CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA TECNOLOGIA!
"A LEITURA NA ERA DIGITAL"
"VEJA visitou o reservado laboratório da Amazon onde se estuda como as inovações contemporâneas impactam a forma de ler e escrever e se projetam equipamentos para o futuro, que já não dura muito tempo. É uma evolução em marcha interrupta no próprio presente"
Por: Felipe Vilicic
VALE DO SILÍCIO
"Nosso padrão de excelência é o papel. Queremos imitá-lo', diz o inglês Chris Green, vice-presidente de design industrial da Amazon, ao falar de seu trabalho no Labl26, o laboratório da companhia, onde se estuda como os dispositivos eletrônicos estão transformando a forma como lemos e escrevemos na era digital. Ao mesmo tempo em que pronuncia sua máxima, Green exibe um papel em formato A4 na mesa, dobrado como se fosse um envelope. Ao abri-lo, estão lá todos os componentes do mais recente modelo do e-reader da marca Kindle, o Voyage: chips, a bateria, um modem. Explica Green: 'A estrutura tem de caber no A4 para nos motivar não só a atingir a finura de um papel, como a simulá-lo. Afinal, é um objeto quase sem peso, durável e adaptável a diferentes tipos de luz e ambiente. Queremos atingir essas mesmas características, adicionando as vantagens proporcionadas pelas novas tecnologias'. Quais seriam os benefícios disso? O principal deles é ter no bolso, em um aparelho de 180 gramas, uma biblioteca digital com capacidade de armazenar milhares de obras. A obsessão da Amazon é que um dia caibam nele todos os 38 milhões de títulos do acervo da Biblioteca do Congresso americano, a maior do planeta, além de revistas, jornais e outros tipos de conteúdo. Ah, claro - e é mais do que um alento poder de ler tudo isso deitado na cama, segurando o aparelho com uma só mão, virando páginas com o polegar e tendo uma luz de tela adaptada para o escuro, para não incomodar alguém que possa estar dormindo bem ali ao lado.
Não se trata de sonho. Parte desse futuro já existe no presente. Noutras palavras, o futuro não dura muito tempo. Para o que ainda lhe escapa, a Amazon corre contra o relógio digital. E investe um valor jamais revelado. Mas dá para estimá-lo: é gigantesco. O Labl26 - o número faz referência à primeira e a última letra do alfabeto - ocupa um prédio de sete andares em Sunnyvale. Está no Vale do Silício, a pouco mais de 1 350 quilômetros da sede da empresa, em Seatle. No laboratório, quase tudo é tratado com sigilo. Lá não podem entrar nem funcionários da companhia que pertençam a outras divisões. Trabalham no Labl26 engenheiros, designers, médicos e pesquisadores de inúmeras áreas, que realizam experiências com voluntários e testam os dispositivos de leitura digital. Para tanto, eles se apoiam no uso de máquinas de alta tecnologia, capazes de radiografar minuciosamente hábitos de leitura - para, depois, adaptar o que descobrem aos modelos de e-reader da Amazon."
"Divido essa parte do laboratório em três campos: o mecãnico, o ambiental e o eletrônico', explica o inglês Patrick Tang, vice-presidente da companhia, responsável pela coordenação dos testes de produtos como o Kindle, a central de entretenimento Echo (um totem que opera como um assistente virtual que responde a comandos de voz) e o tablet Fire (um fracasso, cujas vendas foram abaixo da expectativa). As experiências são realizadas em uma série de salas repletas de inusitados aparelhos, como o que é dotado de um fino bastão que simula a pressão do dedo humano para checar quanto, e até quando, um dos gadgets da marca aguenta ser 'clicado'. 'Não se trata apenas de comprovar se o que fabricamos é resistente', garante Tang. 'Adaptamos o que criamos às demandas de usuários', completa."
"A essa frente, soma-se o empenho de outro setor do Labl26, onde se realizam as experiências com leitores. 'Basicamente reunimos pessoas para ler, muito e de diversas formas, conteúdos variados, em uma sala confortável', diz o americano Charlie Tristschler, vice-presidente responsável por gerenciar produtos da Amazon. Os voluntários são monitorados por meio de câmeras e sensores ocultos. Detecta-se desde como os indivíduos fazem para virar as páginas de um livro até a maneira como movimentam seus olhos e mãos."
