MARCOS JOSÉ BARBIERI FERREIRA EM "ASAS CORTADAS: A VENDA DA EMBRAER PARA A BOEING"
"EMBRAER A venda evitável à Boeing encurta o voo da melhor empresa do País e ameaça os futuros aviões militares"
Por: Carlos Drummond
"O governo tinha poder de veto à venda de 80% do capital da empresa privada Embraer, terceira maior fabricante de aviões do mundo, à Boeing, a maior do setor, caso identificasse risco à soberania nacional, mas decidiu na quinta-feira 10 dar o sinal verde ao negócio com a justificativa de que os inferno do país estariam preservados. Não é o que parece. Mostrando desinformação e uma leitura errada da dinâmica da concorrência global, na melhor das hipóteses, o governo deu sinal verde a um negócio péssimo para a Embraer e o Brasil, mas ótimo para a Boeing, mostra em detalhes o coordenador do Laboratório de Estudos das Indústrias Aeroespaciais e de Defesa da Unicamp, professor Marcos José Barbieri Ferreira, em entrevista a seguir.
Dominante do seguimento de jatos menores de 150 assentos, a Embraer é a única grande empresa brasileira de tecnologia que possui uma inserção ativa no mercado internacional. É também a principal empresa estratégica de defesa do Brasil, tendo o domínio de tecnologias sensíveis que são utilizadas em aeronaves, radares, satélites e sistemas de monitoramento. Segundo Ferreira, há um elevadíssimo risco de perda da capacidade tecnológica da Embraer remanescente, comprometendo o desenvolvimento de futuras tecnologias e produtos, particularmente aeronaves, de emprego militar. Pouco após a aprovação da operação pelo governo, a agência de classificação de risco S&P Global Rating ameaçou rebaixar a nota da Embraer, porque a transação realizada "vai enfraquecer consideravelmente o seu perfil de negócios", devido à redução da escala. Pior ainda, a operação, mostra Ferreira sobejamente, não era imperiosa e nem inevitável.
Segundo Wagner Farias da Rocha, professor de Engenharia Aeronáutica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e aviador da Força Aérea Brasileira, "a transferência de controle foi apresentada ao público de forma irregular e resultará na perda da capacidade da Embraer de projetar e produzir aviões, o que levará a empresa a regredir para o estágio tecnológico dos anos 1950". Em audiência pública no Supremo Tribunal Federal, Farias da Rocha disse que o negócio não é uma joint venture, conforme anunciado, pois transfere os principais ativos para a concorrente Boeing. A empresa afirmou que a operação envolvia a aviação comercial, mas de fato estão sendo transferidas as unidades de engenharia. "A Embraer que sobrou não conseguirá desenvolver aeronaves, modelos de tipos certificados nem tem engenharia de base para suporte de serviços, modificações e alterar projeto", previu o professor do ITA."
Dominante do seguimento de jatos menores de 150 assentos, a Embraer é a única grande empresa brasileira de tecnologia que possui uma inserção ativa no mercado internacional. É também a principal empresa estratégica de defesa do Brasil, tendo o domínio de tecnologias sensíveis que são utilizadas em aeronaves, radares, satélites e sistemas de monitoramento. Segundo Ferreira, há um elevadíssimo risco de perda da capacidade tecnológica da Embraer remanescente, comprometendo o desenvolvimento de futuras tecnologias e produtos, particularmente aeronaves, de emprego militar. Pouco após a aprovação da operação pelo governo, a agência de classificação de risco S&P Global Rating ameaçou rebaixar a nota da Embraer, porque a transação realizada "vai enfraquecer consideravelmente o seu perfil de negócios", devido à redução da escala. Pior ainda, a operação, mostra Ferreira sobejamente, não era imperiosa e nem inevitável.
Segundo Wagner Farias da Rocha, professor de Engenharia Aeronáutica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e aviador da Força Aérea Brasileira, "a transferência de controle foi apresentada ao público de forma irregular e resultará na perda da capacidade da Embraer de projetar e produzir aviões, o que levará a empresa a regredir para o estágio tecnológico dos anos 1950". Em audiência pública no Supremo Tribunal Federal, Farias da Rocha disse que o negócio não é uma joint venture, conforme anunciado, pois transfere os principais ativos para a concorrente Boeing. A empresa afirmou que a operação envolvia a aviação comercial, mas de fato estão sendo transferidas as unidades de engenharia. "A Embraer que sobrou não conseguirá desenvolver aeronaves, modelos de tipos certificados nem tem engenharia de base para suporte de serviços, modificações e alterar projeto", previu o professor do ITA."
