CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA POLÊMICA!


"SIM, O MELHOR É FALAR SOBRE SUICÍDIO"
"O suicídio faz mais vítimas do que todas as guerras, homicídios e conflitos civis somados. Para piorar, nos últimos 15 anos, o número de mortes aumentou 34% no Brasil. Ainda assim, o assunto segue silenciado, escondido e pouco discutido. A solução é abrir a boca"


Por: Pâmela Carbonari e Eduardo Szklarz [texto]
        Raoni Maddalena [foto]
        Tainá Ceccato [desigh]
        Karin Hueki [edição]

"Até você terminar de ler este parágrafo, uma pessoa vai ter se suicidado no mundo. Todos os dias, 32 brasileiros tiram a própria vida. Todos os dias também, mais de 20 mil pessoas cometem suicídio ao redor do planeta. Quase 1 milhão de pessoas se matam por ano, uma a cada 40 segundos - são vítimas que todas as guerras, homicídios e conflitos civis somados. E, para cada morte por suicídio, existem outras 10 ou 20 que já tentaram fazer o mesmo. O Brasil é um país com índices baixos (6 casos por 100 mil habitantes, contra 12 da média mundial), mas vive um momento delicado. Enquanto os índices têm caído na maioria dos países, as taxas brasileiras avançam. Entre 2002 e 2012, o número de casos subiu 34%. Entre adolescentes de 10 a 14 anos, o aumento chegou a 40%, de acordo com o último levantamento do Mapa da Violência.
Talvez você nunca tenha ouvido falar nesses dados desoladores. É porque o suicídio costuma vir acompanhado de um fator que contribui para o seu alastramento: o silêncio. Não é agradável falar sobre quem se matou ou tentou se matar. Ao mesmo tempo, discutir o assunto - e entender os fatores que levam a ele - são as únicas armas que temos contra o suicídio. Por isso, estamos aqui, falando sobre ele."


"EFEITO HANNAH BAKER"

"Oi, é a Hannah, Hannah Baker. Não ajuste seu... o que quer que esteja usando para ouvir isso. Sou eu, ao vivo e em estéreo. Sem promessa de retorno, sem bis e, desta vez, sem entender a pedidos. Pegue um lanche. Acomode-se. Porque vou contar a história da minha vida. Mais especificamente, por que minha vida terminou', diz a protagonista da série 13 Reasons Why. Hannah nasceu no livro Os 13 Porquês, do americano Jay Asher, publicado em 2007, que virou série lançada pela Netflix no final de março. Na história, a menina de 17 anos sofre bullying, ganha o rótulo de 'fácil' na escola, é estuprada e acaba isolada dos colegas. Até que decide se matar, e deixar 13 fitas cassetes explicando os motivos que a levaram a isso. A popularidade da série fez do suicídio um tema obrigatório em escolas e famílias - até porque a incidência entre adolescentes nunca foi tão alta. 'Tenho 35 anos de profissão e observo hoje cada vez mais jovens com depressão', diz o psiquiatra Neury Botega, professor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria na Unicamp. 'Antes atendíamos pessoas com a doença já na casa dos 40. Hoje atendemos adolescentes deprimidos'."



"O Centro de Valorização da Vida, o CVV, principal serviço de apoio psicológico e de prevenção ao suicídio do País, sentiu o efeito imediato da série. Na primeira semana de abril, logo após o lançamento do seriado, a média diária de pedidos de ajuda por e-mail passou de 55 para mais de 300 (um aumento de 445%), muitos mencionado a história de Hannah Baker. 'É positivo ver que, a partir da série, as pessoas estão percebendo que não estão sozinhas, que existe um serviço sigiloso onde elas podem compartilhar suas dores sem serem julgadas', afirma Carlos Correia, voluntário da CVV há 25 anos, que viu o seriado com seus filhos adolescentes.
Nem todos concordaram com Correia, no entanto. O fato de o seriado ter mostrado explicitamente a morte de Hannah foi muito criticado - e é, inclusive, desaconselhado pela OMS. O medo é do 'efeito Wether'. O nome do fenômeno vem do romance Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, cujo protagonista se mata após ser rejeitado pela amada. O tom depressivo do livro, publicado em 1774, provocou uma comoção entre jovens da época, que seguiram o personagem e também se suicidaram. O fenômeno goethiano é comprovado pela ciência: médicos da Universidade de Viena analisaram 98 casos de suicídio de famosos e perceberam que reportagens sensacionalistas, que glamorizavam a morte de celebridades, estimulavam o 'suicídio por imitação'. Em 1962, por exemplo, depois que a imprensa confirmou que Marilyn Monroe havia se matado, o suicídio cresceu 12% nos EUA. 
Na mesma época do lançamento de 13 Reasons Why, outro fenômeno jovem chamou atenção para o tema: o jogo Baleia Azul. No desafio, de origem misteriosa e notificado pela primeira vez na Rússia, um moderador distribui missões mórbidas em um grupo secreto de Facebook - coisas como automutilação, subir no alto de um prédio ou ir a uma estrada de ferro de madrugada. A prova final é acabar com a própria vida. O nome se deve ao comportamento supostamente suicida de baleias que se jogam nas praias, encalham e morrem."