"Foi nessa sala de leitura que a Amazon descobriu, por exemplo, que pessoas (destras ou canhotas) trocam de mão um livro, ou um dispositivo de leitura, a cada dois minutos - embora nas pesquisas rotineiras jurassem que só o seguravam com a mão de maior habilidade, ou com ambas. Isso levou a empresa a posicionar botões de troca de páginas em ambas as laterais do Kindle. Contudo, a tecla cuja função é passar páginas para a frente é bem maior que a de voltar. Por quê? Em 80% das vezes, os leitores querem ir adiante com o livro, não retroceder. Baseada nesse tipo de achado, a Amazon desenvolveu recursos para suprir o que querem os usuários. Por exemplo, a ferramenta virtual X-Ray, pela qual, ao pressionar com o dedo o nome do personagem de uma obra que se esta lendo, se ativa um guia sobre quem ele é, o que pensa etc. É solução útil durante leituras longas, de sagas épicas, repletas de tramas, como o clássico Odisseia, do grego Homero."
"O Labl26 foi criado em 2004 para iniciar o desenvolvimento do e-reader Kindle, lançado três anos depois - estima-se que já tenham sido vendidos 80 milhões de unidades do modelo, gerando um faturamento anual de 5 bilhões de dólares. Conta-se que o CEO Jett Bezos, fundador da empresa, comandou uma equipe de funcionários encarregados de construir o melhor aparelho de leitura digital antes que a Apple e o Google ultrapassem na disputa. Ele teria ordenado: 'Prossigam como se nossa missão fosse tirar o trabalho de todos os que comercializam livros físicos'.
É curioso como a empresa que procura reinventar a leitura também é tida como inimiga mortal por muitas representantes tradicionais do setor livreiro. O grupo francês Hachette e o americano Simon & Schuster chegaram a protagonizar batalhas contra a Amazon, alegando que ela controlaria os preços e repassaria valores irrisórios às editoras por e-book vendido. No fim, ambos tiveram de ceder, e acabaram por firmar acordos com a rival. Hoje, a Amazon reina no mercado, vendendo, por meio de seu site (em meio a vários itens de outros tipos), 40% dos livros físicos comprados nos EUA e dois em cada três e-books.
'O objetivo é auxiliar escritores, leitores e editores a vender mais', assegura Tritschler, da Amazon. Para ele, livros físicos não têm concorrido de igual para igual com outros passatempos modernos, 'como o Facebook, o Twitter, os games de smartphone'. Segundo Tritschler, 'temos de entender que agora a literatura precisa disputar espaços com essas atrações chamativas, e o livro digital é o meio para isso'. De acordo com um estudo da Amazon, donos de e-readers acabam por ler três vezes mais do que quem se atém às obras impressas. Mesmo assim, aposta-se em um futuro no qual os livros físicos e os virtuais conviverão pacificamente."
"Há, porém, quem não se entusiasme com o advento da leitura digital. Conforme a neurocientista americana Maryanne Wolf, da Universidade Tufts, 'estudos indicam que o ambiente digital impulsiona o cérebro a processar qualidades enormes de informação e, assim, a ler rápido e superficialmente'. Uma pesquisa realizada em 2013 analisou a questão ao pôr 72 alunos do ensino médio para ler um texto de 1500 palavras. Metade deles realizou a tarefa em um computador, enquanto a outra metade fez o mesmo em papel. Depois, todos foram submetidos a uma prova sobre o conteúdo - os leitores do texto impresso se saíram melhor.
Defensores do hábito digital, entretanto, alegam que o ser humano saberá se adaptar. Vale lembrar que esta não é a primeira vez que a leitura, em si, é posta em dúvida. No século IV a.C., quando a escrita começava a proliferar pela Grécia Antiga, o pensador Platão declarava, reproduzindo o que defendia seu mentor, Sócrates: 'Esta invenção vai produzir o esquecimento na consciência daqueles que aprenderem a usá-la'. É extraordinário que só saibamos o que ele pensou porque sua história foi registrada por escrito. Hoje, talvez tenhamos dificuldade de lidar com a literatura digitalizada. Mas há quem não veja nisso um problema. Como o bebê de um vídeo que viralizou no You Tube. A menina, já acostumada a navegar com seus dedinhos pelas telas de tablets, demonstrou dificuldade em folhear páginas impressas. As próximas gerações, portanto, deverão achar uma bobagem essa discussão de como letras digitais podem prejudicar o cérebro - assim como hoje não se negam as vantagens da leitura, tão criticada por Platão, há mais de 2 000 anos."