"Para o desembargador Fausto De Sanctis, do Tribunal Regional Federal da 3° região, "a situação retratada é de verdadeira aquisição, travestida de negócio jurídico denominado joint venture". De Sanctis manifestou-se em resposta ao recurso movido pela União contra a liminar obtida, no dia 19, pelos sindicatos dos metalúrgicos de São José dos Campos, Botucatu e Araraquara.
"Os apoiadores da operação foram bem-sucedidos em apresentar à sociedade como positiva uma transação que está longe de ser um acordo, é algo totalmente assimétrico e isso não foi mostrado ao público", dispara Ferreira, da Unicamp, que a seguir detalha a transação e suas consequências.
"Os apoiadores da operação foram bem-sucedidos em apresentar à sociedade como positiva uma transação que está longe de ser um acordo, é algo totalmente assimétrico e isso não foi mostrado ao público", dispara Ferreira, da Unicamp, que a seguir detalha a transação e suas consequências.
CARTA CAPITAL: "A operação Boeing-Embraer, aprovada pelo governo na quinta-feira 10, foi apresentada pelos que se apoiam ora como fusão, ora como acordo, ora como aliança. É disso mesmo que se trata? Por quê?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "A operação entre Boeing-Embraer, oficialmente denominada como uma "parceria estratégica", na realidade resume-se a duas operações que evolvem aquisição de negócios da Embraer pela Boeing. A mais importante delas, e que foi claramente explicitada nos memorandos de entendimento divulgado pelas empresas, relaciona-se à aquisição dos negócios de aviação comercial da Embraer pela Boeing. Nesta operação, a Boeing adquire 80% do capital e, além disso, assegur, para si o integral controle estratégico, operacional e administrativo dos negócios de aviação comercial da Embraer, que passam a integrar a cadeia de fornecimento e produção da empresa estaduense em âmbito global. Todo o negócio de aviação comercial da Embraer, que vem respondendo por cerca de 58% das receitas e 90% dos lucros da companhia, será cindido e se tornará uma subsidiária sob total controle da Boeing. A segunda operação envolve a constituição de joint venture a partir dos negócios do avião de transporte militar KC-390 em novos mercados. De acordo com o que foi apresentado, a Embraer manterá o controle, mas a Boeing terá 49% desta operação. No entanto, não foi esclarecido se a mesma será restrita às atividades de venda e pós-venda, ou se também envolverá as atividades de engenharia e produção da aeronave no Brasil, ou mesmo no exterior. Também não foi definido como ser a a divisão do controle entre a Embraer e a Boeing nesta nova empresa. Cabe esclarecer que esta nova aeronave representa o principal produto da área de defesa da Embraer, com boas perspectivas de venda no mercado internacional. Em suma, o principal negócio da Embraer (aviação comercial) se tornará uma subsidiária da Boeing e o principal produto da área de defesa terá a Boeing como sócia."
CARTA CAPITAL: "A aquisição da área de negócios de aviação comercial da Embraer pela Boeing era inexorável? Por quê?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "Este é o principal argumento dos que defendem a venda dos negócios da aviação comercial da Embraer para a Boeing. Segundo eles, não há alternativas, ou esta operação é prontamente realizada ou a Embraer não terá condições de competir e deixará de existir num prazo relativamente curto. A partir desta hipótese, qualquer parceria com a Boeing seria melhor do que nenhuma parceria. No entanto, está hipótese não se sustenta. Atualmente, a Embraer é a terceira maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo, dominando o segmento de jatos menores de 150 assentos. Dada essa posição de liderança, a Embraer provavelmente sofreria perdas marginais de mercado em razão da entrada em operação da nova família de jatos da Airbus-Bombardier, mas indica que perderia as condições de continuar disputando a liderança desse segmento de mercado, pelo menos nesta década. Nesse prazo, relativamente longo, a Embraer muito provavelmente teria condições de se capacitar, sozinha ou através de parcerias, para construir uma nova geração de aeronaves comerciais na próxima década."
