CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA SAÚDE!
"TRISTES TRÓPICOS"
"O zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, avança no Brasil, espalha-se pelo mundo e provoca uma onda de alarmismo. A questão agora é colecionar mais evidências científicas que comprovem a relação do vírus com os casos de microcefalia"
Por: Adriana Dias Lopes e Carolina Melo
"Um mosquito ameaça nocautear a orgulhosa civilização do século XXI. Os autores de ficção imaginaram o mundo de joelhos diante de terroristas, de invasores do espaço, devolvido à Idade da Pedra por uma guerra nuclear total e até mesmo acossado pela progressão incontida de algum vírus misterioso... mas submetido a um mosquito? Isso não. Isso seria enredo de filme de terror de um tempo remoto da humanidade. No começo do século passado, a malária, transmitida por mosquitos, mandou para o hospital 10 de cada 100 trabalhadores encarregados da construção do Canal do Panamá - e só oito saíam de lá com vida."
"Agora, mais de 100 anos depois, um outro mosquito está levando o presidente americano Barack Obama a convocar reuniões de emergência na Casa Branca, em Washington, e, do lado de lá do oceano, tirando do sério outro senhor do mundo, o russo Vladimir Putin. 'E agora nos vem um porcaria da América Latina', disse Putin depois de ser informado sobre o potencial de destruição dos vírus transportados pelo mosquito Aedes aegypti. Obama exigiu de seus sábios a produção imediata de uma vacina contra o zika, o vírus mais temido transmitido pelo Aedes aegypti. Ouviu deles que, na melhor das hipóteses, uma vacina contra o zika levará três anos para estar em condições de ser usada em larga escala.
A semana culminou com o alerta da chinesa Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS): 'O explosivo avanço do zika vírus é motivo de preocupação, especialmente diante do possível elo entre a infecção e o nascimento de bebês com microcefalia'. Os governos de El Salvador, Colômbia, Jamaica, República Dominicana e Equador recomendaram às mulheres evitar engravidar até 2018. Marcelo Castro, ministro da Saúde do Brasil, foi bombardeado por se sair com sugestão semelhante há algumas semanas. Disse ele: 'Torço para que as mulheres peguem zika antes da idade fértil'. Uma vez contaminado pelo zika, o organismo é imunizado contra novas infecções. É uma vacina natural. Como reconheceu a presidente Dilma Rousseff: 'Estamos perdendo a luta contra o mosquito'."
"Em um mundo em que os avanços tecnológicos da medicina estão fazendo com que o número de pessoas que chegam com saúde aos 100 anos cresça rapidamente, é melancólico que a imunização contra o zika só esteja ao alcance por meio de uma pajelança, a exposição voluntária à picada do mosquito transmissor do vírus. Não é muita ousada a ideia de que em breve, nas avenidas elegantes das capitais mundiais, serão abertas clínicas de imunização contra o zika com suas criações de Aedes aegypti portadores do vírus. Nas luxuosas salas de recepção, mulheres jovens que planejam engravidar teclam em seus smartphones de última geração, enquanto esperam a vez de oferecer o braço para a picada do Aedes aegypti. Não poderá haver imagem mais dramática da rendição da humanidade ao inseto que ela, não conseguindo erradicá-lo, passar a criá-lo em cativeiro. O mosquito venceu."
