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MIGRAÇÕES

JORNADAS DE DESESPERO
O mundo vive a pior crise migratória desde a II Guerra Mundial. Conflitos, perseguições, a fome, a seca e desastres naturais expulsam dezenas de milhões de pessoas de suas casas e seus países


Por: Thereza Venturoli

As nove pessoas que aparecem na imagem abaixo são refugiados: cinco sírios, três iraquianos e um afegão. Em meio a um risco permanente dos conflitos que devastam seus países, eles preferiram deixar lares e entes queridos para trás na tentativa de recomeçar uma nova vida no continente europeu.

Enquanto aguardavam posição para cruzar a fronteira da Eslovênia com a Áustria, em mais uma etapa dessa longa jornada migratória, o grupo aceitou posar para o fotógrafo e mostrar seus celulares. Na memória do pequeno aparelho eles guardam imagens que ajudam a matar a saudade de quando viviam em paz, antes do caos que devastou suas vidas.

Na foto em que os refugiados nos mostram estão filhos e esposas sorridentes, jardins bem-cuidados e cidades tranquilas. Mas tudo isso agora ficou para trás. Ao lançarem-se em perigosas travessias pelo Mar Mediterrâneo e árduas caminhadas em terras desconhecidas, eles sonham com uma chance de serem acolhidos em uma Europa que se mostra cada vez mais hostil à presença dos estrangeiros.


CONCEITOS

  • MIGRANTE é o termo genérico para o qualquer pessoa que se desloque do país ou região em que nasceu.
  • EMIGRANTE é a pessoa que deixa seu local de nascimento para viver em outro país, estado ou região.
  • IMIGRANTE é o migrante que entra em determinado país ou região, para ali viver. Imigrante ilegal é a pessoa que não é aceita oficialmente pelo governo do país em que chega.
  • REFUGIADO é o migrante que deixa seu país forçado, fugindo da violência, conflitos, fome, catástrofes naturais ou violações dos direitos humanos.
  • ASILADO para as agências da ONU, é o refugiado aceito oficialmente pelo país ao qual pediu refúgio.
  • DESLOCADO INTERNAMENTE é a pessoa que deixa sua casa, fugindo de perseguição, fome ou violência, mas não sai de seu país. A Acnur considera apenas os deslocados por conflitos. Outras organizações incluem os que se deslocam por desastres ambientais.
Essas histórias compõem um retrato da grave crise dos refugiados na Europa. Mas não apenas uma parte do drama da população total de refugiados no mundo. Apesar de esse fluxo ocorrer com intensidade do Oriente Médio para a Europa, existem refugiados espalhados por todo o planeta.

MIGRAÇÃO FORÇADA

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) reconhece que existem no mundo mais de 65,6 milhões de pessoas deslocadas à força, número que só encontra paralelo histórico na crise de refugiados provocada pela II Guerra Mundial (1939-1945).

Desse total, 40,3 milhões são deslocados internamente - pessoas que abandonam suas casas, mas permanecem em seus próprios países. Essa situação é muito comum na Síria, no Iraque e na Colômbia. Já os que se deslocam para outros países, os refugiados, somam 17,2 milhões - isso sem contar o 5,3 milhões de palestinos e seus descendentes que há anos vivem em territórios estrangeiros.


Refugiado é uma categoria específica de migrante - a pessoa que se vê obrigada a deixar sua casa, rompendo laços culturais, familiares e sociais para tentar a vida em uma outra nação. Ao contrário de outros migrantes, que vão viver em outra cidade ou país por opção, o refugiado é forçado a se deslocar porque é ameaçado por conflitos armados, perseguição política, étnica ou religiosa, violência generalizada ou catástrofes naturais (veja box na imagem acima).

Pelas normas internacionais, refugiados não podem ser deportados de volta ao seu local de origem e devem receber proteção no país a que chegam. Ter o status de refugiado não depende inicialmente da legislação de cada país, mas de normas internacionais estabelecidas em uma série de convenções e protocolos da ONU e ratificadas pela maioria dos países. Por essas normas, o refugiado deve receber proteção integral da nação que o recebe antes mesmo da conclusão do processo de regularização de sua situação, por meio da concessão de asilo. E a regra é válida mesmo em situações emergenciais, de grandes levas de pessoas que abandonam em massa seus países, como na atual crise migratória, quando a concessão do asilo é dificultada.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) estima que 2,8 milhões de pessoas ainda aguardam a conclusão do processo de pedido de asilo. E, por isso, não tem os direitos básicos garantidos.


