MACAÉ EVARISTO DIZ "O RACISMO INCONSTITUCIONAL PRECISA SER COMBATIDO"


"A asfixia financeira ameaça a qualidade do ensino, alerta Macaé Evaristo, secretária de Educação de Minas Gerais"


Por: Carol Scorce

"A crise econômica e as políticas de austeridade fiscal refletem na educação de forma drástica, com uma severa asfixia de recursos no setor. Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação está ameaçado. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2018, Michel Temer vetou o trecho que dava prioridade aos gastos para assegurar o cumprimento das metas. Até o ano passado, apenas 6 dos 30 dispositivos previstos para o período foram alcançados total ou parcialmente. Para agravar o cenário, o governo acaba de vetar a liberação de uma verba extra ao Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) da ordem de 1,5 bilhão de reais, sob justificativa de que a quantia está fora do teto de gastos públicos, aprovado em 2016.
As escolhas políticas impactam diretamente nas redes escolares. 'Quando o governo decide jogar os seus recursos para o capital financeiro, em sacrifício das políticas sociais, faz uma escolha ligada a um projeto de sociedade', lamenta Macaé Maria Evaristo dos Santos, secretária de Educação de Minas Gerais e mestre em Educação pela UFMG."

Carol Scorce (CARTA CAPITAL): "Qual o impacto dos constantes cortes de investimentos públicos em programas educacionais?"
Macaé Evaristo: "Vivemos um momento difícil, de crise inconstitucional e financeira, com impacto estrondoso sobre as políticas sociais e sobre os grupos mais vulneráveis. Os cortes de investimentos acentuam as desigualdades e fragilizam ainda mais a política educacional brasileira, construída tardiamente. Apenas no fim dos anos 1990 universalizamos o Ensino Fundamental com nove anos de duração. Nesse contexto, temos o Plano Nacional de Educação, uma política sistêmica e estratégica para o País no que diz respeito à garantia de direitos, com a projeção de 20 metas que vão da Educação Infantil ao Ensino Superior, ameaçada pela Emenda Constitucional 95, de 2016, que congelou os gastos públicos por duas décadas.
A emenda inviabiliza o cumprimento da meta 20, relacionada ao financiamento da educação básica. As mudanças no regime de partilha da Petrobras também devem diminuir os recursos previstos para a área. Embora muitas defendam que o problema educacional não passa por mais investimentos, e sim maior efetividade nos gastos, o fato é que o Brasil ainda não assegura para todos. É preciso superar o atraso."


Carol Scorce (CARTA CAPITAL): "Nesse contexto, qual o cenário de Minas Gerais?"
Macaé Evaristo: "A tarefa dos municípios é universalizar o acesso à educação infantil para as crianças de 4 e 5 anos e atender, em um intervalo de dez anos, metade da população de zero a 3 anos. Não temos uma rede capaz de suportar essa oferta e, diante dos cortes de recursos, os municípios estão estrangulados. Surgem iniciativas para ampliar a capacidade da rede, mas elas acabam por reduzir o atendimento. Algumas unidades deixam de atender crianças em período integral e passam a fazer o atendimento parcial, em dois turnos. Com isso há um aumento quantitativo do atendimento, mas não de sua qualidade. Hoje vivenciamos o novo Mais Educação, cujo pressuposto é o de que escolas com o Ideb (indicador de qualidade do ensino básico do Brasil) acima de 4 não precisam de turnos integrais. A questão é que esse índice foi alcançado justamente pela oferta de educação integral. Privar as unidades desse atendimento é investir na desigualdade."


Carol Scorce (CARTA CAPITAL): "Uma das medidas do governo para a educação foi a aprovação da Base Comum Curricular no fim do ano passado. O texto levou três anos para ser sancionado e sofreu muitas críticas, como o esvaziamento da questão de gênero."
Macaé Evaristo: "A ideia inicial da Base Nacional, de avançar na perspectiva da redução das desigualdades educacionais, foi transmutada. O currículo é sempre um território de disputa, porque a partir dele se define o projeto de sociedade que se deseja construir. Quando se opta pela democracia, temos um enquadramento. Quando se defende uma postura autoritária, há outro. Houve uma redução da participação social nesse debate.
A interdição de temas parece uma tentativa de desconstruir uma agenda já pactuada com a sociedade. A democracia pressupõe a liberdade de aprender, ensinar e pesquisar. Vivemos sob a ameaça da censura. É um absurdo não tratar das questões de gênero em um país no qual o feminicídio é constante, em que meninas são vítimas de violência doméstica e, muitas vezes, enxergam no espaço escolar um local seguro, para pedir socorro. Outro ponto lamentável é a fragmentação da educação básica, com a dissociação da base curricular do Ensino Médio. A luta por um plano sistêmico para a educação foi quebrada."

Carol Scorce (CARTA CAPITAL): "Outro tema sensível é a evasão escolar, mais expressiva entre as crianças e jovens negros, segundo o IBGE. Como superar esse desafio?"
Macaé Evaristo: "O racismo inconstitucional é tão forte que, na história do Brasil, segregou milhares de crianças e jovens negros do acesso à escolarização ao longo do século XX. Se compararmos a escolarização de jovens brancos e negros, a diferença é gritante. Isso é fruto de uma série de políticas excludentes. Hoje, quando vemos cortes em programas como o Bolsa Família, sabemos quem serão as crianças forçadas ao trabalho infantil, espoliadas do seu direito à educação. Serão as crianças negras, indígenas, da periferia, moradoras do campos ou que têm deficiência."


Carol Scorce (CARTA CAPITAL): "O que pode ser feito?"
Macaé Evaristo: "É necessário tratar as questões raciais no ambiente escolar, fazer políticas afirmativas no ingresso do Ensino Superior, criar políticas de assistência estudantil. Também é fundamental pensar na Educação Infantil. Passei a minha infância inteira sem me reconhecer nos livros, porque o negro era sempre retratado como escravo. No Brasil, o 'embranquecimento' da população tornou-se estratégia de dominação. Com isso, apagaram os negros da história das cidades, bem como a sua participação na indústria, na ciência, nas artes, na tecnologia."


Carol Scorce (CARTA CAPITAL): "Ainda é possível vislumbrar um cenário melhor?"
Macaé Evaristo: "Quando digo que precisamos de mais investimento na educação é porque temos uma dívida enorme. A ideia de uma escola democrática, capaz de reduzir as desigualdades, não se faz descolada de um projeto de sociedade. Quando o governo decide jogar os seus recursos para o capital financeiro, em sacrifício das políticas sociais, faz uma escolha ligada a esse projeto. Esse é o debate. Tenho a esperança de avançarmos em uma perspectiva mais fraterna e igualitária, em que as desigualdades não precisem ser cada vez mais acirradas."

CRÉDITOS DA PÁGINA: André Lessa/ Estadão Conteúdo, Wanezza Soares e Edson Silva/ Folhapres

CONHECIMENTO CEREBRAL ENTREVISTA foi retirado da revista CARTA CAPITAL - Edição 985. 10 de janeiro de 2017. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista CARTA CAPITAL e à Editora Confiança.


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