORK CHORAM PELO CANTOR

Moradores de Brixton, bairro no sul da capital inglesa, prestaram homenagens em frente à casa onde Bowie nasceu

Nos EUA, fachada do prédio em que o astro tinha apartamento virou santuário com purpurina e baquetas.

No coração de Brixton, no sul de Londres, o cinema Ritzy não anunciava filmes nesta segunda (11). No lugar dos nomes de suas atrações, em letras maiúsculas no topo do prédio, havia uma curta mensagem: "David Bowie - Our Brixton Boy - RIP "(David Bowie - Nosso garoto de Brixton - Descanse em paz).

O bairro onde nasceu o cantor que tanto transformou a música e as artes ao redor do mundo amanhecera de luto.

A poucos metros dali, um painel com o rosto de David Bowie pintado em 2013 pelo australiano James Cohran, inspirado na capa do disco 'Aladdin Sane' (1973), servia de ponto de encontro de fãs, que faziam tributo ao ídolo.

"Eu não havia percebido quão importante ele era para mim até hoje de manhã", disse a inglesa Gillian Gould, moradora de Brixton. Enquanto conversava com a FOLHA, Gillian enxugava as lágrimas. "Ele nunca será esquecido. Ele era um homem lindo... Talvez ele tenha vindo mesmo de outro planeta".

Outro inglês, Gary Grant, passou alguns minutos ajoelhado após depositar sua flor no local da homenagem. Aos 56, ele lembra de quando viu Bowie pela primeira vez. "Quando ele apareceu na televisão, parecia um alienígena. Os adolescentes perguntavam, 'Quem é esse cara?'."

A morte do ídolo foi  para Grant "um choque final". "Quando alguém lança um disco novo ['Blackstar'], você não espera que a pessoa morra poucos dias depois. [Sua doença] Foi um segredo bem guardado. Ele quis que fosse dessa forma, mas ele nos deixou com músicas novas para desfrutarmos."

A poucos quarterões do painel que concentrava as homenagens a Bowie, alguns fãs prestaram outra homenagem.

PRIMEIRA CASA

A casa de número 40 da Stansfield Road, em Brixton, era onde a família do cantor vivia quando ele nasceu, em 1947, e onde ele passou os primeiros anos de sua vida. Em frente ao imóvel, estavam flores e uma cópia do single 'Absolute Beginners' (1986).

A inglesa Jan Lee falava do ídolo com tristeza. 'Ele é um Deus. Eu fui à 'igreja' David Bowie', afirmou. 'Ele me ajudou a superar tantos problemas na minha vida'.

No centro de Londres, alguns fãs depositaram flores em outro local marcado pela carreira de Bowie, a rua Heddon, onde foi feita a foto da capa do álbum 'The Rise and Fall of Ziggy Mars' (1972).

O inglês Gregory Brown fez questão de ir ao local, que ele já visitara antes. 'Quando eu tinha 19 anos, deixei de me sentir tão só depois que ouvi Bowie pela primeira vez'.

Em Brixton, a noite de segunda seria de festa. Moradores foram chamados para uma celebração de rua, em frente ao Ritzy, em homenagem a Bowie. O pub Prince Albert, a poucos metros dali, preparava uma noite com DJ tocando músicas do cantor.

'Bowie era muito cosmopolita, mas ele nunca se esquecei de suas origens', disse Gillian Gould. 'Ele ainda era um garoto de Brixton'.

SEGUNDA CASA

A fachada de uma loja no térreo do prédio onde Bowie tinha apartamento, em Nova York, virou um santuário de purpurina, baquetas e declarações de amor ao músico.

Fãs de todos os continentes prestaram homenagens ao longo da segunda. 'Quero fechar os olhos, abrir os braços e dançar suas músicas', diz o colombiano Gooby Herms, 41. 'Sempre fiz isso. E sempre vou fazer'.

A sul-coreana Hwa Lee, 34, deixou o ligado ao sair.