CARTA CAPITAL: "A justificativa da venda do negócio de aviação comercial da Embraer à Boeing como necessária a ampliação da escala empresarial é aceitável e suficiente? Por quê?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "Aqui se apresenta a maior das contradições relacionadas à operação Boeing-Embraer, pois parte de uma constatação verdadeira, qual seja, de que a escala é um elemento fundamental dentro do padrão de concorrência da indústria aeronáutica. Dessa maneira, a operação atende aos interesses da companhia estaduense em ampliar suas escalas, pois ela passa a incorporar os negócios da Embraer, que é, vale a pena repetir, a líder mundial do segmento de aeronaves comerciais com menos de 150 assentos. Contudo, pelo lado da Embraer temos exatamente o oposto, um desmonte da empresa, que perde sua principal unidade de negócios. Haverá uma perda de escala, a Embraer provavelmente deixará de ser uma empresa de cerca de 6 bilhões de dólares de faturamento anual, média aproximada nos últimos anos, para se tornar, grosso modo, uma empresa de menos de 3 bilhões, abaixo da metade do que é atualmente. Além disso, é fundamental esclarecer que a empresa brasileira vai perder a sinergia que existe entre as suas diferentes áreas de negócios. Ao contrário do veiculado, tal operação de desmonte resultará na diminuição da competitividade da companhia e isso já está sendo precificado pelo mercado. Por exemplo, após a aprovação da operação pelo governo brasileiro, a agência de classificação de risco S&P Global Rating colocou o rating da Embraer em observação negativa, pois, segundo a própria S&P, a Embraer terá menor escala e maior concentração de clientes na divisão de defesa."
CARTA CAPITAL: "Como vê o argumento de que a concorrência com a Embraer aumentou com a entrada de novas empresas da China, Rússia e Japão, por isso era necessário vendê-la?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "As indústrias aeronáuticas russa e chinesa já concorreram com a Embraer, mas com aeronaves que são tecnologicamente inferiores e estão voltadas quase que exclusivamente para o atendimento das demandas dos respectivos mercados internos. Apenas a Mitsubishi japonesa pode ser considerada uma nova competidora, mas vem enfrentando uma série de dificuldades e atrasos no desenvolvimento de seu jato comercial, que, por sua vez, vai concorrer apenas na faixa de aviões com até 90 assentos. Há décadas não produz um único avião comercial. Em resumo, as empresas desses três países concorrem marginalmente com a Embraer."
CARTA CAPITAL: "A questão tecnológica é o ponto-chave do qual não há como escapar? Por quê?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "Atualmente, observa-se uma revolução tecnológica em marcha, decorrente de um amplo conjunto de tecnologias disruptivas que estão trazendo grandes impactos sobre a estrutura positiva mundial, particularmente sobre os setores mais intensivos de tecnologia, como é o caso da indústria aeronáutica. Nesse contexto de grandes mudanças estruturais, a Embraer é a única grande empresa brasileira de alta tecnologia que possui uma inserção ativa no mercado internacional. A competência da Embraer esta em integrar um amplo conjunto de tecnologias para desenvolver e produzir aeronaves. Dessa maneira, a Embraer ocupa uma posição ímpar na indústria brasileira. Primeiro, por ser a grande fabricante de aeronaves do País, praticamente se confundindo com a própria indústria aeronáutica brasileira. Segundo, e ainda mais importante, por ser a única grande empresa brasileira que possui elevada competência na integração de sistemas complexos de alta tecnologia. Além disso, cabe ressaltar que a Embraer é a principal empresa estratégica de defesa do Brasil, tendo o domínio de tecnologias sensíveis que são utilizadas em aeronaves, radares, satélites e sistemas de monitoramento."
CARTA CAPITAL: " Os defensores do negócio realizado admitem que realmente a questão tecnológica é importante, mas não havia alternativa. É isso mesmo?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "As estratégias tecnológicas que vinham sendo adotadas pela Embraer seguiam na direção correta e estavam assentadas na significativa ampliação dos gastos em P&D e no estabelecimento de parcerias tecnológicas com outras empresas, particularmente para entrar em novos negócios. Entre as parcerias estratégicas da Embraer, duas merecem destaque. Uma delas é excelente parceria entre a empresa sueca Saab, que permitirá à Embraer ser sócia no projeto e na produção dos sofisticados aviões de caça Gripen NG. A outra parceria refere-se à participação da Embraer no revolucionário projeto do veículo urbano aeronáutico autônomo, Uber Elevate. Esse projeto vinha permitindo a capacitaçãoda empresa brasileira no desenvolvimento e incorporação de um amplo conjunto de tecnologias disruptivas. Ademais, na hipótese de o projeto ser bem-sucedido, a Embraer provavelmente ocuparia uma posição de destaque nesse novo e promissor segmento da indústria aeronáutica. Em contraposição a essas estratégias, que vinham ampliando a competência tecnológica da Embraer, a parceria com a Boeing resultará em uma substantiva perda dessa competência."
