DOSSIÊ CÂNCER:
A PREVENÇÃO, A LUTA, A VITÓRIA
Houve um dia em que ter diabetes era uma sentença de morte - ou pelo menos de alguns membros amputados. A pressão alta, a garantia de um ataque cardíaco iminente. Ser portador de HIV, uma verdadeira arma apontada para a cabeça. Hoje, são doenças ainda graves, mas crônicas e controláveis - qualquer um pode conviver com elas e ter qualidade de vida, desde que tomados alguns cuidados.
A epidemia assustadora dos nossos tempos de vida longa e farta (inclusive de maus hábitos como fumar, beber, comer demais e não se exercitar) é o câncer e suas mais de 100 variações já identificadas. Um assunto que interessa a todos nas próximas postagens, que compreenderão um DOSSIÊ CÂNCER: A PREVENÇÃO, A LUTA, A VITÓRIA. Você lerá e verá que ter câncer não é uma loteria, mas sim uma probabilidade estatística. Esse diagnóstico vai aparecer para metade de nós nos próximos anos.
A cura definitiva da doença em qualquer estágio já foi cravada algumas vezes, e tema de notícias ou assuntos publicados neste blog. Hoje, cientistas de todo o mundo parecem convergir para uma solução menos milagrosa que um elixir mágico, e, por isso, mais plausível: manter o câncer sob controle. As últimas descobertas aplacam a fúria da multiplicação das células cancerosas e garantem uns bons anos a mais de vida, e o principal: com qualidade. Para que o câncer, muito em breve, seja a nova diabetes, metaforicamente, só nos impeça de comer alguns doces, mas não de viver.
PESQUISA HISTÓRIA:
O PRIMEIRO REGISTRO CONHECIDO DE UM TUMOR É DE 2600 ANOS ANTES DE CRISTO, EM UM PAPIRO EGÍPCIO. DESDE ENTÃO, A BUSCA DA CURA É UMA OBSESSÃO DA HUMANIDADE
"A primeira vez que se mencionou o câncer na história da humanidade foi em um papiro egípcio do ano 2600 antes de Cristo. Lá estava o relato de 48 doenças feito pelo médico egípcio Imhotep. A doença número 45 foi descrita como 'massas salientes no peito e que se espalharam pelo peito', frias, duras e densas como uma fruta. 'Dificilmente haveria uma descrição mais vívida do câncer de mama', escreve Siddhartha Mukherjee no livro O Imperador de Todos os Males - Um Biografia do Câncer [Companhia das Letras, 2014]. Mas, ma seção intitulada 'Terapia', apenas uma nada animadora frase: 'Não existe.' Depois dessa, ficamos sem notícias da doença por 2 mil anos - só aparece de novo em relatos de Heródoto, em 440 anos de Cristo. Nos textos, estava a história de Atossa, rainha da Pérsia, que, no meio de seu reinado, descobriu um caroço que sangrava no peito - provavelmente um câncer de mama em processo inflamatório. Envergonhada, ela preferiu se esconder enrolada em lençóis a procurar a ajuda dos melhores médicos. Um escravo grego chamado Democedes convenceu Atossa a extrair o tumor. Logo depois da operação, a rainha não é mais citada nos textos. Não se sabe se ela voltou a ter tumores ou como e quando morreu, mas o procedimento parece ter funcionado: como Democedes salvou sua vida, a rainha persa, cheia de gratidão, convenceu seu marido Dario a não invadir a Cítia, mas que virasse a campanha em direção à Grécia. Tudo porque Democedes queria voltar à sua terra natal. O câncer teria, portanto, influenciado um dos momentos decisivos da História - as guerras entre persas e gregos. A verdade é que os 'cânceres' descritos por Imhotep e Heródoto podem ter sido outras doenças. Os únicos casos de câncer comprovados na história vêm de tecidos malignos que foram preservados."
"O ano era 1990 e o local, um cemitério de mil anos, em uma planície da ponta meridional do Peru, no deserto de Atacama. Um lugar que não sabe o que é chuva desde que passou a ser registrado historicamente, e é o túmulo de múmias da tribo de chiribaya. Na região, o clima é perfeito para o fenômeno de mumificação. Naquele ano, Arthur Aufderheide, especialista em paleontologia (ele realizava autópsias em restos mumificados), encontrou 140 múmias. Entre elas, estava a 'massa bulbosa' de mil anos de idade, preservada milhares de anos no antebraço esquerdo de uma mulher mumificada. Tratava-se de um tumor ósseo maligno, conhecido pelos médicos como osteossarcoma. Um câncer mumificado, escreveu Mukherjee.