"Ainda há dúvidas se o jogo realmente foi criado na Rússia e se virou mesmo uma febre por lá - mas seus efeitos são bem reais por aqui. No início de abril, uma menina de 16 anos foi encontrada sem vida em uma represa no interior do Mato Grosso, com sinais que remetiam ao Baleia Azul: cortes nos braços e pernas - além de uma lista de tarefas com cronograma e regras do desafio. Ainda não existe um número preciso de vítimas no Brasil, mas os Estados de Goiás, Mato Grosso, Bahia, Minas Gerais e Paraná estão investigando mortes de jovens para descobrir se há ligações com a 'brincadeira'."


"SAÚDE MENTAL É SAÚDE PÚBLICA"

"Por tudo isso dá para entender a relutância geral em falar sobre o assunto. O problema é que é impossível fugir dele. De acordo com um estudo da Unicamp, 17% das pessoas já pensaram seriamente em pôr fim à própria vida: 4,8% elaboraram algum tipo de plano para cometer suicídio e 2,8% tentaram executá-lo. Quando alguém se suicida, é comum que se procure um grande causador da tragédia: falência, perda de parente, um vídeo íntimo que cai na rede. Mas esses fatos, sozinhos, não bastam para explicar a morte. 'Não são eventos dolorosos que fazem alguém se suicidar. É o efeito incendiário sobre uma mente já fragilizada. Isso torna o evento uma tragédia inescapável', diz a psicóloga e suicidóloga Vivian Zicker, membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio."


"Imagine que uma bituca de cigarro acesa caia numa grama verde. Ela vai queimar lentamente até se apagar. Mas, se o cigarro cair em um mato seco, pode provocar um pequeno fogo, que talvez vire um incêndio descomunal. Então: as bitucas são os eventos dolorosas da vida. O mato seco é uma condição mental frágil, como depressão, dor crônica, isolamento. Já a grama verde é uma mente saudável e com fatores de proteção - estar empregado, ter criança em casa, ter um companheiro."



"De fato, entre todos os fatores de risco, o maior previsor de suicídio é a ocorrência de doenças mentais. Segundo a OMS, 90% das pessoas que se suicidaram apresentavam algum desequilíbrio, como depressão, transtorno bipolar, dependência de substâncias e esquizofrenia - e 10% a 15% dos que sofrem de depressão tentam acabar com a vida."



"Ainda assim, a OMS defende que 90% dos suicídios poderiam ser evitados. O desafio é cuidar das doenças mentais como cuidamos das outras doenças. Cerca de 60% das pessoas que se suicidaram nunca se consultaram com um psicólogo ou psiquiatra. Imagine que estranho seria, por exemplo, se seis entre dez pessoas que quebram uma perna simplesmente não fossem a um ortopedista. Doença mental é apenas mais uma doença - e uma pode causar o suicídio. Parece óbvio que o assunto deve ser visto como um problema de saúde público.
'O primeiro passo para a prevenção é falar sobre o suicídio. Ele deveria ser tratado como a aids e o câncer de mama, cujas campanhas de prevenção foram fundamentais para diminuir a incidência das doenças', diz a psicóloga e coordenadora do Instituto Vita Alere, que faz prevenção ao suicídio, Karen Scavacini. Essa é também a visão da OMS. Em 2013, seus membros se comprometeram a desenvolver estratégias para reduzir a incidência de casos em 10% até 2020.
O Japão é um exemplo de sucesso - e que tem índices historicamente altos. Até o fim dos anos 1990, o suicídio era considerado tabu. Não se deveria discuti-lo publicamente. Até que, em 1998, a incidência de casos cresceu mais de 8 mil em um ano e beirou as 33 mil mortes. A partir desse pico, filhos de vítimas foram à imprensa pedir atenção para o assunto, e o governo decidiu desenvolver medidas de saúde públicas no país, que avaliaram fatores psicológicos, culturais e econômicos. Deu certo. Apesar de ainda ser alto, o número de japoneses que se suicidaram ao ano caiu gradativamente. e em 2012 ficou abaixo dos 30 mil pela primeira vez em 14 anos."




