VIOLÊNCIA
"REPRESSÃO FICA MAIS VIOLENTA NO INTERIOR DA VENEZUELA"
"Maioria de mortes em julho ocorreu em áreas onde cobertura de mídia é rara"
Por: Sylvia Colombo
DE BUENOS AIRES
"Jovem de Barquisimeto diz que, ante escassez, polícia dá armas e comida para população atacar manifestantes.
Imagens de confrontos entre as forças da ditadura venezuelana e os opositores do regime se tornam mais comuns nos noticiários internacionais, sobretudo a partir de abril, quando se intensificou a violência. Desde então, já se contam ao menos 122 mortos - a ONG venezuelana Foro Penal fala em 133 até 31 de julho.
A cara menos visível e mais sangrenta da repressão, porém, não está em Caracas, onde ainda é possível gravar e transmitir imagens de imprensa local ou estrangeira, ainda que sob risco.
Em Estados do interior, principalmente nas cidades com muitos estudantes e sem cobertura por independentes, as cifras da repressão são mais altas. Segundo relatório do Foro Penal, em julho foram 10 mortos em Mérida, 9 em Táchira e 6 em Lara.
De lá, também, vêm os relatos mais dramáticos. 'Entre para a Resistência [grupo de jovens estudantes que se opõem ao ditador Nicolás Maduro] em 2014. Cresci em Barquisimeto [capital de Lara] e queria estudar música. Mas, desde que isso começou, só fiz combater', conta à Folha, por teleconferência, Dunckan Quevedo, 17, autoexilado em Nova York há uma semana.
'Nós treinávamos, construíamos armas caseiras, equipamentos de defesa, e nos movimentávamos. Onde houvesse combate, a Resistência enviava guerreiros', diz.
Segundo Quevedo, a repressão em Barquisimeto foi muito violenta. 'E não dava para registrar. A primeira coisa que a Guarda Nacional Bolivariana e os coletivos [milícias chavistas] faziam com alguém que tivesse uma câmera ou gravasse algo no celular era destruí-los. Lá não tem jornalistas, TV não cobre'."
"Quevedo conta que vários de seus companheiros foram feridos, mas que levá-los ao hospital passou a não ser uma opção. 'Era melhor que a Guarda não soubesse se a gente tinha sobrevivido, pois eles já tinham nos marcado. Então preferíamos deixá-los na dúvida e levávamos nossos feridos para casas de pessoas que nos apoiavam'.
Ele relata que construiu seu escudo com chapas de raio-x que um médico distribuiu aos garotos. 'Se o tiro vinha de longe, mesmo de escopeta, o escudo parava', diz, orgulhoso. 'Nós os revestíamos com CDs. Isso confundia a visão do guarda'.
O jovem diz que sempre alguém ficava de guarda no alto dos edifícios na entrada da cidade. 'Mas eles começaram a vir com mais força. Antes, chegavam em carros e com metralhadoras, depois vieram tanques, comboios e os soldados com óculos para se movimentar no escuro'.
De suas noites de plantão no alto do prédio, Quevedo diz que via como carros do governo iam para os bairros pobres carregando caixas.
'A guarda levava comida e armas para as pessoas do bairro nos atacassem. Até crianças de 5 e 8 anos estavam atirando em troca de comida, pois em Barquisimeto já havia nada nos mercados'.
Nascido nos EUA, Quevedo diz que sua mãe começou a temer por sua vida e insistiu que ele fosse viver com os parentes em Nova York.
'Eu não queria ir, nós queríamos parar a Constituinte. Mas fiz um acordo com minha mãe que, se a Constituinte passasse, eu desistia da luta e iria embora'.
Fizeram o mesmo vários de seus companheiros. 'Éramos um grupo muito unido, e já sinto a falta deles. Mas todos colocaram o 30 de julho como data final, porque alguns tinham família. O líder do meu grupo tinha filhos, estava preocupado. Então cada um começou a pensar em ir. Quem pode sair está saindo'.
A Folha o conheceu no aeroporto, dois dias após a eleição da Constituinte chavista. Quevedo quer terminar os estudos nos EUA e viver um tempo em Nova York.
Na noite anterior a seu embarque, disse que se reuniu com os amigos pela última vez. 'Queríamos uma festa, mas não podíamos fazer barulho, pois a Guarda estava por todos os lados. Só nos abraçamos. E chorei muito'."
A notícia acima foi retirada do jornal FOLHA DE S. PAULO - EDIÇÃO ONLINE - Ano 97 - nº 32.274, pág. A16. Mundo. 13 de agosto de 2017, Domingo (Acesso: 13/08/2017)
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