NACIONAL
"JUSTIÇA INCLUI TRABALHO INFANTIL EM CÁLCULO DA APOSENTADORIA"
"Decisão do TRF-4, de Porto Alegre, vale para todo país e provoca polêmica entre especialistas"
Por: William Castanho
Anais Fernandes
"SÃO PAULO O TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), de Porto Alegre, mandou incluir no cálculo da aposentadoria o trabalho na infância. A decisão levanta polêmica entre especialistas em razão do ativismo judicial e da legitimação da exploração de crianças. A medida vale para todo o país.
Na prática, os desembargadores proibiram, em julgamento no dia 9 de abril, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de fixar idade mínima para contagem dos anos de serviço e contribuição. O INSS foi notificado na quarta-feira (18) e ainda cabe recurso.
A relatora do acordão, desembargadora federal Salise Monteiro Sanchotene, afirma que regras editadas para proteger crianças 'não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência'.
Ela afirma que o trabalho infantil se fez presente no Brasil e lembra que, apesar das normas protetivas, crianças são levadas pelos pais a auxiliar no sustento da família nos meios rural e urbano. 'Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários', escreve Sanchotene.
No Brasil, porém, o trabalho só é legalmente reconhecido após os 16 anos de idade. Na condição de aprendiz, é autorizado a partir dos 14. Pela jurisprudência, entram nos cálculos de benefícios previdenciários atividades exercidas depois dos 12 anos."
"Essa conciliação em torno da proibição do trabalho das crianças e do reconhecimento do direito previdenciário leva críticas à decisão.
'Os pais de atores mirins terão incentivo para colocar seus filhos nessa atividade', diz Sérgio Firpo, professor de economia do Insper. 'De um lado, proíbe-se o trabalho infantil. De outro, legitima-se até atividade considerado ilegal, exploração. A decisão é, no mínimo, polêmica'.
Para ele, cabe ao Estado combater essa prática recorrente. 'Se quiser incorporar o direito (de contagem do tempo), tem de tributar o empregador, punir civil e criminalmente. Tem de ir atrás daqueles que empregam ou empregaram crianças', afirma Firpo.
O professor ataca também a decisão do tribunal de dar ganho de causa para o MPF (Ministério Público Federal) - a ação civil pública foi ajuizado em 2013 - sem verificar os impactos financeiros da medida sobre o INSS.
Para o professor de direito do trabalho da FGV/FAESP Jorge Boucinhas, o ativismo judicial ocorre de forma importuna, no acordão, em razão do momento político e econômico atual no Brasil.
'Essa decisão tem um potencial devastador para o Judiciário. Ela joga combustível na discussão sobre o seu limite na construção de políticas públicas', afirma.
De acordo com ele, em outro contexto histórico, a medida teria um impacto explosivo menor. 'Se se tratasse de um caso isolado, a tutela do direito é compatível', diz. 'A crítica é em relação à extensão da decisão nesse momento'.
Boucinhas, contudo, diz que o julgado tem fundamentos válidos e não fere a Constituição.
Ele afirma ainda que, embora o trabalho infantil seja um problema social, o número de beneficiários será restrito. Hoje, a regra de aposentadoria por tempo de contribuição exige 30 anos de serviço de mulheres e 35 de homens, mais a aplicação do fator previdenciário."
"ATIVISMO"
"De acordo com Marcus Orione Gonçalves Correia, professor de seguridade social da USP, a decisão não deve ser taxada de ativismo judicial.
'Não há qualquer ativismo judicial, na medida em que o Supremo sempre trabalhou com a questão a partir de princípios. E um princípio básico: se você tem uma norma de proteção que protege o menor só poderá começar a trabalhar a partir daquela idade, aquele que é protegido não pode ser prejudicado pelo descumprimento da norma de proteção', diz Correia.
Para Renato Follador, consultor previdenciário, o impacto da medida nas contas da Previdência deve ser limitado.
'Quando se amplia o número de pessoas que podem incluir mais anos de trabalho no INSS, óbvio que isso aumenta as despesas e, consequentemente, o déficit. Mas esse será também um universo limitado de pessoas. Não haverá explosão das contas públicas', diz."
Notícia retirada do site FOLHA DE S. PAULO, 23 de abril de 2018 (Acesso: 23/08/2018)
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