UNIÃO EUROPEIA

Estão na Ásia os mais intensos fluxos de saída de refugiados da crise atual. Esse movimento deve-se, fundamentalmente, ao acirramento de conflitos armados no Oriente Médio na última década. Um dos principais catalisadores da atual crise migratória foi a guerra civil na Síria. O conflito, que começou em 2011, arrasou cidades inteiras do país, incluindo grandes centros urbanos, como Aleppo e Homs, e deixou a população a mercê de grupos extremistas, como o Estado Islâmico. Além da Síria, outros países, como Afeganistão e Iraque, passam por guerras que geram enormes levas de refugiados. O resultado desse caos é a fuga para outros países.

Boa parte desse contingente de refugiados procurou acolhimento nos países mais ricos da UE. O contingente europeu abriga atualmente 13% do total mundial, o que representa cerca de 2,3 milhões de refugiados estrangeiros, e é a região com o maior número de pessoas que ainda aguardam asilo - 1,1 milhão.

As principais portas de entrada na UE são a Grécia e a Itália. Para chegar lá, milhares de migrantes desafiam os mares revoltos do Mediterrâneo. A travessia é perigosa, feita em embarcações precárias, geralmente superlotadas. Em 2016, mais de 5 mil pessoas perderam a vida durante as travessias, número recorde.

O auge da onda migratória para a UE ocorreu em 2015. Naquele ano, segundo a organização Anistia Internacional, o número de pedidos de asilo nas nações do mais rico grupo econômico do mundo praticamente dobrou de 2014 a 2015, subindo de 563 mil para quase 1,3 milhão. Pelo mar, chegaram à costa da Europa 1 milhão de refugiados. Pela rota dos Bálcãs, que une Turquia a países mais ao norte do continente europeu, chegou outro milhão vindo do Oriente Médio.


DRAMA NO LÍBANO

Embora a crise na Europa chame a atenção, o continente está longe de ser o principal destino dos refugiados. Da Ásia partem quase 60% do total de refugiados do mundo, e é nela que se abriga mais da metade desse pessoal. Apenas a Turquia, o Paquistão e o Líbano recebem duas vezes mais refugiados do que todos os 28 países da União Europeia. Entre os dez principais destinos de refugiados, apenas Alemanha pertente ao grupo econômico mais rico do mundo.

No caso específico dos refugiados sírios, segundo dados da Anistia Internacional, quase 90% deles estão concentrados em cinco países do Oriente Médio e ao norte da África: Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egito, somando 4,7 milhões de pessoas.
 
A situação no Líbano é especialmente dramática. Pobre, com um território seis vezes menor do que o da Europa e uma população de 5,8 milhões de habitantes, o Líbano acolhe cerca de 1 milhão de sírios - mais da metade deles, crianças. É o país de destino com a menor proporção de refugiados sobre a população nacional - para cada grupo de mil libaneses existem 172 refugiados (veja o gráfico abaixo).

Esses migrantes têm um enorme peso para o país. Além de não haver mercado de trabalho que absorva essa mão de obra extra, a infraestrutura libanesa de habitação, saneamento e serviços públicos em saúde e educação não tem capacidade de atender a esse excedente populacional. Como consequência, mais da metade dos refugiados sírios que chegaram nos últimos anos ao território libanês se mantém em acampamentos improvisados ou edifícios superlotados, em regiões extremamente carentes. Cerca de 70% desses refugiados vivem abaixo da linha de pobreza.


No Oriente Médio, também é representativo o caso específico dos refugiados palestinos, que não integram as estatísticas do Acnur. São descendentes da população que foi forçada a se deslocar por causa dos conflitos relacionados à criação do Estado de Israel, em 1948. Essa população vive em territórios da Faixa de Gaza e Cisjordânia, mas também em países próximos, como Síria, Iraque e Líbano. Grande parte dos refugiados palestinos permanece durante anos, e até décadas, alojada em acampamentos planejados como temporários, enquanto reivindica o retorno a seu local de origem, hoje território israelense.


"FOME E GUERRA NA ÁFRICA"

"A África é a segunda nos rankings de regiões que mais exportam e que mais acolhem refugiados. O motor desse triste entra e sai são os conflitos armados e a fome. No Sudão do Sul, por exemplo, a guerra civil, que teve início em 2013, forçou nos três anos seguintes 1,4 milhão de pessoas a se transferir para outros países.