"Antes da vitória final, é provável que o mosquito possa saborear alguns triunfos localizados. Na mira do Aedes aegypti está a Olimpíada do Rio de Janeiro. Seus organizadores, sem outra iniciativa mais efetiva, estão fazendo barricadas atrás da retórica, lembrando que os Jogos serão realizados em agosto, inverno no Brasil, quando o clima mais seco e menos quente inibe a presença do mosquito. Veja.com teve acesso com exclusividade ao memorando do Comitê Olímpico Internacional (COI), distribuído às confederações nacionais, em que reafirma a adequação do Rio de Janeiro para sediar os Jogos, desde que os visitantes usem 'camisa de mangas cumpridas e calça', especialmente nos períodos da manhã e da tarde. Para os atletas, essa recomendação é inviável e, portanto, inútil. Para quem vai assistir às provas e aos jogos, é possível segui-la, ainda que com grande desconforto. Mesmo no inverno, com média histórica de 24 graus, a temperatura no Rio de Janeiro em agosto supera facilmente os 30 graus. No ano passado, houve dias com 34 graus e um dia com inacreditáveis 37 graus. O COI recomenda também às mulheres que pretendem ficar grávidas 'discutir com o médico seus planos de viagem, para avaliar o risco de infecção. Até novembro do ano passado, o zika, aerotransportado pelo mosquito, parecia ser um risco apenas para a população do Brasil. Na última semana, como mostram as manchetes dos principais jornais das grandes capitais mundiais, o zika atingiu o status de ameaça planetária real e presente - posição que já foi ocupada no passado pela aids, pela doença da vaca louca, pela gripe aviária e pelo ebola."
"A mortalidade do zika vírus é pequena. Ele só mata pessoas infectadas que já estiverem bastante debilitadas por outras moléstias graves. Por que então o mundo está em guerra total contra o mosquito que o transmite? A resposta é encontrada na correlação existente entre a infecção pelo zika e o nascimento de bebês com sérios defeitos, principalmente a microcefalia, a atrofia cerebral. Do ponto de vista rigorosamente científico, não existem evidências irrefutáveis de que o zika vírus tenha sido a causa única de ocorrências de microcefalia, mesmo quando sua presença foi detectada ao mesmo tempo na gestante e no feto. Tanto a infecção pelo zika quanto a microcefalia são fenômenos imensamente variáveis. A infecção pelo zika em uma mulher grávida pode provocar as esperadas manchas vermelhas na pele, febre baixa e dor de cabeça e, mesmo assim, ser branda, sem produzir danos neurológicos no bebê em gestação. Em casos assintomáticos, mesmo que a própria gestante não saiba que foi infectada pelo mosquito, o zika pode atuar agressivamente no processo de gestação. A microcefalia, por sua vez, é uma condição com inúmeras causas e sintomas. Ela pode ser motivada por problemas genéticos, por exposição a substâncias químicas como mercúrio, por outras infecções (rubéola, citomegalovírus, varicela) e até por uma dieta pobre em nutrientes e vitaminas durante a gravidez. A microcefalia pode ser fatal para o recém-nascido, pode impedir definitivamente o desenvolvimento cerebral ou apenas atrasá-lo. Diz Bruce Aylward, chefe do Departamento de Surtos da OMS: 'O que temos hoje é a suspeita de associação entre o zika e a microcefalia, não a comprovação de que esse vírus é uma causa da condição'."
"Um famoso estudo pelo Centro de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, divulgado em janeiro passado, e que norteia a linha de conduta mundial em torno do zika, chega perto de estabelecer a relação de casualidade entre a infecção viral e a microcefalia. O trabalho, porém, não fecha questão e recomenda a continuação das pesquisas a respeito. Diz ele: 'São necessários mais estudos para confirmar a associação entre a microcefalia e o vírus zika durante a gestação e compreender outras consequências da gravidez que possam ser relacionadas à infecção'. O trabalho teve a participação de pesquisadores brasileiros como das Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, e da Universidade Estadual de Campinas. Segundo o estudo, foi encontrado material genético do zika em duas amostras do líquido aminótico de mulheres grávidas de fetos microcéfalos e no tecido cerebral de duas crianças com microcefalia, que morreram logo depois do nascimento. As mães, brasileiras, contaram ter tido sintomas comumente relacionados à infecção pelo zika vírus durante a gravides. Poucas semanas antes desse levantamento, o Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz Paraná, havia confirmado a capacidade do zika de atravessar a placenta durante a gestação.
