GUERRA NUCLEAR
ANÁLISE ACORDO NUCLEAR
"IRÃ SAI DO ISOLAMENTO IMPOSTO PELO ORIENTE"
"Revogação de parte das sanções e troca de presos impactarão a política interna do Irã, a região e o cenário mundial"
Por: Hussein Kalout
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Após quase 40 anos de sanções econômicas e de isolamento político imposto pelo Ocidente, o Irã dá um importante passo para reintegrar-se ao sistema internacional e às cadeias globais de produção.
No bojo desse fato histórico, é necessário reconhecer dois axiomas centrais. Primeiramente, a disposição do governo de Hasan Rowhani de partir para o diálogo em alto nível com Washington. Em segundo, a compreensão por parte dos EUA da complexidade que se impunha no contexto interno da política iraniana para se avançar nas negociações nucleares.
Se por um lado consolidava-se, nas principais capitais das potências ocidentais, a percepção da irreversibilidade do crescente poder de Teerã no Oriente Médio como um 'player' altamente qualificado, por outro, a nova face do Irã diferenciava-se das administrações anteriores não apenas no conteúdo, mas, sobretudo, na forma de dialogar.
O elástico grau de pragmatismo da administração de Obama, concordando com a reivindicação de Teerã de restringir a negociação ao programa nuclear, foi uma importante concessão para o êxito do acordo e para a implantação dessa etapa inicial.
Ou seja, não seria plausível do ponto de vista de Teerã solucionar o contencioso nuclear e negociar, concomitantemente, temas ancorados a outros ângulos da geopolítica do Oriente Médio, como a milícia libanesa Hizbullah, o movimento radical islâmico Hamas, a guerra síria e a desintegração do Iraque.
O anúncio da extinção de parte das sanções e a libertação dos americanos, não obstante, confluem para a configuração de três cenários, seja no contexto interno iraniano, na conjuntura regional ou em uma dimensão mundial.
Dos meandros da política iraniana, só o imponderável tiraria de Rowhani a reeleição. As conquistas diplomáticas sob seu mandato e o forte apoio popular convergem para aplacar o ímpeto antiocidental dos clérigos ultraconservadores e tendem a enfraquecer a beligerância da Guarda Revolucionária.
No certame regional, as implicações para os competidores do Irã não serão tangenciais, Israel, Turquia e Arábia Saudita, principalmente, terão de coexistir com um Irã dotado de maior capacidade de persuasão e com diversificados instrumentos de poder à disposição.
Além do potencial de seu mercado, o Irã terá cerca de US$ 100 bilhões para atrair importantes investimentos, reestruturar seu sistema financeiro e revigorar seu parque tecnológico.
Já no âmbito global, não seria desprezível dizer que o Irã será realocado, no médio prazo, em patamar diferente na escala de prioridade política de Washington, Londres, Paris e Berlim.
A sincronização do fim das sanções ocidentais associada à libertação dos presos americanos foi uma ação diplomática bem orquestrada. Apenas o cumprimento do acordo nuclear e o beneplácito da AIEA não seriam talvez partituras políticas suficientes para aplacar o descontentamento dos neoconservadores do Partido Republicano nos EUA e também a desconfiança da opinião pública no Ocidente.
Desde o princípio, o secretário de Estado americano, John Kerry, e o chanceler iraniano, Javad Zarif, centraram suas estratégias, ainda que de forma contida, focados em pavimentar uma aproximação que pudesse culminar, no médio prazo, no reatamento das relações diplomáticas entre Washington e Teerã.
O engajamento entre EUA e Irã poderá ser descrito como o ponto alto da diplomacia do governo Obama para o Oriente Médio ou, porque não, da política externa americana em décadas para a região."
HUSSEIN KALOUT é pesquisador de Harvard
ENTENDA
______________________________________________________________________________
Por que as sanções contra o Irã foram revogadas?
Porque a IAEA (Agência Internacional de Energia Atômica) atestou que o país cumpriu o acordo firmado em julho. Ele previa que 98% das reservas iranianas de combustível nuclear saíssem do país, que 2/3 das centrífugas do Irã fossem desmontadas e que o núcleo de um reator fosse inutilizado.
O que muda para o Irã?
O país poderá resgatar US$ 100 bilhões em ativos no exterior, voltar a vender petróleo no mercado internacional, fazer negócios com países europeus e se integrar ao sistema bancário internacional. Também retornará as relações com os EUA em alguns setores como alimentício, têxtil e de aviação civil.
Todas as sanções foram revogadas?
Não, só as relacionadas à atividade nuclear do Irã, que foram aplicadas desde 2006. O país ainda fica proibido de comercializar armas e mísseis por cinco e oito anos, respectivamente. Além disso, parte das sanções econômicas dos EUA continuam.
Qual será o impacto para a economia mundial?
Um dos maiores países do Oriente Médio, com população quase de 80 milhões, o Irã é dono de 9% das reservas conhecidas de petróleo. Sua exportação da commodity pode crescer quase 50% no curto prazo.
Quais são os próximos passos?
Se o Irã continuar cumprindo o acordo, a grande maioria das sanções e limitações a seu programa nuclear acabam em 2030, mas o país sofrerá inspeções até 2040. Se descumprir, as sanções voltam a vigorar por dez anos, prorrogáveis por mais cinco.
ANÁLISE ACORDO NUCLEAR foi retirada do jornal FOLHA DE S. PAULO - EDIÇÃO DIGITAL - Ano 95 - nº 31.701, pág. A10. Mundo. 18 de janeiro de 2016, segunda-feira (Acesso: 19/01/2016)
Comentários
Postar um comentário