CIÊNCIA
"PESQUISADORES USAM RADIAÇÃO PARA IMPEDIR REPRODUÇÃO DO AEDES AEGYPTI"
"Uso de raios gama modifica o esperma de mosquitos machos, tornando-os estéreis"
Por: Sumaia Vilela - Agência Brasil
"Até a física nuclear entrou na luta contra o mosquito Aedes aegypti transmissor da dengue, da febre chikungunya e do vírus zika. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) estão usando raios gama - um tipo de radiação eletromagnética capaz de alterar organismos - para tornar os mosquitos machos incapazes de se reproduzir e, assim, controlar a população do inseto em Fernando de Noronha.
O estudo teve início em 2013, motivado pela incidência cada vez maior de casos de dengue no país. A pesquisa é financiada pelo Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde (PPSUS) e pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe).
As pupas - fase de desenvolvimento do mosquito - são irradiadas em larga escala por um equipamento que usa o Cobalto 60 como base. Isso modifica o esperma dos insetos, tornando-os estéreis. Ao acasalar, as fêmeas usam o esperma no processo de postura dos ovos, mas não geram novas larvas do inseto. Como o acasalamento ocorre uma vez ao longo da vida da fêmea do Aedes aegypti, o cruzamento com os machos modificados impede a reprodução.
A primeira etapa da pesquisa definiu a dose mais eficiente de radiação para esterilização, avaliou os efeitos dessa exposição aos raios gama e observou a capacidade do mosquito estéril de competir com os espécimes selvagens. A proporção indicada de soltura na natureza foi de dez machos modificados para cada inseto normal.
Na segunda fase, iniciada recentemente, os pesquisadores foram a campo verificar se os resultados se repetem fora do laboratório. Uma das 15 vilas de Fernando de Noronha, na Praia da Conceição, foi a escolhida para o início das solturas, que ocorrem semanalmente desde dezembro. A cada vez, cerca de 3 mil mosquitos modificados são espalhados na região.
'Em fevereiro, devemos saber se os resultados obtidos em condições simuladas se reproduzem em campo real para então fazer a expansão do projeto para todas as vilas, englobar a ilha como um todo, e, de posse desses resultados, o Ministério da Saúde decide se isso poderá ser aplicado no contexto de outros municípios e estados do Brasil', detalhou a coordenadora do projeto, a pesquisadora da Fiocruz Alice Varjal.
A pesquisa não foi desenvolvida em Fernando de Noronha por acaso. Além de ter base de dados científica ampla para a pesquisa, a região é isolada do continente, o que significa menor interação das espécies presentes no arquipélago com fatores externos, característica que aumenta a precisão dos resultados.
Além disso, na ilha não é permitido qualquer tipo de método artificial de combate ao mosquito, segundo a pesquisadora. 'Fernando de Noronha é uma área de proteção ambiental, onde muito dos métodos, sobretudo de controle químico, não podem ser empregados para que haja impacto sobre espécies não-alvos. Por ser uma tecnologia limpa ambientalmente, que não gera resíduo químico, tóxico, é indicada nesse caso'."
"RADIAÇÃO SEGURA"
"A professora e pesquisadora do Departamento de Energia Nuclear da UFPE, Edvane Borges, garante que a radiação não contamina o mosquito nem prejudica o meio ambiente e a população. 'A radiação, ao interagir com o material biológico, vai provocar os danos, mas o mosquito não fica radioativo. Ele não vai passar nenhum tipo de contaminação radioativa. Inclusive porque quando ele copula com a fêmea ela não vai conseguir se reproduzir. E o mosquito macho não é o que pica, só a fêmea. Mesmo que houvesse alguma modificação genética significativa, não teria como afetar a população', explicou.
Os raios gama já são usados na esterilização de instrumentos médicos, de alimento, em tratamentos como o câncer e na esterilização de outros insetos. No entanto, segundo Edvane Borges, normalmente se usa o raio-x para fazer a esterilização. 'A diferença é que o tempo de exposição é maior. O nosso leva 41 segundos', comparou."
"PARAÍSO TURÍSTICO NO COMBATE AO MOSQUITO"
"Arquipélago cheio de praias deslumbrantes, Fernando de Noronha recebe muitos turistas nacionais e estrangeiros. A população de residentes não chega a 4 mil, mas o número alcança 6 mil durante o dia com os visitantes. Por esse motivo, a região pode funcionar como um centro de distribuição das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.
Este ano, o arquipélago registrou 62 suspeitas de dengue, chikungunya e zika entre turistas e residentes, segundo a coordenadora de Saúde de Fernando de Noronha, Fátima Souza. Desses, apenas dois casos de chikungunya foram confirmados até agora. Mesmo assim, os números preocupam o Poder Público.
Para coordenar as ações de combate ao mosquito na região, foi criado ontem (16), o Comitê Interinstitucional de Combate à Dengue, Chikungunya e Zika Vírus do arquipélago, que será composto por representantes de entidades públicas, dos governos nas três esferas, de empresas privadas da sociedade.
Um dos assuntos a serem debatidos pelo grupo é o acúmulo de lixo em Noronha, que cria ambientes propícios a reprodução do Aedes aegypti. 'A população de Noronha tem muita dificuldade em adquirir alguns objetos. Como tudo que chega aqui é de barco ou avião, a população é muito acumuladora. Guarda tudo o que você possa imaginar: fogão, geladeira, tudo o que pode ter um dia utilidade. E a gente vai trabalhar muito essa questão de lixo sólido em função disso. São eventuais locais de multiplicação do mosquito', disse Fátima Souza."
Matéria retirada do site NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL, 17 de fevereiro de 2016 (Acesso: 19/02/2016)
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