Mesmo sem a comprovação científica de casualidade, a correlação entre a infecção com vírus zika e o nascimento de bebês microcéfalos é tão forte que as autoridades mundiais de saúde se convenceram da necessidade de fazer um estridente alerta global. Marcos Espinhal, chefe de doenças transmissíveis da Organização Pan-Americana da Saúde, braço da OMS, calcula que o zika vírus pode vir a infectar de 3 milhões a 4 milhões de pessoas nas Américas, dos quais 1,5 milhão no Brasil. Diante desse quadro de progressão, os epidemiologistas consideram que o mais certo a fazer é manter o mosquito Aedes aegypti o mais longe possível das mulheres grávidas. Enquanto isso, a ciência continua seu trabalho clássico de evidenciar a relação de casualidade entre a infecção viral pelo zika e a má-formação cerebral dos bebês no útero materno. Caso a conclusão científica irrefutável seja a de que o zika não causa nem contribui para a microcefalia, afastar as grávidas dos mosquito as terá poupado de outras complicações transmitidas pela picada do inseto - caso da dengue e de sua forma mais letal, a dengue hemorrágica, felizmente muito mais rara."
"As autoridades da OMS têm na memória a lentidão da qual reagiram no caso do ebola, e não querem cometer o mesmo erro agora. Convém, porém, ressalvar as diferenças entre as doenças - o ebola é incrivelmente mortal e é transmitido por meio de fluídos humanos. O zika viaja entre humanos transportado pelo mosquito vetor. É bom olhar para exemplos do passado e entender que o rufar de tambores de agora nem sempre é sinônimo de armagedom lá na frente. Lembre-se aqui do vírus H1N1, responsável pela eclosão de gripe suína, em 2009. Uma onda de medo se espalhou pelo mundo à medida que a epidemia, registrada no México, se alastrou por outros países. Em menos de três meses, a OMS mudou a classificação da doença de 'caso de emergência na saúde pública internacional' (os países deveriam aumentar a vigilância em relação à propagação do vírus) para o 'nível mais alto de alerta' (quando se decreta uma pandemia). No Japão, as mães mandavam seus filhos para a escola com máscara. Todos procuravam lavar as mãos obsessivamente. O pânico, com o tempo, se mostrou deslocado. Logo se viu que o vírus da gripe comum, o influenza, era bem mais mortal do que o H1N1. No Brasil, por exemplo, a gripe suína matou cerca de trinta pessoas em apenas um mês em 2009. A gripe sazonal vitimou um número mais dez vezes maior um ano antes. Ainda em 2009, o governo americano aprovou a primeira vacina contra o agente e rapidamente a epidemia se dissipou. O alvoroço das autoridades foi em vão? 'Muito provavelmente, as pessoas não teriam mudado os hábitos de higiene e a vacina não teria surgido em tão pouco tempo', diz o infectologista Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue Arboviroses, profissional afeito a lidar com a preocupação e a cautela, em doses precisas.
Recomenda-se que a preocupação com uma doença venha antes da cautela com as ondas de pavor. Por isso, o espanto com o zika e o Aedes aegypti pede absolvição, mesmo na ausência de confirmações. O melhor a fazer é conhecer a origem do zika e entender a dinâmica do mosquito, para combatê-lo.
O Aedes aegypti vive em contato com o homem para garantir a manutenção da espécie. Para se multiplicar, precisa de pouquíssima água, o suficiente para encher uma tampinha de garrafa. Seus ovos sobrevivem até um ano e meio. O hábito de as pessoas acumularem água em recipientes em casa, como vasos de plantas, estimula, portanto, o alastramento da doença. A urbanização caótica das grandes cidades, onde a concentração do mosquito do zika é maior, por si só, estimula a sobrevida do inseto. O excesso de asfalto, as construções pela cidade e a falta de árvores não dão espaço para a água escoar. A falta de permeabilidade desses locais, somada aos problemas de saneamento básico, abastecimento de água e coleta de lixo, contribui para o cenário preocupante. Eis o que explica o fato de Pernambuco ter o maior número de ocorrências do zika associadas à microcefalia. O estado, que concentra quase um terço dos casos da doença, tem um serviço de abastecimento de água e tratamento de esgoto de má qualidade. A epidemia, no entanto, já começa a se alastrar pelo Sudeste do país. Acredita-se que, dado o histórico do vírus da dengue, o zika possa atingir seu pico nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro em um prazo de dois a três anos."
