ATUALIDADES:
VESTIBULAR E ENEM
A MARÉ DOS DESLOCAMENTOS HUMANOS
Milhares de migrantes em barcos precários no Mediterrâneo e na Baía de Bengala são a face mais visível de um fenômeno global
Imagens comoventes de embarcações precárias e superlotadas, à deriva por dias, no Mar Mediterrâneo, ganharam destaque no noticiário internacional nos últimos meses. Movidos por um desespero que os faz arriscar - e, às vezes, perder - a vida, em meio às águas revoltas, milhares de migrantes tentam chegar ao continente europeu, em busca de uma nova realidade. Ao fluxo mais tradicional de migrantes ilegais que atravessam o Mediterrâneo vindos da África, soma-se hoje uma leva crescente de pessoas que tentam escapar de conflitos na Ásia Central e no Oriente Médio. Os desastres são comuns. Em abril de 2015, um barco com 80 migrantes ilegais naufragou na costa da Grécia, matando pelo menos três pessoas. No mesmo mês, outra embarcação, saída da Líbia, com mais de 850 migrantes de diversas nacionalidades, afundou próximo à Ilha de Lampedusa, na Itália. Apenas 28 sobreviveram. As arriscadas travessias do Mediterrâneo são a face mais visível de um fenômeno que, em maior ou menor grau, envolve o mundo todo: as migrações humanas.
O mediterrâneo não é o único cenário das arriscadas jornadas clandestinas. Estima-se que o Golfo de Bengala esteja pontilhado por embarcações com pelo menos 6 mil pessoas, abandonadas pelos traficantes em mar aberto. Parte desses migrantes são pessoas da minoria étnica rohingya, de Mianmar, que tentam escapar da perseguição em sua terra natal. Seja no Mediterrâneo, seja no índico, mesmo para aqueles que conseguem completar a viagem, o drama está apenas começando. Se forem deportados a seus países de origem, voltarão à pobreza e à discriminação. Se receberem asilo no novo país, estarão sujeitos aos preconceitos dos habitantes locais.
NOVAS ROTAS
Em 2013, o total de migrantes internacionais chegou a 231,5 milhões de pessoas, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). Esse número engloba qualquer pessoa que viva em um país diferente daquele em que nasceu, mesmo que a mudança de endereço tenha ocorrido há décadas. A principal motivação para as migrações é econômica, a busca por melhores condições de vida. Daí que, tradicionalmente, países da União Europeia (UE) e os Estados Unidos (EUA) despertam forte atração. As nações ricas concentram quase 60% dos migrantes internacionais. Em 2012, eles representavam 10% da população desses países, de acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Contudo, a crise econômica global aberta em 2008 desencadeou uma mudança nas rotas migratórias. Atingidos, no início, com mais força pela crise, os países ricos mergulharam em recessão - o que afugentou os imigrantes. De 1990 a 2000, sete dos dez principais destinos de migração eram países desenvolvidos. De 2010 a 2013, a situação se inverteu entre os dez primeiros, sete são países em desenvolvimento.
Por outro lado, destinos antes pouco importantes tornaram-se mais atraentes. Um exemplo são países produtores de petróleo do Golfo Pérsico, como os Emirados Árabes Unidos e o Catar. Com um mercado de trabalho forte no setor da construção civil, esses países têm hoje os estrangeiros como maioria de sua população. O México - antes, um ponto de passagem ma principal rota de migração em direção aos EUA - passou a atrair mais estrangeiros. Entre 2000 e 2010, quase dobrou o número de imigrantes ilegais em território mexicano.
POLÍTICA MIGRATÓRIA
Outro fator que explica as mudanças no fluxo das migrações é político: as decisões adotadas por vários países de fechar cada vez mais severamente as fronteiras à entrada de estrangeiros vindos de nações pobres. A menos que sejam trabalhadores altamente qualificados, as chances de ingresso legal no mercado de trabalho do mundo desenvolvido diminuem progressivamente.
Mas, qualificados ou não, diante dos escassos empregos e recursos sociais, os imigrantes são recebidos, em muitos países, com desconfiança e aversão - xenofobia. Além da concorrência por postos de trabalho, as diferenças culturais ajudam a gerar tensão nos países ricos, onde ganham força os discursos de políticos da extrema direita, no geral com um viés nacionalista. Essa visão xenófoba vem acompanhada de um conteúdo abertamente racista, pela cor da pele ou de preconceito religioso - por exemplo, identificar muçulmanos com o terrorismo. Nas mais recentes eleições do Parlamento Europeu, em 2014, partidos que defendem posições contrárias à imigração registraram expressivas votações.
