SUNDAR PICHAI EM "RUMO A UMA TERRA ON-LINE"


"O CEO do Google conta como planeja conectar mais pessoas à internet, hoje restrita a menos da metade da população global, minimiza a onda de 'notícias falsas' e critica Donald Trump"


Por: Filipe Vilicic

"O engenheiro indiano Sundar Pichai pode não ser um nome familiar, mas a empresa que ele lidera como CEO, o Google, mal pede descrição. Mais de 1 bilhão de indivíduos estão pendurados em cada um de sete tentáculos do serviço que surgiu como ferramenta de busca: o Google.com, o YouTube, o Android, o Gmail, o Chrome, o Mapas e a loja de apps Play Store. Nascido em uma família de classe média baixa, Pichai formou-se na Índia, mudou-se para a Califórnia para mestrado em Stanford e, pouco depois, em 2004, ingressou na companhia que hoje preside. Ascendeu rapidamente. Em 2015, aos 43 anos, após ter sido cogitado para comandar a Microsoft, foi o escolhido por Larry Paige, cofundador do Google, para substitui-lo no comando da companhia. Desde então, passou a figurar em diversas em diversas listas dos homens mais poderosos do planeta. Na semana passada - quando o Google realizou um evento no Brasil e apresentou novas ferramentas e projetos sociais para ampliar o número de pessoas on-line -, Pichai, de Mountain View, na Califórnia, falou com exclusividade a Veja."

Filipe Vilicic: "O Google for Brasil, realizado em São Paulo, destacou o desafio de levar a internet a mais de 1 bilhão de pessoas. Hoje, apenas 3 bilhões dos 7 bilhões de habitantes da Terra estão conectados. Como ampliar esse número?"
Sundai Pichai: "Estamos empolgados com essa meta. Desde que o Google foi lançado, nós nos motivamos a inventar produtos úteis a todos. É essa postura que fará com que os 3 bilhões de hoje virem 4, depois 5 bilhões, e assim por diante. Nesse sentido, realizamos um bom trabalho para expandir o acesso móvel. Com a conectividade e um computador em mãos, tem-se disponível o conhecimento da humanidade - além da facilidade em se comunicar. Esses elementos geram profundas mudanças sociais".


Filipe Vilicic: "Quais são os avanços técnicos necessários para chegar a esse objetivo?"
Sundai Pichai: "Há empenho em tornar nosso desempenho operacional, o Android, capaz de funcionar melhor e de forma mais barata em celulares simples, mesmo com conexão ruim com a web. É uma iniciativa que tem de ser conjunta, em parceria com com companhias de telefonia e com fabricantes de aparelhos. Sabemos que o próximo bilhão que se conectará virá de camadas mais pobres da sociedade. Por isso, trabalhamos para que haja um melhor gerenciamento de dados, levando à economia da banda e, logo, de dinheiro. Por exemplo, criamos a ferramenta que faz o backup de fotos apenas quando se tem conectividade wi-fi, preservando os dados móveis. A estratégia geral é que  tudo funcione bem, gastando menos, em celulares 'de entrada' (de custo menor) - em um momento que será benéfico não só ao próximo bilhão de usuários, mas a todos os conectados. Sabemos que, se fizermos esse avanço em países como Índia, Indonésia e Brasil, onde há muitos desconectados, ampliaremos esse sucesso para o mundo". 

Filipe Vilicic: "Como alguém proveniente de um país pobre, o senhor tem isso como um desafio pessoal?"
Sundai Pichai: "Em minha juventude, durante muito tempo não possui um computador. O contato com qualquer nova tecnologia era motivo de alegria. Essa sensação ocorria porque os benefícios da computação são capazes de causar profundas transformações na vida. Portanto, sim, estou pessoalmente comprometido com o objetivo. Mais pessoas on-line representa também a continuidade de nosso progresso tecnológico."

Filipe Vilicic: "O senhor já afirmou que um dos desafios é aumentar o número de mulheres on-line, já que hoje elas respondem, em muitas nações, por apenas um terço de acesso à internet. Qual é o caminho para ampliar a presença feminina?"
Sundai Pichai: "A tecnologia é só uma parte da solução. Na Índia, notamos que as mulheres precisam enfrentar diversas barreiras sociais, fruto do preconceito, para se conectar. Educação e tecnologia sempre influíram na promoção social. Tornar o mundo digital acessível impacta a educação. Menos contato com inovações representa também menos acesso ao conhecimento. Portanto, quando cresce o uso da rede pelas mulheres, aprimora-se a educação."

Filipe Vilicic: "Quando assumiu como CEO da Google, o senhor chamou atenção para o fato de que a inteligência artificial seria determinante para continuar com essa evolução. Por quê?"
Sundai Pichai: "Este é o momento da IA. Os produtos a ser lançados nos próximos anos serão baseados no desenvolvimento do que chamamos de machine learning (termo que designa como um software é capaz de se aprimorar por conta própria) e terão um poder de computação de dados exponencial. Isso só será possível como consequência dessa onda da IA. Identificamos em países em desenvolvimento, como o Brasil, que as pessoas se sentem mais confortáveis realizando buscar por comandos de voz do que digitando. Se alguém tem um problema de saúde, quer perguntar sobre isso ao Google e ter uma resposta satisfatória. Se o melhor resultado vier de um texto em inglês, ele poderá ser traduzido automaticamente para o português. Todas essas possibilidades se tornam viáveis graças ao desenvolvimento da IA. O cliente, contudo, não precisa saber que há uma IA por trás. Para o usuário, as questões técnicas pouco importam. Ele sentirá esse nosso trabalho em seu dia a dia, naturalmente. Na jornada da indústria da computação pessoal, o fim sempre foi automatizar o que o ser humano faz e, assim, facilitar sua vida. Quanto mais avançado, mais somos capazes de conectar usuários com quem importa para eles, de ajudá-los a ser produtivos, de auxiliá-los a ser felizes."