"AS NOVÍSSIMAS SOLUÇÕES"

"Na noite do dia 08 de março de 2017, Marcelo*, de 40 anos, iniciou uma transmissão ao vivo em sua página do Facebook dizendo que se mataria em duas horas. Desempregado e prestes a se tornar pai pela quarta vez, essa não era a primeira tentativa do morador da pequena cidade de Caçador, no meio-oeste catarinense, de tirar a própria vida. No entanto, ele não imaginava que seria impedido."




"Um amigo de Marcelo notificou o site que ele corria perigo e deu início ao efeito dominó: funcionários do Facebook nos Estados Unidos rastrearam o endereço pelo IP do computador, interromperam a transmissão e acionaram a polícia americana, que por sua vez alertou a embaixada brasileira. Imediatamente, a Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina foi informada de que um cidadão estava em risco e avisou as autoridades de Caçador. O Corpo de Bombeiros e a polícia civil e militar da cidade conseguiram chegar a tempo. Tudo isso aconteceu em menos de duas horas, na primeira força-tarefa internacional acionada pelo Facebook para evitar que alguém se matasse."


"Desde junho do ano passado, a rede social dispõe desse recurso de segurança em que é possível avisar se algum amigo corre perigo. Se você notar que um conhecido publicou conteúdos com tendência ao suicídio ou mutilação, você pode fazer uma denúncia e a pessoa receberá uma mensagem dizendo que um amigo se preocupou com ela. Na mensagem à pessoa em perigo, o Facebook sugere algumas opções, como conversar com alguém ou fazer contato com o CVV. Para alcançar ainda mais gente, o Face está desenvolvendo também um algoritmo que detecta palavras de risco nos post dos usuários e até nos comentários de amigos. O algoritmo pode disparar o alerta de suicídio mesmo que ninguém faça a denúncia. Em fevereiro, Mark Zuckerberg anunciou que a companhia quer analisar sinais de suicídio também em fotos e vídeos - bullying e assédio são os outros alvos da iniciativa."





"A análise de dados é também a solução proposta por pesquisadores de Harvard e da Universidade do Estado da Flórida. No maior estudo já feito sobre suicídio, os especialistas se debruçaram sobre 356 pesquisas, de 1965 a 2014, que continham registros sobre a saúde de mais de 2 milhões de americanos. Dentro dessa gigantesca amostragem, identificaram mais de 3.200 pessoas que tentaram se matar. E constataram: entre as cinco décadas que separaram os dados mais antigos da pesquisa dos mais novos, não houve melhora na habilidade de médicos e psicólogos de prever o suicídio. Um fato, no mínimo, preocupante."



"A boa-nova está no passo seguinte da pesquisa. A partir dessa imensa base de dados, o time de cientistas desenvolveu uma ferramente de inteligência artificial que conseguiu prever se alguém vai se suicidar nos próximos dois anos com até 80% de exatidão - muito semelhante aos exames de coração que mostram as chances de desenvolver doenças cardíacas. O sistema é capaz de computar doenças mentais, crises financeiras, históricos familiares de suicídio, discriminação, traumas de infância, stress ou abuso de substâncias - e depois botar todos esses dados para interagir entre si. Quanto mais próximo o suicídio estiver, mais certeira é a previsão da máquina - e mais eficiente a prevenção. Uma semana antes de a pessoa tentar se matar, por exemplo, a taxa de acerto sobe para 92% de certeza. 'Se mais pesquisadores se concentrarem nisso, finalmente poderemos ver declínios significativos nas taxas de comportamentos suicidas e, em última análise, mortes por suicídio em escala global', afirmou Jéssica Ribeiro, autora da pesquisa, na divulgação dos resultados. Pode ser uma solução para todas essas pessoas que se vem sem solução na vida. E só será possível se não pararmos de falar sobre o assunto."



A matéria acima foi retirada da revista SUPERINTERESSANTE - Edição 375, págs. 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40 e 41. Junho de 2017. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista SUPERINTERESSANTE e à Editora Abril.


SUGESTÃO

Separamos aqui o trailler oficial de 13 Reasons Why, a série da Netflix baseada no livro Os 13 Porquês, de Jay Asher. As imagens são do YouTube e estão legendadas em português.


Separamos um curto documentário desenvolvido pela Fiocruz sobre o suicídio. As imagens são do YouTube e está em português.


Assista abaixo um pequeno vídeo do canal Você Sabia?, no YouTube, explicando sobre o jogo Baleia Azul. O idioma é o português.


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