Questões ligadas política migratória também estão no centro dos debates nos EUA. Eleito para o primeiro mandato presidencial, em 2009, o democrata Barack Obama prometeu regularizar a situação dos imigrantes ilegais naquele país, estimados em 11 milhões.
As medidas impediriam a deportação dos imigrantes que residem pelo menos há cinco anos no país e que têm filhos nascidos ou com residência permanente nos EUA. Esses ilegais também conseguiriam visto de trabalho de três anos, com direito a renovação. As medidas beneficiariam cerca de 5 milhões de pessoas nessa situação. Em novembro de 2014, Obama anunciou um decreto que põe em vigor a reforma migratória aprovada pelo Senado, mas ainda não votada na Câmara dos Deputados, por obstrução da oposição republicana. No entanto, a reforma é contestada na Justiça, e não chegou a entrar em vigor.
A Europa vive uma situação contraditória: apesar das políticas para frear a entrada de imigrantes, as nações europeias mais ricas dependem da mão de obra estrangeira para manter a economia em marcha. Isso acontece porque em muitos desses países a população está se reduzindo. Com a queda sistemática na taxa de natalidade nos países industrializados, o crescimento demográfico dessas populações acontece unicamente pela entrada de imigrantes. Nos países mais pobres, ao contrário, continua ocorrendo o crescimento natural da população (ou seja, com mais nascimentos do que mortes), ainda que num ritmo cada vez menor.
TRAVESSIAS
As barreiras políticas à migração que aumentaram nos últimos anos, acabaram levando a um crescimento da imigração ilegal em diversos pontos do globo. São situações em que pessoas desesperadas arriscam tudo na tentativa de conseguir um futuro melhor, sujeitando-se, inclusive, a redes clandestinas de contrabando de imigrantes. No caso dos que buscam ingressar em solo europeu, os viajantes enfrentam, ainda, obstáculos naturais dificílimos de transpor. Os africanos, por exemplo, cruzam trechos do Saara, partindo de diversos locais, até chegar ao Mar Mediterrâneo. Na travessia, usam pontos de apoio, como o Arquipélago das Canárias, na costa do Marrocos, no Oceano Atlântico, e as ilhas do próprio Mediterrâneo. Na viagem, faltam água e alimentos, e muitas embarcações improvisadas ficam à deriva.
Nos primeiros seis meses do ano, o Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) registra que pelo menos 1.868 pessoas morreram ou desapareceram no Mediterrâneo. O aumento de mortes na região tem sido atribuído ao cancelamento, em novembro de 2014, do Mare Nostrum, um programa de patrulha e resgate gerido pela Itália, com financiamento da UE. O programa também buscava identificar e punir redes de tráfico humano no Mediterrâneo.
Levantamentos mostram que o fluxo de entrada de migrantes ilegais na Europa não para de crescer. De acordo com a Frontex, agência europeia de controle de fronteiras, foram registradas cerca de 280 mil entradas irregulares nos países da UE em 2014. Pelo Mediterrâneo, apenas nos seis primeiros meses de 2015, pelo menos 135 mil pessoas alcançaram a Itália ou a Grécia - o número é cerca de 80% maior que o registrado no primeiro semestre de 2014. Parte desse contingente consegue seguir ilegalmente em direção a outros países do continente. Outra parte fica retida em centros de internação de estrangeiros na Espanha, Itália e Grécia, aguardando resposta a pedidos de asilo, ou uma temida deportação.
CONFLITOS
Entre as centenas de milhões de migrantes no mundo existe um grupo específico, de pessoas desalojadas por guerras ou perseguições políticas ou étnicas. O Acnur calcula que havia no mundo, em 2014, 59,5 milhões de pessoas nessa situação - um número que se seguiu à II Guerra Mundial. Muitos desses migrantes deslocam-se internamente (mudam de região dentro do próprio país em que têm cidadania); outros pedem refúgio ou asilo em países estrangeiros. Asilo e refúgio têm um mesmo objetivo - proteger quem foge de seu país por sofrer algum tipo de ameaça à vida ou à liberdade. O refúgio é direito que consta na Declaração Universal dos Direitos do Homem e de protocolos e convenções da ONU. Os países signatários desses documentos assumem o compromisso de acolher os estrangeiros perseguidos. Já o asilo é uma decisão soberana de cada região.