+ CINEMA

VEIA CAMALEÔNICA RENDEU CARREIRA PRODUTIVA E IRREGULAR

David Bowie participou de mais de 450 trilhas sonoras de filmes e ostenta galeria de personagens excêntricos, nem sempre elogiados

O raio vermelho de Bowie não tinha como não quicar no cinema: foram mais de 450 participações em trilhas sonoras de filmes e mais de 20 personagens excêntricos - ideias para sua presença camaleônica e seu ar de outro mundo.

Mas a situação marcada em geral antinaturalista, fruto do contato que o músico teve com a mímica e o teatro experimental pelas mãos do coreógrafo Lindsay Kemp na década de 1960, nem sempre agradou.

O primeiro papel de Bowie em longas se deu em meio ao estouro do disco 'Space Oddity' (1969). Mas se na música ele conquistava o espaço, no filme 'Os Soldados Virgens' as mulheres eram o território a ser desbravado - e temido.

Nos anos 1970 ele teve o primeiro personagem esquisitão: o ET 'O Homem que Caiu na Terra' (1976), com ecos do Thin White Duke, a persona zumbificada à base de leite e cocaína que encarnou no disco 'Station to Station' (1976).

Em 1978 contracena com Marlene Dietrich, dona do bordel no alemão 'Just a Gigolo'.

Os anos 1980 registram alguns dos papéis mais conhecidos: o seu vampiro andrógino de 'Fome de Viver' (1983), de Tony Scott, fiasco de público, foi ralhado pela crítica. Hoje tem status cult. Com 'Furyo, em Nome da Honra', de Nagisa Ôshima, sobre um militar inglês num campo de prisioneiros japonês, foi ao Festival de Cannes e se redimiu.

Em 1986, Bowie viveu o duende-vilão de 'Labirinto: A Magia do Tempo', fantasia com bonecos de Jim Henson, criador de Muppets. Em 1988, substituiu Sting como Pôncio Pilatos em 'A Última Tentação de Cristo', filme bíblico sob o olhar de Scorsesse.

Os anos 1990 renderam a Bowie papéis bem menos memoráveis, salvo de Andy Warhol no biógrafo 'Basquiat - Traços de uma Vida' (1996).

Nos últimos anos, mais recluso e tendo colhido bombas no cinema, o artista passou a ser mais seletivo: esteve na comédia 'Zoolander' (2001), viveu um cientista em 'O Grande Truque' (2006), de Christopher Nolan, e encerraria com uma participação no drama 'Relação Colateral' (2008).

Seu maior papel, contudo, foi o de referência inesgotável: entre as participações em trilhas sonoras estão blockbusters ('Guardiões da Galáxia', 2014) e obras autorais ('Eu, Christiane F.', 1981).

A música de Bowie é fio condutor de 'A Vida Secreta de Walter Mitty' (2013), dirigido e protagonizado por Bem Stiller, seu fã. Na série 'Life on Mars', o protagonista ouve a canção homônima quando sofre um acidente e é transportado direto para o ano de 1973.

FILME LABIRINTO: A MAGIA DO TEMPO (1976)

'BLACKSTAR' FOI UM PRESENTE CONCEBIDO COMO TESTAMENTO

Em algum lugar perto de Marte, Bowie está rindo do nosso espanto sideral

Tony Visconti, produtor e amigo de longa data de David Bowie, disse que "Blackstar", último disco do artista, lançado dois dias antes da morte do cantor (em seu aniversário de 69 anos), era seu "presente de despedida": "Sua morte não foi diferente de sua vida: uma obra de arte".

Visconti está certíssimo. "Blackstar" é uma obra de arte, possivelmente a primeira obra concebida para ser apreciada depois da morte de seu criador. Um testamento que Bowie preparou, meticulosamente, para que assumisse novas e impensáveis dimensões depois que ele já não estivesse entre nós.

Hoje, sabendo que Bowie batalhava há 18 meses contra um câncer, as letras de "Blackstar" parecem mesmo sua carta de adeus. "Olhe para cima, eu estou no céu", canta em "Lazarus" (Lázaro é um personagem bíblico ressuscitado por Jesus). No clipe da canção, Bowie aparece deitado numa cama de hospital, com os olhos vendados. Em certo momento, seu corpo levita do leito.