CARTA CAPITAL: "As tendências mundiais de aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento em relação à receita líquida das empresas e de concentração das atividades de inovação não seriam uma justificativa para operações como a realizada pela Boeing e a Embraer? Por quê?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "Uma das características da atual revolução tecnológica é o elevado grau de concentração das atividades inovativas em termos de países, setores e empresas. Exatamente por isso, os países que buscam ter algum grau de protagonismo nessa revolução tecnológica estão adotando medidas concretas para proteger e fortalecer suas empresas de alta tecnologia, evitando, principalmente, a desnacionalização. Assim, a operação entre a Boeing e a Embraer vai na direção contrária das políticas que estão sendo adotadas pelos países mais avançados."
CARTA CAPITAL: "A Embraer investiu em atividades inovativas mais do que a média do setor aeroespacial e de defesa e isso permitiu desenvolver a família de jatos comerciais E2, com 300 novas encomendas só na feira de Farnborough, na Inglaterra. Esse investimento contribuiu ainda para o desenvolvimento do cargueiro militar KC-390, líder mundial na categoria. Esses lançamentos associados a investimentos em modernização e automatização da estrutura fabril não colocam a empresa em condições de competir com seus principais concorrentes, lançando por terra, portanto, os argumentos dos defensores da operação com a Boeing?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "Correto. A entrada em operação da nova família de jatos comerciais E2 e dos aviões militares, KC-390 e Gripen NG, associados à ampliação e modernização da estrutura produtiva, colocam a Embraer nao apenas em condições de competir com seus principais concorrentes, mas de ampliar sua escala de faturamento de maneira significativa. Somente os novos aviões militares permitiriam ampliar o faturamento anual da Embraer em pelo menos 1,5 bilhão de dólares ao longo dos próximos dez anos."
CARTA CAPITAL: "Se o investimento na área de aviação civil contribuiu para o desenvolvimento do KC-390, a cisão da companhia em uma empresa encarregada da área civil controlada pela Boeing e outra destinada à aviação militar e sob controle da Embraer não poderia prejudicar futuras evoluções tecnológicas e inovações no segmento de produtos militares?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "Exatamente. O maior risco tecnológico na área de defesa relacionado com a cisão dos negócios da Embraer, pois implicará a divisão da estrutura de engenharia e desenvolvimento, que opera de maneira integrada entre as três áreas, a comercial, a executiva e a de defesa. Dessa forma, há um elevadíssimo risco de perda da capacitação tecnológica da Embraer remanescente, comprometendo o desenvolvimento de futuras tecnologias e produtos, particularmente aeronaves, de emprego militar."
CARTA CAPITAL: "Há o risco de a Embraer tornar-se apenas uma parte da atividade produtiva e comercial da Boeing e, cada vez menos, desenvolver as atividades inovativas? Por quê?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "O próprio memorando de entendimento explicita que os negócios de aviação comercial da Embraer, incluindo toda capacidade de desenvolvimento, produção e comercialização dessas aeronaves (pesquisa e desenvolvimento, engenharia, unidades produtivas, estrutura de venda e pós-venda, marketing e inteligência de mercado), serão segregados da estrutura da Embraer e passarão a fazer parte da cadeia de fornecimento e produção da Boeing. Em razão disso, as decisões estratégicas e as atividades indicativas de maior valor agregado deverão estar concentradas na Boeing, enquanto a unidade brasileira estará em uma posição subordinada dentro da cadeia de fornecimento da empresa estaduense, tendendo a se concentrar nas atividades produtivas. Nesse contexto, a capacidade inovativa remanescente na subsidiária brasileira deverá ser cada vez menor e voltada para atender a demandas específicas da matriz."
CARTA CAPITAL: "Quais os riscos associados à geração de empregos no Brasil?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "Pode-se inferir que deverá existir uma significativa diminuição dos empregados relacionados às atividades de desenvolvimento tecnológico. A mudança do centro decisório para a Boeing também deverá impactar negativamente sobre as atividades de comando da companhia, como inteligência de mercado e planejamento estratégico. Em relação à cadeia de fornecedores locais, é provável que apenas as empresas que possuam maiores escalas produtivas e financeiras tenham condições de se manter na cadeia de suprimentos que será comandada pela Boeing."