"O zika é novíssimo no Brasil - foi rastreado no fim de abril de 2015. É possível que ele tenha entrado aqui durante a visita do papa Francisco, em 2013, quando as delegações católicas vindas da Polinésia, país que em 2013 teve 8 264 casos suspeitos, estiveram no Brasil, e depois tenha se espalhado por mosquitos que picavam pessoas contaminadas. A epidemia de casos de microcefalia associados ao agente foi notificada pela primeira vez em novembro do mesmo ano no Nordeste brasileiro. O agente foi identificado inicialmente em 1947, na floresta de Zika, na África. Por que, então, não há registros de microcefalia no continente? Os primeiros surtos ocorreram em regiões remotas e pouco habitadas, em meio a florestas, como Uganda e Micronésia, um conglomerado de pequenas ilhas. Nesses lugares, o potencial de transmissão do vírus, portanto, era muito menor, se comparado a um país do tamanho do Brasil. Soma-se a isso o fato de que as cidades brasileiras são infestadas pelo Aedes, o mosquito transmissor."
"Os mosquitos, no imaginário popular, costumam servir de trampolim para o pânico - e não é diferente com o zika. Sem informações, assustadas, as pessoas reagem como podem. Passam repelentes (é correto a fazer) e dormem preocupadas por imaginar que o Aedes e um pernilongo comum, daqueles bem chatos, são a mesma coisa. Não são (Veja o quadro acima). Certeza mesmo é a importância de matar o mosquito. Erradicá-lo, contudo, é missão perto do impossível. Houve lentidão do governo brasileiro, doses cavalares de incompetência, mas o mosquito é resistente nestas terras. Nossa condição tropical atrapalha. São tristes trópicos. Mas em relação a isso nada se pode fazer, evidentemente. Não vale agir como a Secretaria Municipal de Saúde do Rio, que convocou um grupo de agentes muito bem paramentados, ultraprotegidos, para serem garbosamente fotografados no sambódromo, de mascara e roupa de plástico."
"Soou mais como propaganda, ainda que o fumacê contra o Aedes exista, embora não combine com a desolação da presidente Dilma e do ministro Marcelo Castro. Ainda há tempo para diminuir o estrago associado ao desdém e à inépcia? Sim, apesar da metástase global. Em fevereiro, 220 000 soldados das Forças Armadas visitarão o maior número possível de domicílios no Brasil com folhetos de instruções para eliminar os focos do mosquito. Pelo menos 400 000 grávidas registradas no Bolsa Família receberão repelentes. O novo mote de uma campanha do governo já foi criado: 'Um mosquito não é mais forte que um país inteiro'. Por ora, infelizmente, é. O mundo se curvou ao Aedes."
"A mortalidade do zika vírus é pequena. Ele só mata pessoas infectadas que já estiverem bastante debilitadas por outras moléstias graves. Por que então o mundo está em guerra total contra o mosquito que o transmite? A resposta é encontrada na correlação existente entre a infecção pelo zika e o nascimento de bebês com sérios defeitos, principalmente a microcefalia, a atrofia cerebral. Do ponto de vista rigorosamente científico, não existem evidências irrefutáveis de que o zika vírus tenha sido a causa única de ocorrências de microcefalia, mesmo quando sua presença foi detectada ao mesmo tempo na gestante e no feto. Tanto a infecção pelo zika quanto a microcefalia são fenômenos imensamente variáveis. A infecção pelo zika em uma mulher grávida pode provocar as esperadas manchas vermelhas na pele, febre baixa e dor de cabeça e, mesmo assim, ser branda, sem produzir danos neurológicos no bebê em gestação. Em casos assintomáticos, mesmo que a própria gestante não saiba que foi infectada pelo mosquito, o zika pode atuar agressivamente no processo de gestação. A microcefalia, por sua vez, é uma condição com inúmeras causas e sintomas. Ela pode ser motivada por problemas genéticos, por exposição a substâncias químicas como mercúrio, por outras infecções (rubéola, citomegalovírus, varicela) e até por uma dieta pobre em nutrientes e vitaminas durante a gravidez. A microcefalia pode ser fatal para o recém-nascido, pode impedir definitivamente o desenvolvimento cerebral ou apenas atrasá-lo. Diz Bruce Aylward, chefe do Departamento de Surtos da OMS: 'O que temos hoje é a suspeita de associação entre o zika e a microcefalia, não a comprovação de que esse vírus é uma causa da condição'."