Filipe Vilicic: "Como o senhor rebate o crescente temor em relação à IA, capitaneando críticos de renome, como o escritor israelense Yuval Noah Harari, autor dos best-sellers Sapiens e Homo Deus, que apontam o perigo de as máquinas um dia nos superarem?"
Sundai Pichai: "Conheço essas opiniões e penso sobre o assunto. Mas nós, que trabalhamos com isso diariamente, sabemos que estamos longe de alcançar o estágio de desenvolvimento da IA que alguns apontam como perigoso. Pense que, poucos anos atrás, nossa preocupação ainda era fazer com que um software conseguisse compreender meu sotaque. Logo, estamos no início disso tudo. No entanto, há um ponto mais fundamental a ser entendido. Em tecnologia, a batalha é para que os fins bondosos prevaleçam. A resposta é jamais parar de trabalhar em uma inovação. Isso porque, se não nos aproximarmos de soluções com fins benéficos, certamente haverá alguém se emprenhe a criar a mesma novidade - só que para algo maléfico. É urgente que continuemos a evoluir, porém de forma pensada. O bom caminho que o Google encontrou para isso é ser transparente. Sempre compartilhamos nossas informações com todos, justamente para levantarmos os necessários debates éticos provenientes delas."


Filipe Vilicic: "O senhor é apontado como uma das pessoas mais influentes do planeta, por estar à frente de uma empresa globalmente poderosa. Isso pesa?"
Sundai Pichai: "Estou com uma posição privilegiada por protagonizar, com o Google, muitas transformações. Só que o Google é apenas uma das partes da discussão. Por isso, na área de tecnologia não podemos dar como certa nossa situação de liderança. Tudo o que construímos só faz sucesso porque o público usa. O efeito é que, no dia a dia, penso em como criar produtos melhores. Compreendendo o poder que temos. Entretanto, sei que, no fim das contas, a meta principal é melhorar a vida dos usuários."

Filipe Vilicic: "O Google também está no centro das discussões políticas e de segurança pública, a exemplo dos recentes vazamentos, via WikiLeaks, de como a CIA poderia hackear dispositivos com Android para acessar dados de usuários. Não é preciso posicionar-se de questões desse tipo?"
Sundai Pichai: "Em dezoito anos de trabalho, o Google conquistou a confiança das pessoas. Isso só ocorreu porque desenvolvemos criptografias que garantem a privacidade das informações. Sim, contribuímos com as autoridades, mas também resistimos quando necessário, colocando-nos ao lado do usuário. No que se refere à privacidade, por exemplo, acredito que hoje as pessoas possam se comunicar com muito mais segurança do que antes. Lembre-se de que, não muito tempo atrás, o debate era sobre como as criptografias estavam se tornando fortes demais."

Filipe Vilicic: "Mesmo assim, há uma onda de desconfiança em relação às novas tecnologias, suscitada, por exemplo, pela proliferação de notícias falsas em sites como o Google."
Sundai Pichai: "O exemplo das notícias falsas é delicado. Nos últimos meses, evoluímos com relação a esse problema, trabalhando duro para procurar soluções técnicas que deixem os resultados das buscas cada vez melhores. Entretanto, é necessário compreender que as notícias falsas só aparecem em uma parcela mínima dos bilhões de pesquisas no Google. Não gostamos de errar. Só que nossas falhas estão sempre expostas no site. Essa transparência nos impulsiona. Em seis meses, estaremos ainda mais desenvolvidos, e eu poderei responder à sua questão com uma postura mais acertada."

Filipe Vilicic: "Por ser imigrante, o que o senhor acha da postura do presidente Donald Trump contra os imigrantes?"
Sundai Pichai: "Acredito no sistema democrático - e as eleições foram justas. É por estarmos nesse ambiente democrático que se podem ouvir várias vozes a respeito das políticas anti-imigração. Em relação a esse tema, é claro para mim que, nos últimos 100 anos, nós, imigrantes, fomos determinantes para o progresso americano."


Filipe Vilicic: "O senhor acredita que a indústria da inovação sairá prejudicada caso Trump consiga levantar seus, digamos, 'muros'?"
Sundai Pichai: "Claro. Os Estados Unidos e suas empresas só chegaram à liderança global por terem crescido por base em inovações. Por trás desse desenvolvimentos estão mentes de diversos países. Quando vim para cá, ficou evidente para mim que os melhores talentos do mundo seguiam rumo a este país. É dessa diversidade de ideias que nascem as tecnologias com potencial de impactar o planeta. Se Trump tiver sucesso em aprovar sua lei anti-imigração, isso será prejudicial à nação."


A entrevista acima foi retirada da revista VEJA - Edição 2523 - Ano 50 - nº 13, págs. 11, 14 e 15. 29 de março de 2017. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e a Editora Abril.


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