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REGRAS BÁSICAS
Manifestantes têm razão ao denunciar abusos da polícia, mas erram ao escamotear itinerário de passeatas e tergiversar sobre vândalos

A volta dos legítimos protestos contra o inescapável aumento das tarifas de ônibus e metrô em diferentes cidades, aos quais se associam as cenas de vandalismo mascarando a truculência policial, impõe que se desfaça uma confusão.

Os manifestantes têm toda a razão ao denunciar o inaceitável abuso das forças de segurança, não somente quando estas lançam mão de violência contra a população que deveriam proteger mas também quando sua ação coíbe o livre exercício de garantias constitucionais - como ocorreu na terça-feira (12), em São Paulo.

Mas a Constituição não se limita a garantir a todos o direito de se reunir "pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização"; o mesmo inciso XVI do artigo 5º estabelece a exigência de "prévio aviso à autoridade competente".

A determinação, descumprida de forma deliberada e reiterada pelo Movimento Passe Livre (MPL), atende a propósitos bastante sensatos. Trata-se de evitar que um ato fruste outro convocado anteriormente para o mesmo local e de possibilitar que as autoridades adotem as providências cabíveis.

Como tem lembrado Alexandre de Moraes, secretário da Segurança Pública de São Paulo, é esse aviso prévio que permite ao poder público reorientar o trânsito e transferir linhas de ônibus para outras vias, a fim de minimizar o transtorno imposto aos demais cidadãos.

Permite, além disso, que o governo planeje a presença policial, dispondo suas tropas em locais estratégicos para a manutenção da ordem pública - algo particularmente importante nos protestos do MPL, dado seu histórico de tolerância com os arruaceiros intitulados "black blocs".

Se Moraes acerta ao cobrar dos manifestantes o respeito a essa exigência constitucional, erra ao esperar que todos acreditem quando diz ter recebido "só elogios à atuação da polícia" na terça-feira.

As forças de segurança fizeram mais que reprimir a ação dos vândalos. Cercando pessoas que se aglomeravam na avenida Paulista e, de modo indiscriminado, disparando bombas de gás lacrimogênio antes mesmo de a passeata começar, impediram a própria realização do protesto - em flagrante afronta à Constituição, portanto.

Já não era pouco, mas o exagero continuou quando a multidão se dispersou. Policiais caçaram como bandidos manifestantes que não se confundiam com os "black blocs" e desferiram golpes de cassetete mesmo contra quem não se predispunham para o confronto.

Em suma, a Polícia Militar, que no mais das vezes oscila entre a omissão diante do quebra-quebra e o abuso de força contra cidadãos, volta a exibir seu despreparo.

O MPL, por sua vez, ao omitir o trajeto das passeatas e fechar os olhos para os mascarados, insiste no tumulto como estratégia de divulgação de suas bandeiras.

Ambos os lados desrespeitaram regras básicas de convivência democrática - e é ocioso discutir quem o fez primeiro.


EDITORIAL retirado do jornal FOLHA DE S. PAULO, 14 de janeiro de 2016.

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