CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA ALIMENTAÇÃO!



"ORGÂNICOS CONTRA O CÂNCER"
"Novo estudo sugere que alimentos sem resíduos de agrotóxicos reduzem o risco de tumores. Saiba o que dizem os especialistas e como esse achado reflete na sua mesa"




Por: Chloé Pinheiro
         Eduardo Pignata (design)
         Dulla (fotos)
         Ina Ramos (produção)

"No fim de 2018, uma pesquisa com mais de 68 mil pessoas causou um verdadeiro rebuliço ao associar a preferência por alimentos orgânicos a uma menor probabilidade de encarar alguns tipos de câncer. Para a investigação desse elo, os voluntários responderam periodicamente a um questionário, no qual forneceram informações sobre o consumo de 16 itens. Após sete anos, contabilizou-se a incidência da doença da turma. Foi daí que saiu o dado que chacoalhou s comunidade científica: quem priorizava os orgânicos estava mais protegido contra os tumores - o risco de enfrentá-los era 25% menor, segundo cálculo dos autores. Para os linfomas, o número impressionou mais, já que o perigo despencou 73%.
Publicado no periódico Jama Internal Medicine, o resultado merece algumas ponderações. Primeiro, trata-se de um estudo de associação, ou seja, apenas compara dois dados em vez de mostrar uma relação clara de causa e efeito. Outra crítica vem do fato de o levantamento não ter dosado os resíduos dos agrotóxicos presentes no organismo dos participantes - o que poderia trazer à tona uma ligação mais direta ou não. Apesar de justos, esses argumentos não foram o mérito do trabalho. Para focar exclusivamente nos orgânicos e evitar confusões, os cientistas excluíram outros fatores classificamente ligados à doença. "E, mesmo quando controlamos histórico familiar, tabagismo, qualidade da dieta como um todo e nível socioeconômico, não houve alteração significativa nos desfechos", relata a nutricionista e coordenadora do estudo Julia Baudry, da Universidade de Paris, na França.
Mas também não vá esperando milagres. "O câncer é uma doença multifatorial. Portanto, não adianta optar pelo orgânico e tomar refrigerante todos os dias, ser sedentário, fumar, e por aí vai", faz questão de ressaltar Thaís Manfrinato Miola, coordenadora de Nutrição Clínica do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo."



"MAIS LIMPOS OU NUTRITIVOS?"

"Julia reconhece que mais investigações são necessárias para entender e comprovar o vínculo identificado em sua pesquisa. Mas já há diversas hipóteses sendo ventiladas. Uma delas diz que os alimentos orgânicos esbanjaram mais nutrientes do que os convencionais, produzidos com agrotóxicos - isto é, produtos químicos usados no campo como fertilizantes ou para afastar pragas e outras plantas que não são cultivadas. "Mas os estudos sobre isso são controversos. Por isso, ainda não existe consenso sobre o tema", analisa a nutricionista Juliana Geraix, doutora pela Faculdade de Medicina de Botucatu, no interior paulista, e especialista na relação entre alimentação e câncer. "Fatores como o solo onde o produto cresce, quais pesticidas são usados e como os produtos são aplicados influenciam nesse aspecto. Então é simplório demais eleger uma categoria como mais nutritiva", raciocina.
Mas há uma teoria favorável aos orgânicos que goza de mais respaldo entre os experts. Ela defende que, ao privilegiar essa versão do alimento - que também respeita princípios de sustentabilidade -, o indivíduo diminui sua exposição aos tais agrotóxicos. "E alguns desses compostos já foram relacionados com o câncer, porque levam a alterações no DNA e no funcionamento das células capazes de propiciar o aparecimento de tumores", explica Thaís."