CARTA CAPITAL: "Qual é o interesse da Boeing em absorver a reconhecida capacidade de engenharia da Embraer?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "A Boeing possui uma elevada competência na área de engenharia particularmente com relação à incorporação de novas tecnologias, como foi o caso do desenvolvimento do Boeing 787, cujas principais estruturas são feitas em compósitos (em geral fibra de carbono combinada com outros materiais como aramida ou fibra de vidro). Apesar disso, apresenta significativas restrições relacionadas ao envelhecimento de sua equipe, dado que os recém-formados mais talentosos preferem as empresas de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) para trabalhar do que a indústria aeronáutica. Por sua vez, a engenharia da Embraer, que conta com mais de 4 mil funcionários, é reconhecida pelo seu elevado dinamismo e criatividade, particularmente no que se refere ao desenvolvimento de novas aeronaves em prazos bastante exíguos. Em razão disso, a incorporação da equipe de engenharia da Embraer pela Boeing é um dos principais motivos, se não o principal motivo, da aquisição da área de negócios da aviação comercial da empresa brasileira."
CARTA CAPITAL: "É possível concluir que a venda da Embraer é um ótimo negócio para a Boeing, mas um retrocesso para a empresa brasileira e o País? Por quê?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "Com certeza. A operação amplia as vantagens competitivas da Boeing, pois permite a entrada da empresa no segmento de jatos comerciais com menos de 150 assentos numa posição de liderança. Além disso, incorpora a reconhecida capacidade de engenharia e a moderna estrutura produtiva da Embraer. Por outro lado, a Embraer tem a perda do seu principal negócio, restando uma empresa com cerca da metade do faturamento, baixa lucratividade e reduzida capacidade tecnológica. O Brasil perde a sua grande empresa de alta tecnologia, que possuía uma inserção ativa no mercado internacional, devendo impactar negativamente no desenvolvimento e novos projetos tecnológicos e na geração de superávits comerciais."
CARTA CAPITAL: "Por que a Bombardier, concorrentes da Embraer, fez uma associação com a Arbus em vez de vender-lhe o seu controle, como fez a Embraer em relação à Boeing?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "O desenvolvimento da família de jatos comerciais C-Séries (atual Airbus 220), objeto da parceria entre a Bombardier e a Airbus, tem um longo histórico de atrasos, cancelamentos e reprojetos que resultaram num grande endividamento da empresa canadense, além de demandar um suporte decisivo de recursos públicos, tanto do governo do Canadá com a província de Quebec. A aeronave entrou em operação em 2016 e um ano depois sofreu uma elevadíssima sobretaxa do governo dos EUA. Apesar dessas condições bastante adversas, em 2017 a Bombardier e o governo de Quebec, que tinha uma participação minoritária nesse negócio, estabeleceram uma joint venture com a europeia Airbus, denominada C Séries Aircraft Limited Partnership (CSALP). No entanto, os canadenses preservaram 49% do capital e mantiveram a participação no controle dessa joint venture. Além disso, ficou estabelecido que a sede da CSALP, a principal linha de montagem e as atividades correlatas permaneceram em Mirabel, na província de Quebec. Isso foi resultado de uma decisão do governo de Quebec em conjunto com a Bombardier, por considerar o projeto C-Séries estratégico para o desenvolvimento tecnológico e para a geração de empregos qualificados."
CARTA CAPITAL: "Ou seja, o acordo da Bombardier com a Airbus é do tipo que a Embraer deverá ter feito com a Boeing?"
Marcos José Barbieri Ferreira: "Exatamente. E note -se que esse programa da Bombardier, ao contrário dos da Embraer, era periférico para a empresa, deficitário, estava com prejuízo, não envolve a área militar e ainda assim eles mantiveram 49% e o governo de Quebec - em situação similar à do governo de São Paulo, estado-sede da Embraer - entrou com participação acionária. Em contraste, o governo de São Paulo nunca disse uma palavra sobre isso, é como se a empresa não operasse no estado. Detalhe:a Embraer é muito mais paulista do que a Bombardier é quebecois, como eles dizem, pois 95% ou mais da sua estrutura está em São Paulo. O governo de Quebec colocou bilhões de dólares no projeto da Bombardier, consciente do peso de seu poder decisório para manter a empresa e os empregos na província."
CONHECIMENTO CEREBRAL ENTREVISTA foi retirado da revista CARTA CAPITAL - Ano XIX - nº 1038. 23 de janeiro de 2019. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista CARTA CAPITAL e à Editora Confiança.
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