A Síria, assolada pelos embates que opõem grupos pró e contra o governo de Bashar al-Assad desde 2011, é a maior responsável pelo enorme crescimento no número de refugiados no mundo. São cerca de 4 milhões deles espalhados em 107 países, com destaque para os vizinhos Turquia (1,5 milhão), Líbano (1,1 milhão) e Jordânia (623 mil). A chegada em massa de refugiados é um desafio para a infraestrutura dos países receptores, afetando especialmente aqueles menos populosos, como o Líbano, onde um em cada quatro habitantes é um refugiado sírio ou palestino.
Os palestinos compõem o maior grupo de refugiados, com 5,1 milhões de pessoas. Este é o número total de descendentes dos palestinos que foram obrigados a deixar sua terra natal por causa dos conflitos ligados à criação do Estado de Israel, nos anos 1950. Esse contingente se distribui entre os territórios palestinos da Faixa de Gaza e Cisjordânia, e os países próximos, como Síria, Líbano e Jordânia. Grande parte dos refugiados permanece durante anos, e até décadas, alojada em acampamentos planejados como temporários, enquanto reivindica o retorno aos seus locais de origem, hoje em território do Estado de Israel.
MULTIPLICAÇÃO DOS MUROS
Enquanto no sul da Europa o drama da migração ocorre no mar, nas regiões do interior do continente são os muros que tentam impedir a entrada dos indesejados. É uma situação contraditória: o mundo globalizado se caracteriza pela queda dos limites para a circulação de informações, mercadorias e capitais. Mas a livre movimentação de pessoas é crescentemente bloqueada por barreiras físicas - muros ou cercas, fortemente vigiadas. Um dos muros mais impactantes é o que separa Estados Unidos e México. Construído a partir de 2006, o muro impede a passagem nos trechos secos (sem rios) dos mais de 3 mil quilômetros de fronteira entre os dois países.
Existem outras dezenas de barreiras espalhadas pelo mundo. Para bloquear a entrada ilegal de africanos em Ceuta e Melilla, enclaves pertencentes à Espanha no norte da África, a UE e o Marrocos ampliaram em 2004 as fortificações nas fronteiras entre seus territórios com cercas altas, iluminadas e com sistema de vigilância constante. Apesar disso, cresce o número de migrantes que conseguem passar de um lado para o outro. Em 2013, foram mais de 4,2 mil pessoas, a maioria vinda da África Subsaariana.
A reação dos países que se afirmam "invadidos" pode ser drástica. A Espanha adotou, em 2014, a deportação sumária, com o auxílio de uma força paramilitar - o que contraria normas adotadas pela UE, que permite ao imigrante solicitar asilo e permanecer no país enquanto aguarda a resposta.
A crescente pressão migratória do Oriente Médio e da África levam ao reforço das barreiras terrestres ao leste e ao sul da UE. Em 2012, a Grécia, país bastante afetado pela crise econômica, investiu milhões de euros na construção de um muro de 12 quilômetros de comprimento na divisa com a Turquia, no ponto em que o Rio Evros se distancia da fronteira. A Bulgária adotou medida semelhante para evitar a entrada de migrantes pela fronteira com a Turquia, enquanto a Hungria anunciou um novo muro com a Sérvia.
Há ainda o muro de quase 700 quilômetros entre o Estado de Israel e os territórios palestinos. Construído por Israel na parte da Cisjordânia, o muro separa vilas palestinas dos locais habitados por israelenses, e impede o livre trânsito na região. A população palestina, tem, ainda, a circulação limitada por barreiras de controle do Exército israelense, mesmo na zona supostamente reservada. O muro é alvo de críticas de líderes mundiais, e a Corte Internacional de Justiça de Haia, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) para questões que envolvem disputas entre países, determinou sua demolição em 2004. Mas Israel não abre mão de mantê-lo e ampliá-lo, sob a alegação de que a barreira é fundamental para sua segurança.
Informações retiradas do livro ATUALIDADES: VESTIBULAR + ENEM - 2º Semestre 2015, págs. 134, 135, 136, 137, 138 e 139.
SUGESTÃO PARA LEITURA
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