"No Labl26, o laboratório da Amazon, profissionais de diversas áreas - designers, engenheiros, médicos - analisam a estrutura de e-readers, tablets e outros dispositivos de leitura digital. 'Nossos produtos passam pelo que chamo de ciclos de tortura', define Patrick Tang, vice-presidente da companhia. 'Se não são aprovados, nós os descartamos e passamos para o próximo'. Há, por exemplo, uma sala na qual são reproduzidas condições climáticas de diversas partes do planeta para testar não só se um e-reader resiste a temperaturas extremas como também se a experiência de leitura é agradável naquelas situações. Muitos dos equipamentos foram desenvolvidos pelo próprio Labl26. Acima, na primeira foto (1), aparece um microscópio capaz de visualizar o equivalente a um centésimo da finura de um fio de cabelo; ele é utilizado para checar a parte eletrônica dos dispositivos de leitura - se houver 20% de espaços vazios entre chips e semicondutores, a integridade do aparelho é comprometida. Acima (2), vê-se uma máquina que torce continuamente os produtos. E, abaixo (3), um equipamento que simula quedas do e-reader de uma altura de 1 metro, centenas de vezes seguidas, para atestar que um Kindle não quebrará ao cair da mão de um leitor."
É curioso como a empresa que procura reinventar a leitura também é tida como inimiga mortal por muitas representantes tradicionais do setor livreiro. O grupo francês Hachette e o americano Simon & Schuster chegaram a protagonizar batalhas contra a Amazon, alegando que ela controlaria os preços e repassaria valores irrisórios às editoras por e-book vendido. No fim, ambos tiveram de ceder, e acabaram por firmar acordos com a rival. Hoje, a Amazon reina no mercado, vendendo, por meio de seu site (em meio a vários itens de outros tipos), 40% dos livros físicos comprados nos EUA e dois em cada três e-books.
'O objetivo é auxiliar escritores, leitores e editores a vender mais', assegura Tritschler, da Amazon. Para ele, livros físicos não têm concorrido de igual para igual com outros passatempos modernos, 'como o Facebook, o Twitter, os games de smartphone'. Segundo Tritschler, 'temos de entender que agora a literatura precisa disputar espaços com essas atrações chamativas, e o livro digital é o meio para isso'. De acordo com um estudo da Amazon, donos de e-readers acabam por ler três vezes mais do que quem se atém às obras impressas. Mesmo assim, aposta-se em um futuro no qual os livros físicos e os virtuais conviverão pacificamente."
"Há, porém, quem não se entusiasme com o advento da leitura digital. Conforme a neurocientista americana Maryanne Wolf, da Universidade Tufts, 'estudos indicam que o ambiente digital impulsiona o cérebro a processar qualidades enormes de informação e, assim, a ler rápido e superficialmente'. Uma pesquisa realizada em 2013 analisou a questão ao pôr 72 alunos do ensino médio para ler um texto de 1500 palavras. Metade deles realizou a tarefa em um computador, enquanto a outra metade fez o mesmo em papel. Depois, todos foram submetidos a uma prova sobre o conteúdo - os leitores do texto impresso se saíram melhor.
Defensores do hábito digital, entretanto, alegam que o ser humano saberá se adaptar. Vale lembrar que esta não é a primeira vez que a leitura, em si, é posta em dúvida. No século IV a.C., quando a escrita começava a proliferar pela Grécia Antiga, o pensador Platão declarava, reproduzindo o que defendia seu mentor, Sócrates: 'Esta invenção vai produzir o esquecimento na consciência daqueles que aprenderem a usá-la'. É extraordinário que só saibamos o que ele pensou porque sua história foi registrada por escrito. Hoje, talvez tenhamos dificuldade de lidar com a literatura digitalizada. Mas há quem não veja nisso um problema. Como o bebê de um vídeo que viralizou no You Tube. A menina, já acostumada a navegar com seus dedinhos pelas telas de tablets, demonstrou dificuldade em folhear páginas impressas. As próximas gerações, portanto, deverão achar uma bobagem essa discussão de como letras digitais podem prejudicar o cérebro - assim como hoje não se negam as vantagens da leitura, tão criticada por Platão, há mais de 2 000 anos."
"OS 'CICLOS DE TORTURA"
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