Outro foco da grave crise é a região da bacia do Lago Chade, no Noroeste da África, que inclui Niger, Chade, Camarões e Nigéria. Nesses países, o Boko Haram, grupo extremista ligado ao Estado Islâmico, pretende instalar regimes islâmicos radicais e, para isso, ataca vilas e aldeias e comete saques, assassinatos e estupros.

Diante desse caos, a produção de alimentos foi prejudicada. Sem acesso a recursos como o cultivo agrícola e com a severa seca que atinge a região, 3,4 milhões de habitantes no entorno da bacia do Lago Chade enfrentam uma situação de insegurança alimentar severa. Como consequência da guerra promovida pelo Boko Haram e da fome, 2,6 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas - número quase igual ao de sírios vivendo na Turquia.


Assim como ocorre na Ásia, na África a maior parte dos deslocamentos internacionais forçados se dá entre países vizinhos. Dos 17 milhões de desalojados africanos, cerca de 90% permanecem no continente, de acordo com a ONU. Ou seja, nesses casos, é o fator geográfico o mais determinante na escolha do destino.

Uma das razões para isso é o alto custo cobrado pelos traficantes de pessoas para chegar à Europa. Isso sem contar o alto risco dessas viagens, feitas em botes precários e superlotados. A urgência leva as pessoas a fugirem para uma nação mais próxima - ainda que tão pobre quanto o seu país de origem, mas estável politicamente.

DESLOCAMENTOS INTERNOS

Refugiados deixam seus países e percorrem grandes distâncias, tentando se estabelecer em uma nação diferente. São muitos no mundo, é verdade. Mas a maior parte das pessoas que são forçadas a deixar sua casa são os deslocados internamente. Elas não saem do país, mas se mudam de cidade ou região por causa da violência ou de desastres naturais. Existem no mundo mais de 40 milhões de pessoas deslocadas internamente - quase 37 milhões deles devido a conflitos armados. E a maior parte está novamente na Ásia e na África. Juntos, os países desses dois continentes abrigam três quartos dos deslocados internamente por guerras.


Mas é no continente americano que se encontra o país com o maior número de desalocados internamente por conflitos - a Colômbia, com 7,4 milhões, metade do total de desalocados na Ásia. A dramática situação dos colombianos está relacionada ao longo histórico de conflitos com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o Exército de Libertação Nacional (ELN), que deixa um saldo de mais de 260 mil mortes e 46 mil desaparecidos desde 1964. Ao todo, estima-se que a violência tenha vitimado e afetado mais de 8 milhões de colombianos. O acordo firmado entre o governo e as Farc no final de 2016, ainda em implementação, criou expectativas de encerrar definitivamente o conflito.

MIGRANTES ECONÔMICAS

Sempre é bom lembrar que os refugiados compõem apenas uma parte do total de migrantes internacionais. As estatísticas consolidadas mais atuais vêm da Organização das Nações Unidas (ONU) e referem-se a 2015. Segundo a ONU, se somarmos todos os migrantes internacionais, incluindo os refugiados, esse número alcança 243,7 milhões. E esse indicador cresce em ritmo acelerado: em apenas cinco anos, entre 2010 e 2015, a elevação foi de 10% - ante 28% no período 2000-2010 (veja gráfico abaixo). 

Enquanto os refugiados fogem para escapar de violência, perseguições e conflitos, os migrantes por vontade própria têm motivação econômica - buscar melhores oportunidades de trabalho e, assim, melhorar a qualidade de vida. É por isso que a maioria dos migrantes está nos países desenvolvidos - 140,5 milhões. Desde de meados do século XX parte do crescimento populacional desses países se deveu à entrada de estrangeiros.

A força econômica desses países atraiu, no decorrer do século XX, levas de imigrantes de países mais pobres, de onde partiram em busca de emprego.

Esse movimento não só estimulou o crescimento populacional dos países desenvolvidos, como contribuiu decisivamente para o avanço econômico. São conhecidos os fluxos de indianos e paquistaneses para o Reino Unido, de turcos para a Alemanha, de argelinos para a França e de mexicanos para os Estados Unidos (EUA).