"Pois é: se ainda não dá para afirmar que orgânicos previnem câncer, o caminho inverso, que bota os pesticidas no banco dos réus, já está mais consolidado. Diversos agrotóxicos são elencados pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês) como provavelmente carcinogênicos em humanos. Três deles surgem na classificação 2A, a segunda mais robusta em evidências: glisofato, malathion e diazinon, todos em uso atualmente no Brasil. "Mas o registro do produto só é aprovado se a segurança ao consumidor está garantida e a fração de resíduos que podem permanecer nos alimentos é bastante pequena", pondera Andreia Ferraz, gerente de Ciência Regulatória da Associação Nacional de Defesa Vegetal, entidade a favor da utilização de agroquímicos.
Só que os especialistas em saúde não concordam muito com essa afirmação, em especial no caso do glisofato, um dos mais populares por aqui. Não existe limite seguro para a exposição a agentes com potencial para causar câncer. Pelo princípio da precaução, ele deveria ser proibido", afirma Márcia Scarpa, toxicologista do Instituto Nacional de Câncer (Inca). "Sem dúvida os agricultores correm maior risco, porque manipulam diretamente os produtos. Mas existem evidências científicas claras da presença de resíduos dessas substâncias nos alimentos comercializados", completa a especialista. 
"O glisofato bloqueia uma via metabólica que inibe o crescimento da planta. Só que essa via não existe em animais, o que contribui para sua baixa mocidade nos humanos. Se usado de acordo com a bula, ele é seguro para o consumidor", contrapõe o toxilogista Flávio Zambrone, pesquisador do Grupo de Informação e Pesquisa sobre Glisofato (Gipeg). O enrosco: esse emprego correto não corresponderia à realidade. "Há uma banalização do uso do agrotóxico e erros de aplicação. Para piorar, a fiscalização é insuficiente, o que é esperado, porque estamos num país gigante", comenta Mariella Uzeda, agronôma e pesquisadora da Embrapa.
Para embolar a situação, não dá para confirmar quanto agrotóxico consumimos. A única medida oficial de resíduos em alimentos vem do Programa Nacional de Análise de Resíduos de Agrotóxicos da Anvisa. Ocorre que ele não é atualizado desde 2016 e só considera itens in natura. No caso da água, por exemplo, que também sofre contaminação, a situação é preocupante. Uma portaria de 2011 do Ministério da Saúde permite até 500 microgramas por litro (߂g/L) de glisofato no líquido potável, enquanto a Europa o limite é de 0,1 ߂g/L - valor 5 mil vezes mais rígido. "É a legislação obriga a análise somente de algumas substâncias. Várias outras nem sequer são medidas", destaca o médico Ever Moronte, do Observatório dos Agrotóxicos da Universidade Federal do Paraná."


"E COMO FICAM AS COMPRAS?"

"Apesar de o estudo francês não ser conduzido e gerar debates acalorosos, vale, sim, apostar nos orgânicos quando possível. O Inca recomenda privilegiar a categoria como parte do estilo de vida que reduz o risco de câncer. Só não é lara ficar bitolado, afinal é difícil mesmo fugir dos agrotóxicos: eles estão presentes em quase tudo que comemos e bebemos. Para ter ideia, 99% da produção agrícola do país é convencional. Os orgânicos ainda são mais difíceis de achar e, muitas vezes, mais caros - embora dê para encontrar preços melhores fora dos supermercados."


"E que fique claro: mesmo que frutas, verduras e legumes sejam cultivados de forma convencional, os especialistas incentivam sua presença na rotina. É que os benefícios da classe parecem superar a possível ameaça de agrotóxicos. "A última meta-análise [revisão robusta, que avalia estudos já feitos sobre um tema] estima que cerca de 20 mil casos de câncer ao ano poderiam ser evitados aumentando o consumo de vegetais, enquanto dez casos seriam provocados pela ingestão de pesticidas", informa Juliana. A balança pesa positivamente para o que vem da terra, seja orgânico ou não."


A matéria acima foi retirada da revista SAÚDE - Edição 438. Janeiro de 2019. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista SAÚDE e à Editora Abril.


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