"Um famoso estudo pelo Centro de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, divulgado em janeiro passado, e que norteia a linha de conduta mundial em torno do zika, chega perto de estabelecer a relação de casualidade entre a infecção viral e a microcefalia. O trabalho, porém, não fecha questão e recomenda a continuação das pesquisas a respeito. Diz ele: 'São necessários mais estudos para confirmar a associação entre a microcefalia e o vírus zika durante a gestação e compreender outras consequências da gravidez que possam ser relacionadas à infecção'. O trabalho teve a participação de pesquisadores brasileiros como das Universidade Federal do Rio Grande do Sul, da Fundação Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, e da Universidade Estadual de Campinas. Segundo o estudo, foi encontrado material genético do zika em duas amostras do líquido aminótico de mulheres grávidas de fetos microcéfalos e no tecido cerebral de duas crianças com microcefalia, que morreram logo depois do nascimento. As mães, brasileiras, contaram ter tido sintomas comumente relacionados à infecção pelo zika vírus durante a gravides. Poucas semanas antes desse levantamento, o Instituto Carlos Chagas, da Fiocruz Paraná, havia confirmado a capacidade do zika de atravessar a placenta durante a gestação.
Mesmo sem a comprovação científica de casualidade, a correlação entre a infecção com vírus zika e o nascimento de bebês microcéfalos é tão forte que as autoridades mundiais de saúde se convenceram da necessidade de fazer um estridente alerta global. Marcos Espinhal, chefe de doenças transmissíveis da Organização Pan-Americana da Saúde, braço da OMS, calcula que o zika vírus pode vir a infectar de 3 milhões a 4 milhões de pessoas nas Américas, dos quais 1,5 milhão no Brasil. Diante desse quadro de progressão, os epidemiologistas consideram que o mais certo a fazer é manter o mosquito Aedes aegypti o mais longe possível das mulheres grávidas. Enquanto isso, a ciência continua seu trabalho clássico de evidenciar a relação de casualidade entre a infecção viral pelo zika e a má-formação cerebral dos bebês no útero materno. Caso a conclusão científica irrefutável seja a de que o zika não causa nem contribui para a microcefalia, afastar as grávidas dos mosquito as terá poupado de outras complicações transmitidas pela picada do inseto - caso da dengue e de sua forma mais letal, a dengue hemorrágica, felizmente muito mais rara."
"As autoridades da OMS têm na memória a lentidão da qual reagiram no caso do ebola, e não querem cometer o mesmo erro agora. Convém, porém, ressalvar as diferenças entre as doenças - o ebola é incrivelmente mortal e é transmitido por meio de fluídos humanos. O zika viaja entre humanos transportado pelo mosquito vetor. É bom olhar para exemplos do passado e entender que o rufar de tambores de agora nem sempre é sinônimo de armagedom lá na frente. Lembre-se aqui do vírus H1N1, responsável pela eclosão de gripe suína, em 2009. Uma onda de medo se espalhou pelo mundo à medida que a epidemia, registrada no México, se alastrou por outros países. Em menos de três meses, a OMS mudou a classificação da doença de 'caso de emergência na saúde pública internacional' (os países deveriam aumentar a vigilância em relação à propagação do vírus) para o 'nível mais alto de alerta' (quando se decreta uma pandemia). No Japão, as mães mandavam seus filhos para a escola com máscara. Todos procuravam lavar as mãos obsessivamente. O pânico, com o tempo, se mostrou deslocado. Logo se viu que o vírus da gripe comum, o influenza, era bem mais mortal do que o H1N1. No Brasil, por exemplo, a gripe suína matou cerca de trinta pessoas em apenas um mês em 2009. A gripe sazonal vitimou um número mais dez vezes maior um ano antes. Ainda em 2009, o governo americano aprovou a primeira vacina contra o agente e rapidamente a epidemia se dissipou. O alvoroço das autoridades foi em vão? 'Muito provavelmente, as pessoas não teriam mudado os hábitos de higiene e a vacina não teria surgido em tão pouco tempo', diz o infectologista Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue Arboviroses, profissional afeito a lidar com a preocupação e a cautela, em doses precisas.