Se num primeiro momento esse fluxo foi estimulado pelos governos locais, que necessitavam de mão de obra barata, com o passar do tempo as portas foram sendo fechados a esses imigrantes. Ou melhor, criaram-se restrições para tentar barrar esse fluxo, o que não impediu a chegada dos estrangeiros - só os tornaram imigrantes ilegais para as autoridades locais.


NOVOS RUMOS

A partir de 2010, contudo, um interessante fenômeno começou a ser observado: o grande movimento migratório para os países desenvolvidos ainda é intenso, mas as nações em desenvolvimento passaram a atrair cada vez mais estrangeiros (veja no gráfico acima). A crise econômica que abalou o mundo a partir de 2008 está na origem dessa situação do atual fluxo de migrantes e ainda deixa sequelas.

A economia estagnada forçou o fechamento de empresas e aumentou a taxa de desemprego nos países ricos. Esse cenário de instabilidade inibiu a chegada de possíveis imigrantes na Europa e nos EUA. Paralelamente, destinos anteriormente pouco importantes na rota das migrações passaram a atrair milhares de pessoas. Países produtores de petróleo no Golfo Pérsico, por exemplo, empregam muitos homens em áreas como construção civil. Com isso, nações como Emirados Árabes Unidos e Catar atraíram muitos estrangeiros. Até mesmo o Brasil passou a ser atraente para haitianos e africanos, que chegaram ao país atraídos pelas notícias de crescimento econômico e de possibilidade de emprego, no início desta década.

Para compreender melhor esse fenômeno, compare: entre 1990 e 2000, dos dez corredores de migração (de país de origem para país de destino) mais movimentos do mundo, quatro tinham como país de destino os EUA e dois, a Alemanha (países desenvolvidos). Já entre 2010 e 2015, há um único país desenvolvido como destino entre os maiores corredores, os EUA.

O corredor México-Estados Unidos, aliás, é outro indicador da mudança no perfil das migrações. Entre 1990 e 2000, cerca de 500 mil mexicanos transferiam-se para os Estados Unidos, em média, a cada ano. Até 2010, esse era o corredor de migração de mais intenso movimento no mundo. Hoje, ele ocupa a sexta posição, com apenas 100 mil migrantes mexicanos instalando-se nos EUA. Cedeu lugar ao corredor Síria-Turquia, com mais de 300 mil migrantes por ano - muitos graças ao fluxo de refugiados.

As recentes mudanças nos fluxos migratórios não significam que a questão deixou de ser um grande desafio para os países ricos. Muito pelo contrário. Na Europa e nos EUA, o convívio com migrantes econômicos com os refugiados é cada vez mais intenso e provoca reações de amplos setores da sociedade contra a presença de estrangeiros, muitas vezes descambando ódio e a xenofobia.

PARA IR ALÉM: O Unicef lançou a série de animações Unifairy Tales, que narra o drama de crianças refugiadas sírias, todas as histórias baseadas em fatos reais. Acessível em http://www.unicef.org/emergencies/childrenonthemovie/unifairytales/en

SAIU NA IMPRENSA

COMISSÃO EUROPEIA INICIA PUNIÇÃO A TRÊS PAÍSES POR RECUSA DE REFUGIADOS

A Comissão Europeia decidiu nesta terça-feira adotar medidas contra países que se negam a receber refugiados. Abriu-se um processo de punição aos países mais reticentes em participar do esquema de compartilhamento: Polônia, Hungria e República Tcheca. Os dois primeiros não acolheram nenhum solicitante de asilo dentre os tantos que chegam à Grécia e à Itália desde 2015, enquanto o terceiro se retirou do programa depois de ter recebido apenas 12 pessoas. (...)
[Em 2015] Os países aprovaram, por maioria quantificada, dividir entre si um total de 160.000 solicitantes de asilo, mas a ausência de vontade política e as limitações do programa fizeram com que, a três meses do fim do prazo estipulado, apenas 20.869 pessoas tenham sido efetivamente distribuídas entre os diversos países. (...)
"Não se trata de uma opção. Além do compromisso moral, houve uma decisão legal, uma obrigação de recebê-los. Já houve atraso demais", argumentou o comissário europeu de Migração, Dimitris Avramopoulos. (...)

El País Brasil, 13/6/2017


ATUALIDADES: VESTIBULAR E ENEM foi retirado do livro GE - GUIA DO ESTUDANTE: ATUALIDADES: VESTIBULAR+ENEM - 2º semestre de 2017, págs. 134, 135, 136, 137, 138, 139, 140 e 141.

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