POLÊMICA


"ARGENTINA FICA MAIS PERTO DE SER 3º PAÍS DA REGIÃO A DESCRIMINALIZAR O ABORTO"
"Projeto que permite interrupção até a 14ª semana avança na Câmara e agora depende do Senado"


Por: Sylvia Colombo

"BOGOTÁ Depois de uma disputa acirrada que durou mais de 20 horas e avançou pela madrugada desta quinta-feira (14), a Câmara dos Deputados da Argentina aprovou pela manhã a lei que permite o aborto até a 14ª semana, e apenas por decisão da mulher.
O projeto foi aprovado com 129 votos a favor e 125 contrários e agora vai para o Senado, de maioria peronista (oposição). O presidente Maurício Macri já afirmou que não vetará a medida, embora seja contrário a ela.
Caso a legalização receba o crivo da segunda Casa, a Argentina será o terceiro país latino-americano a permitir a interrupção em qualquer circunstância nos primeiros estágios da gravidez, ao lado de Uruguai e Cuba.
O alcance da medida ainda é restrito na região: chegaria a 10% da população latino-americana com direito a esse recurso, ante os atuais 10%. 'Mas pode haver repercussão em toda a América Latina por causa da importância por causa da importância da Argentina na região', disse à Folha a militante e escritora Claudia Piñero.
Quem usou o argumento do mapa do atraso em seu voto foi, ironicamente, um deputado governista, Fernando Iglesias. Ele levou um diagrama mostrando que todos os países ocidentais do norte têm legislações de aborto mais avançadas que os países latinos. Foi aplaudido por seus arqui-inimigos, os legisladores esquerdistas e kirchneristas.
Até agora, a mulher argentina só pode abortar legalmente em três condições: risco de vida da mãe, má-formação do feto e estupro - com autorização de um tribunal que confirme o crime. Em outros casos, se a mulher for pega realizando um aborto clandestino, pode receber uma pena de até quatro anos de prisão.
As hospitalizações por complicações em tentativas de aborto são, em média, de 50 mil ao ano, e as mortes no mesmo intervalo giram em torno de 60, segundo entidades de direitos da mulher.
Em visita a Corrientes (nordeste), Macri disse que achou a discussão na Câmara de alto nível e que foi 'jornada histórica em busca de um país mais democrático'.
A maratona de votação na Câmara durou mais de 20 horas. Em um Congresso com mais de 30% de representação feminina, houve muitas deputadas, principalmente de províncias mais pobres e afastadas de Buenos Aires, que se manifestaram contra."


"Os parlamentares do interior disseram que, para além de suas convicções, não poderiam cumprir a medida por deficiências no sistema de saúde.
Martín Grande, de Salta (noroeste), disse que a fila para atendimento de saúde pública na província é de no mínimo seis meses.
Os argumentos não saíram muito do tradicional: os contra o aborto alegando que a vida começa na concepção, e os pró-escolha, de que se trata de um direito da mulher.
A deputada Victoria Donda, do Libres del Sur, foi das mais enfáticas na defesa da lei e, nos intervalos, tentou converter os indecisos para o 'sim'.
Outro que votou a favor foi Máximo Kirchner, filho da ex-presidente Cristina Kirchner. Apesar de a mãe ter sido sempre contra (após o voto na Câmara, a senadora disse que vai votar a favor), ele disse ter escolhido o 'sim' baseado na experiência dos abortos naturais da ex-esposa.
'O aborto é ruim e traumatizante. Não acho que nenhuma mulher opte por isso se não for o último recurso, mas a decisão tem que ser delas'."


"O governista Nicolás Massot, contrário à lei, foi acusado pela oposição de prometer cargos e verbas nos corredores a quem votasse com ele.
Importante referência do governo, a deputada mais votada das últimas eleições Elisa Carrió, que votou contra, minimizou o debate. 'Este não é um debate histórico'.
Tradicionalmente, na Argentina, a sessão para aprovar uma lei inclui discursos de cinco a dez minutos para cada um dos 257 deputados (muitos se excedem). Por isso, o processo toma muito tempo.
Fora do congresso, manifestantes pró e contra fizeram vigília à noite. Foram apelidados de onda celeste (contra aborto) e onda verde (pró-aborto).
Pela manhã, restavam poucos da onda celeste, mas muitos da onda verde, que mantiveram o ânimo o tempo todo, apesar da noite com sensação térmica chegando a 3ºC.
Os pró-legislação gritavam 'aborto seguro, legal e no hospital', enquanto os contra entoavam 'Olelé, Olalá, se esta não é a vida, a vida onde está?' - e exibiam uma imagem gigante de um ultrassom com um feto de poucas semanas.
Os que votaram a favor fizeram muitas menções a um dos médicos mais famoso do país, René Favaloro (1923-2000), que fez a primeira cirurgia de ponte de safena do mundo.
Ele diz que 'legalizar não quer dizer autorizar que todo mundo faça um aborto só porque é legal, mas sim que as pobres desgraçadas [sic] deste país não caiam no submundo horroroso que as pode levar à morte'."

"MAIORES BANCADAS NO SENADO SINALIZAM VOTO A FAVOR DA LEI"

"Os dois líderes da bancada com mais parlamentares no Senado argentino, Miguel Piccheto, peronista não aliado de Cristina Kirchner, e Luis Naidenoff, da União Cívica Radical, aliada do presidente Maurício Macri disseram nesta quinta-feira (14) que suas bancadas devem votar unidas a favor da medida.
Apesar de ter um perfil mais conservador que o da Câmara dos Deputados, tem havido uma mudança no Senado nos últimos tempos.
Devido ao desgaste de Macri (cuja aprovação tem recuado; foi de 58% em outubro para 35%), a ala peronista não kirchnerista, ou seja, a mais próxima do governo, tem se desprendido da administração do presidente e voltando a aliar-se com os kirchneristas, mais à esquerda, e votando junto com a oposição.
Foi o que ocorreu durante a votação que aprovou o freio ao aumento de tarifas, em maio, vetado pelo presidente.
Segundo Naidenoff: 'O Senado tem que se responsabilizar pela demanda dos cidadãos e legislar realidades. O aborto não é uma questão de fé, e sim de saúde pública'.
Já Piccheto diz que a votação no Senado deve ter um efeito imparável e se referiu a verdadeira maré de mulheres com panos verdes que, desde a noite de quarta-feira (13) fez vigília na porta do Congresso, e vi ainda durante a fria tarde desta quinta em Buenos Aires.
O peronista considerou que a lei deveria ser votada antes do recesso de julho, para 'não perder o ritmo da discussão', mas adiantou que esta será mais detalhada e se 'afinarão diferenças'. Estimou que a nova votação ocorreria em duas ou três semanas.
Em entrevista à Folha, o ministro da Cultura, Pablo Avelluto, um dos defensores da lei, disse que a ideia não é ir 'contra os princípios filosóficos nem religiosos de ninguém, mas a verdade é que se a política não acompanha a realidade, a realidade será mais feia, com mais e mais mulheres mortas ou desatendidas'.
Naidenoff ainda acrescentou que 'não se pode ir contra a evolução da sociedade e das demandas das mulheres'.
'O jogo se inverteu, agora quem votar contra vai queimar a imagem', diz a escritora e líder ativista pelo aborto Claudia Piñero. SC"


A notícia acima foi retirada do jornal FOLHA DE S. PAULO - EDIÇÃO DIGITAL - Ano 98 - nº 32.580, pág. A10. Mundo. Sexta-feira, 15 de junho de 2018 (Acesso: 15/06/2018)

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