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"OS ESTILHAÇOS DO CALIFADO"
"THE OBSERVER As potências ocidentais têm dificuldade em lidar com os reféns e os combatentes do Estado Islâmico"


Por: Simon Tisdall

"O colapso do último enclave do Califado Estado Islâmico na Síria tem causado abalos sísmicos em toda a região, modificando os cálculos das grandes potências que competem por vantagem. O triunfalismo em Washington, Moscou e Damasco apresenta risco de obscurecer o custo humano de uma "vitória" que pode rapidamente se mostrar passageira.
A preocupação imediata é o destino de civis, principalmente mulheres e crianças, deslocadas de áreas antes controladas pelo EI, onde muitas foram mantidas contra a vontade. A Comissão Internacional de Resgates, uma organização independente, diz que até 4 mil indivíduos rumam em direção ao campo de refugiados de Al-Hawl, no nordeste da Síria.
"A maioria sofreu quatro anos sob os horrores do EI e agora chega a Al-Hawl extremamente faminta e desidratada. Muitos também sofreram ferimentos que mudam a vida. Há diversos relatos de violência contra mulheres e meninas e de famílias separadas durante a viagem", relata em comunicado a comissão.
Também é de urgente preocupação o que será feito com os jihadistas do EI capturados. Os chamados "combatentes estrangeiros" e seus apoiadores poderão tentar voltar a seus países de origem, deixando a Grã-Bretanha e outros governos com opções incômodas.
Crescem, porém, os temores de que um grande grupo de combatentes sírios do EI possam se deslocar para a província de Idlib, no noroeste da Síria, a última grande área populosa não controlada pelo regime de Bashar al-Assad. Nos últimos dois anos, Idlib foi o último porto seguro para rebeldes em retirada e militantes islâmicos. Também abriga 3 milhões de civis sírios, a metade dos quais está deslocada internamente.
"Distribuir combatentes sírios entre os civis em Idlib significará que a verdade sobre os que eles mataram, sequestraram ou fizeram desaparecer nunca será revelada. Esses combatentes devem ser levados aos tribunais para revelar o que sabem sobre as atrocidades que o EI cometeu", disse Laila Kiki, do grupo de direitos humanos Campanha Síria. "Ainda há um número enorme sem paradeiro conhecido. Segundo a Rede Síria de Direitos Humanos, 8.349 indivíduos foram detidos pelo EI e desapareceram em todos os seus territórios"."


"A transferência de combatentes do EI complicaria os esforços para suprimir a Hayat Tahrir al-Sham, afiliada da Al-Qaeda que hoje controla a maior parte de Idlib. Ativistas disseram que isso poderá dar às forças de Assad, apoiadas por russos e iranianos, uma muita desejada desculpa para lançar uma ofensiva para recuperar a província, potencialmente provocando um êxodo maciço de refugiados para o norte e a Turquia.
O desejo de impedir esse resultado temperou as comemorações em Sochi, quando os principais apoiadores de Assad se reuniram para discutir as consequências da derrota do Califado. Explorando o momento com o apoio do presidente do Irã, Hassan Rouhani, o russo, Vladimir Putin, pediu "medidas concentras... para destruir completamente esse criadouro de terroristas (de Idlib)". Mas o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, bloqueou uma nova operação militar lá, ao menos por enquanto. O foco de Erdogan está em outro lugar, nas fronteiras do nordeste da Síria controladas pelas forças curdas aliadas dos EUA, que ele considera inimigos mortais. A derrota do EI aumentou as chances de uma intervenção militar turca semelhante à invasão de Afrin no ano passado. Erdogan quer criar "zonas de segurança" na Síria para empurrar os curdos e supostamente garantir sua fronteira sul.
Em contraste, Assad, com apoio da Rússia, quer reafirmar a soberania por todo o território sírio, incluindo o deixado pelo EI. Mas Erdogan não se importa muito. O principal motivo pelo qual ele não agiu ainda é Donald Trump. Contrariando o conselho de seus generais e dos aliados na Otan, Trump ordenou que as forças americanas na Síria saiam até a primavera. Quando elas partirem, Erdogan fará seu próximo movimento.
O colapso do EI traz duras implicações para Iraque. O Exército iraquiano, com apoio internacional, expulsou os jihadistas de Mosul e outras cidades em 2017. Mas agora eles estão se reagrupando em áreas sunitas e poderão em breve representar uma perigosa nova ameaça, segundo um relatório do Pentágono publicado no mês passado.
"O EI está se regenerando funções-chave e recuperando mais depressa no Iraque do que na Síria", disse o relatório, salientando a tese para a continuação das operações antiterroristas nos dois países. "À falta de pressão sustentada, o EI poderá ressurgir na Síria em 6 a 12 meses e recuperar território limitado".
Os líderes xiitas no Iraque, enquanto isso, estão alarmados pela sugestão de Trump de que as tropas dos EUA lideradas na Síria poderão ser enviadas para lá, não para impedir uma volta do EI, mas para "manter sob vigilância" o Irã. "Não sobrecarreguem o Iraque com seus próprios problemas... nós vivemos aqui", disse a Trump o presidente iraquiano, Barham Salih. As brigadas Hezbollah do Iraque, pró-Irã, advertiram que o plano poderá tornar "as forças  americanas alvo legítimo para a resistência iraquiana".
A ideia de que o Iraque poderá ser usado como plataforma de lançamento para uma nova guerra dos EUA, desta vez com o Irã, preocupa os políticos democratas em Washington e os governos europeus. Eles preferem manter o foco em combater o terrorismo jihadista e pensar que Trump pode deixar a bola cair. O Irã, enquanto isso, tem peixes maiores para fritar, notadamente confrontar Israel no oeste da Síria e a Arábia Saudita no Iêmen. Teerã teme mais a mudança de regime, a desestabilização e planos de sabotagem encobertos pelos norte-americanos do que teme o EI. "Os americanos têm de sair da Síria", disse neste mês Ali Akbar Velayati, assessor sênior do líder supremo do Irã - e de preferência sair totalmente do Oriente Médio."

A matéria acima foi retirada CARTA CAPITAL - ANO XIX - n° 1043. 27 de fevereiro de 2019. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista CARTA CAPITAL e à Editora Confiança.


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