Arqueólogos também encontraram muitos vestígios da passagem da doença: uma múmia egípcia de dois mil anos que tinha um tumor invadindo o osso da bacia e um maxilar datado de 2 milhões de anos atrás, com uma forma de linfoma, encontrado na África meridional. Se essa descoberta representa realmente traços da história do câncer, ele pode ser uma das doenças mais antigas do mundo."
"O CARANGUEJO"
"Nomes de doenças antigas nos contam histórias, e, no caso do câncer, não poderia ser diferente. Na literatura médica, foi por volta de 400 a.C. que um termo para câncer apareceu pela primeira vez, via Hipócrates, considerado o pai da medicina: karkinos, vindo da palavra grega que significa caranguejo. Descrevia um tumor com vasos sanguíneos inchados à sua volta, que fez o médico lembrar de um caranguejo enterrado na areia, com as patas abertas. A definição de câncer de Hipócrates não é a mesma que conhecemos hoje. Os karkinos eram os tumores grandes, superficiais e visíveis a olho nu: de mama, de pele, pescoço ou língua, sem distinção entre malignos e benignos. Hipócrates dizia que o corpo humano era composto de quatro fluídos cardeais chamados humores, que regulava a saúde. Um desses fluídos, a bile negra, também responsável pela depressão, foi atribuída ao câncer pelo médico grego Claudius Galeno. O câncer seria resultado de uma superdose interna de bile. Galeno estava falando de um princípio do câncer: tratá-lo cirurgicamente muitas vezes não resolvia, pois a bile continuaria jorrando pelo corpo.
Em vez de se arriscarem em cirurgias, os pacientes preferiam os remédios sistêmicos usados por Galeno, como extrato de chumbo e arsênico, presa de porco do mato, pulmão de raposa, raspa de marfim e alguns purgativos e laxantes - que, claro, não faziam nem cócegas.
Por volta de 1538, um estudioso belga do corpo humano, que acabou por se tornar o pai da anatomia moderna, Andreas Vesalius, ao realizar estudos para confeccionar seu mapa anatômico, nunca encontrou a tal bile negra. Achou até outro dos quatro humores, a sua irmã do bem, a bile amarela no fígado. Vesalius não anunciou sua descoberta, por vir de uma geração que acreditava na teoria galênica, mas em seus desenhos deixou uma mensagem que dizia o contrário. Em 1703, um anatomista de Londres, Marthew Baillie, fez o mapa do corpo em sua condição doente, descrevendo tumores malignos de pulmão, estômago e testículos. Mas nada da bile. Era documentado o fim da era dos humores e um novo início para a cirurgia como tratamento.
Antes do século XX, as pessoas viviam menos e havia outros males mais latentes com que se preocupar como tuberculose, cólera, pneumonia. Muitas mortes por câncer no século XIX podem ter sido atribuídas a uma infecção ou abcesso. Desde então, o avanço tecnológico contribuiu, e muito, para diagnóstico mais precisos da doença.
No início dos anos 1950, existiam três correntes sobre as causas do câncer: os virologistas afirmavam que a culpa era de um vírus, mesmo que nenhum desse tipo tivesse sido encontrado em seres humanos (só em uma galinha); os epidemiologistas, que diziam que a causa vinha de substâncias químicas externas, mas não sabiam explicar como acontecia; e os cientistas que apostavam em genes. Entre esses, estava Sidney Farber, patologista americano, que queria produzir substâncias químicas para livrar a humanidade das células cancerígenas, sem matar as células saudáveis. Para isso, precisava de dinheiro. E logo a lógica do mundo capitalista o colheu - conseguiria dinheiro com publicidade, na medida em que chamasse a atenção do mundo para o câncer. Conseguiu utilizando uma criança com câncer como mascote, conhecido como Jimmy. Ganhou ajuda de grupos influentes nos Estados Unidos, inclusive de times de futebol americano, e criou o Fundo Jimmy, que arrecadaria dinheiro para a construção de um hospital voltado à pesquisa. Deu certo.
Desde então, centenas de cientistas embarcavam em uma corrida alucinada para encontrar mais drogas citotóxicas que pudessem curar o câncer, ou, pelo menos, aumentar a sobrevida dos pacientes. A quimioterapia combinada com cirurgia, com mais quimioterapia, inclusive de doses megatóxicas, começou nos anos 1980. Transplantes foram feitos aos milhares - inclusive de medula para tratar câncer de mama.
A história dessa doença ainda está sendo escrita. E esperamos que tenha um final feliz em breve."
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