Recomenda-se que a preocupação com uma doença venha antes da cautela com as ondas de pavor. Por isso, o espanto com o zika e o Aedes aegypti pede absolvição, mesmo na ausência de confirmações. O melhor a fazer é conhecer a origem do zika e entender a dinâmica do mosquito, para combatê-lo.
O Aedes aegypti vive em contato com o homem para garantir a manutenção da espécie. Para se multiplicar, precisa de pouquíssima água, o suficiente para encher uma tampinha de garrafa. Seus ovos sobrevivem até um ano e meio. O hábito de as pessoas acumularem água em recipientes em casa, como vasos de plantas, estimula, portanto, o alastramento da doença. A urbanização caótica das grandes cidades, onde a concentração do mosquito do zika é maior, por si só, estimula a sobrevida do inseto. O excesso de asfalto, as construções pela cidade e a falta de árvores não dão espaço para a água escoar. A falta de permeabilidade desses locais, somada aos problemas de saneamento básico, abastecimento de água e coleta de lixo, contribui para o cenário preocupante. Eis o que explica o fato de Pernambuco ter o maior número de ocorrências do zika associadas à microcefalia. O estado, que concentra quase um terço dos casos da doença, tem um serviço de abastecimento de água e tratamento de esgoto de má qualidade. A epidemia, no entanto, já começa a se alastrar pelo Sudeste do país. Acredita-se que, dado o histórico do vírus da dengue, o zika possa atingir seu pico nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro em um prazo de dois a três anos."
"Os mosquitos, no imaginário popular, costumam servir de trampolim para o pânico - e não é diferente com o zika. Sem informações, assustadas, as pessoas reagem como podem. Passam repelentes (é correto a fazer) e dormem preocupadas por imaginar que o Aedes e um pernilongo comum, daqueles bem chatos, são a mesma coisa. Não são (Veja o quadro acima). Certeza mesmo é a importância de matar o mosquito. Erradicá-lo, contudo, é missão perto do impossível. Houve lentidão do governo brasileiro, doses cavalares de incompetência, mas o mosquito é resistente nestas terras. Nossa condição tropical atrapalha. São tristes trópicos. Mas em relação a isso nada se pode fazer, evidentemente. Não vale agir como a Secretaria Municipal de Saúde do Rio, que convocou um grupo de agentes muito bem paramentados, ultraprotegidos, para serem garbosamente fotografados no sambódromo, de mascara e roupa de plástico."
"Soou mais como propaganda, ainda que o fumacê contra o Aedes exista, embora não combine com a desolação da presidente Dilma e do ministro Marcelo Castro. Ainda há tempo para diminuir o estrago associado ao desdém e à inépcia? Sim, apesar da metástase global. Em fevereiro, 220 000 soldados das Forças Armadas visitarão o maior número possível de domicílios no Brasil com folhetos de instruções para eliminar os focos do mosquito. Pelo menos 400 000 grávidas registradas no Bolsa Família receberão repelentes. O novo mote de uma campanha do governo já foi criado: 'Um mosquito não é mais forte que um país inteiro'. Por ora, infelizmente, é. O mundo se curvou ao Aedes."
COM REPORTAGEM DE ALEXANDRE SALVADOR
Comentários
Postar um comentário