Menções a morte e doença aparecem por todo o disco: "Ligaram da clínica/ tudo bem com os raios-X", diz ele em "Sue (Or in Season of Crime)". "Leve seu passaporte e seus sapatos/ eu não sou um popstar/ leve seus sedativos/ eu sou uma estrela negra" ("Blackstar"). Na mesma faixa ele descreve uma execução: "No dia da execução, só as mulheres se ajoelham e riem". Em "I Can't Give Everything Away", Bowie diz: "Sei que algo está muito errado".

Bowie nunca foi um compositor autobiográfico, mas sempre escreveu como um observador, analisando o mundo à distância. Quando escrevia em primeira pessoa, o fazia escondido em personagens, como Ziggy Stardust ou The Thin White Duke.

"Blackstar" é uma anomalia em sua obra, um disco em que ele, e não uma de suas criações, é o ator principal. Dos 25 discos de estúdio que lançou em 49 anos de carreira, "Blackstar" é o único que não tem sua imagem na capa, como se ele dissesse que agora não é mais David Bowie, mas sim uma estrela negra rumando em direção ao infinito.

Bowie, um dos maiores inovadores da música pop, criou em "Blackstar" algo novo: um disco autobiográfico post-mortem. Em algum lugar próximo a Marte, ao lado do Major Tom, Bowie está rindo de nossas caras de espanto.

MAIS SINAIS

Um Bowie frágil, que convulsiona e flutua numa cama de hospital, é o protagonista do último videoclipe da carreira do músico, lançado apenas quatro dias antes de sua morte e revisto agora como mais um sinal de que ele se despedia. "Olha aqui, eu estou no céu", diz no vídeo de "Lazarus" o cantor, debilitado e com olhos vendados, enquanto se contorce, tentando se libertar da condição.

"Lazarus" foi apresentada em um musical homônimo, assinado por Bowie em coautoria com o dramaturgo Enda Walsh e encenado em Nova York no começo de dezembro.

A peça é uma releitura do filme "O Homem que Caiu na Terra", de 1976, protagonizado na peça por Michael Hall, está preso na Terra, sufocado pela nostalgia e por um amor interrompido.

BLACKSTAR

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ARTISTA: David Bowie
GRAVADORA: Columbia
QUANTO: US$ 9,99 ou iTunes (R$40)

CLIPE DA MÚSICA "LAZARUS" DO ÁLBUM "BLACKSTAR"

+SHOWS

EM 1990, BOWIE DESFILOU SUCESSOS EM SHOWS NO BRASIL

O primeiro show de Bowie ninguém esquece. O meu foi em 20/9/1990, na Praça da Apoteose, no Rio. Foi a estreia dele em palcos brasileiros, com a turnê "Sound+Vision", na qual revisitava seus sucessos. Depois voltou em 1997, para lançar "Earthlings".

Foi emocionante ver Bowie cantar "Rebel Rebel", "Ziggy Stardust" e "Changes".

Ele jurou que seria a última vez que tocaria a maioria daquelas canções. Felizmente, descumpriu a promessa.

Meu encontro seguinte com Bowie foi em 9 de janeiro de 1997, no Madison Square Garden, em Nova York. Era um show em comemoração a seus 50 anos, e um elenco de peso foi convidado: Foo Fighters, Sonic Younth, Robert Smith.

De repente, Bowie chamou um amigo: "O rei de Nova York, senhor Lou Reed!", e o lugar quase veio abaixo. Emendaram "Queen Bitch", de Bowie, e clássicos de Reed como "Waiting for the Man".

Dois anos depois, uma assessora me convidou para um show em um teatro de mil lugares em Nova York: "Não posso dizer quem vai tocar, mas sugiro que não perca". Era ele, em turnê de "Hours".

Ver Bowie a poucos metros foi marcante. A banda era sensacional, e o repertório misturava novas e clássicos do artista. Três shows e três experiências totalmente distintas. No palco, Bowie também se reinventava a cada instante.

HOMENAGEM A DAVID BOWIE 

*8 de janeiro de 1947*

+10 de janeiro de 2016+