CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA ESPORTE OLÍMPICO!


"QUESTÃO DE CLASSE"
"O duelo na semifinal do Australian Open entre o sérvio Novak Djokovic e o suíço Roger Federer faz crer que o tempo da pura força física no tênis tem os dias contados. Entenda por que o esporte pode estar vivendo uma fascinante transição"


Por: Leslie Leitão

"Para quem não tem o tênis na ponta da língua, cabem algumas explicações antes de entender o que fizeram o número 1 do mundo, o sérvio Novak Djokovic, e o suíço Roger Federer, para muitos o melhor de todos os tempos, na disputa de um dos pontos na semifinal do Australian Open (saber que Djokovic venceu a partida é detalhe). Ao rápido glossário: dropshot é uma jogada curta, em que a raquete quase sempre 'fatia' (slide, em inglês) a bola. Blackhand é a raquetada com a mão esquerda. Lob é um balãozinho por cima do adversário. Smash é a rebatida da bola alta. Voleio é correr até a rede e rebater sem dar tempo de a bola tocar na quadra. Federar usou esse rico vocabulário clássico para fechar um dos pontos da partida (veja abaixo)."


"Foi espetacular. Terminada a jogada, o estádio de Melbourne explodiu em prazer estético. A mulher de Federer, Mirka, bateu palmas de pé. Djokovic fez cara de espanto e os críticos se dividiram entre 'pura magia' e 'o melhor ponto da carreira'. Foram apenas treze segundos, tempo suficiente para informar ao mundo que o tênis da força bruta, associado a outro grande jogador, o espanhol Rafael Nadal, não é o todo-poderoso, invencível. O tênis feito de suavidade pode voltar a crescer, ancorado na série de aperfeiçoamentos por que vêm passando quadras, bolas, raquetes e os métodos de treinamento."


"As mudanças instituídas pela Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) nos últimos anos pretendem, sobretudo, privilegiar a técnica em oposição à pancadaria. Nas palavras da ATP, ao comentar as alterações em 2012: 'Elas dão aos jogadores de todos os estilos mais potencial de obter sucesso e permitem que exibam suas fantásticas habilidades'. Joga-se tênis em três tipos de quadra: duas rapidíssimas (entenda-se onde a bola quica mais baixo e mais velozmente), feitas de grama e de cimento, e uma das mais lenta (por ser mais macia), de saibro. A grama de Wimbledon, tradicionalíssimo reduto desse tipo de piso, foi recentemente trocada por uma variedade chamada azevém perene, mais durável e menos propensa a falhas no terreno. Com isso, a velocidade média caiu. Já nas quadras de cimento - e aí se encaixam todas as dezesseis do Parque Olímpico do Rio de Janeiro, que em agosto receberão os melhores tenistas do mundo -, mais areia foi misturada à tinta acrílica na pintura final, suavizando sua rapidez. Nas quadras de saibro, aconteceu o oposto: a argila em geral ficou mais espessa para endurecer um pouco o piso e deixar a velocidade da bola mais próxima da observada nos outros dois terrenos."


"Que fique claro: o jogo, em si, não está mais lento, até pelo contrário. Como a bola quica a quadra e segua adiante com menos rapidez, os jogadores chegam mais depressa ainda para realizar suas manobras espetaculares de nomes em inglês. Não houve alteração somente nas quadras. Também as bolas (há 200 tipos delas em jogo) se tornaram menos velozes depois de tocar nos pisos. Uma experiência conduzida pela rede de TV britânica BBC quantificou essa diferença ao medir dois saques de Federer que atingiram a mesma velocidade, de 202 quilômetros por hora. No primeiro, em 2003, a bola bateu no piso e chegou à raquete do adversário a 83 quilômetros por hora. No segundo, em 2008, o encontro com a raquete foi a 69 quilômetros por hora. A mudança medida pode ser atribuída aos novos materiais.
Munidos de raquetes customizadas à imagem e semelhança de suas habilidades, e treinando incessantemente, os atletas do tênis cada vez mais se aproveitam das condições de quadra e bola para 'domar' a esfera amarela (que era branca e ganhou essa cor há quarenta anos por parecer melhor na TV) e pontuar com classe. 'As quadras, em geral, fazem a bola andar menos', diz Ludgero Braga Neto, especialista em biomecânica de tênis. 'O jogo fica mais longo e o show dura mais tempo, com jogadas plasticamente melhores, adequadas às pretensões da ATP'. Visualmente, é um avanço em relação às décadas do predomínio da força, embora essa vertente continue a fazer campeões. Nadal, o touro miúra, é hoje o número 5 do mundo e a principal atração do Open do Rio de Janeiro, que começa no próximo dia 15. Dá gosto vê-lo jogar. Mas é Federer que ainda arranca 'óóóó' das plateias nas arquibancadas e diante da televisão ou no You Tube (busque por 'Federer Djokovic crazy point 2016' para ver o magnífico ponto da semi de Melbourne)".


"Federer, aos 34 anos, perdeu o jogo na Austrália - como, de resto, muitos dos títulos importantes que disputou desde 2012. Djokovic, no auge aos 28, é universalmente considerado o melhor jogador da atualidade. O sérvio boa-praça é um híbrido das duas espécies de tênis, a da potência e a do virtuosismo, tanto que nos três sets anteriores ao do ponto magistral do suíço também teve jogadas inspiradíssimas. Mas ele não é Federer, atleta completo, de imenso talento, que desafia o declínio como se jogasse com sapatilhas de balé. Federer, convém dimensioná-lo, faz parte de uma pequeníssima galeria de gênios, como Bjorn Borg (veja o quadro acima), que traduzem uma era, ou ao menos a transição de um tempo para outro.
As primeiras referências à troca aérea de uma bola pequena entre dois adversários vêm do Egito antigo. Introduzido na Europa, ainda jogado com a palma das mãos - sem raquetes - o nome original é jeu de paumme -, virou lawn tennis (por ser jogado em gramado, lawn em inglês) em 1873, quatro anos antes do primeiro torneio em Wimbledon. De lá para cá, o tênis se modernizou, virou negócio bilionário e popular - sustentado, sempre, por campeões que inspiram outros campeões. Na fase atual do esporte, nas condições propícias que se veem agora, manifestações de genialidade do tipo que construiu a carreira do monumento Roger Federer têm ainda mais chance de se reproduzir e multiplicar."


A matéria acima foi retirada da revista VEJA - edição 2 464 - Ano 49 - nº 6, págs. 64, 65, 66 e 67. 10 de fevereiro de 2016. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e a Editora Abril.


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