DOSSIÊ CÂNCER:
A PREVENÇÃO, A LUTA, A VITÓRIA

Houve um dia em que ter diabetes era uma sentença de morte - ou pelo menos de alguns membros amputados. A pressão alta, a garantia de um ataque cardíaco iminente. Ser portador de HIV, uma verdadeira arma apontada para a cabeça. Hoje, são doenças ainda graves, mas crônicas e controláveis - qualquer um pode conviver com elas e ter qualidade de vida, desde que tomados alguns cuidados.
A epidemia assustadora dos nossos tempos de vida longa e farta (inclusive de maus hábitos como fumar, beber, comer demais e não se exercitar) é o câncer e suas mais de 100 variações já identificadas. Um assunto que interessa a todos nas próximas postagens, que compreenderão um DOSSIÊ CÂNCER: A PREVENÇÃO, A LUTA, A VITÓRIAVocê lerá e verá que ter câncer não é uma loteria, mas sim uma probabilidade estatística. Esse diagnóstico vai aparecer para metade de nós nos próximos anos.
A cura definitiva da doença em qualquer estágio já foi cravada algumas vezes, e tema de notícias ou assuntos publicados neste blog. Hoje, cientistas de todo o mundo parecem convergir para uma solução menos milagrosa que um elixir mágico, e, por isso, mais plausível: manter o câncer sob controle. As últimas descobertas aplacam a fúria da multiplicação das células cancerosas e garantem uns bons anos a mais de vida, e o principal: com qualidade. Para que o câncer, muito em breve, seja a nova diabetes, metaforicamente, só nos impeça de comer alguns doces, mas não de viver.

TRATAMENTOS:
BATALHA SEM FIM - UM INIMIGO MUTANTE REQUER UMA LUTA EM VÁRIAS FRENTES. OS TRATAMENTOS MODERNOS CONTRA O CÂNCER TÊM POR OBJETIVO DOMAR COM A QUAL PRECISAREMOS CONVIVER


CÂNCER INFANTIL: PARA VIVER UM FINAL FELIZ


Por: Clarissa Barreto

O que você faria se te restasse um dia? E um mês, seis meses, cinco anos? No começo deste ano, um artigo do neurocientista americano Oliver Sacks publicado no New York Times fez o mundo inteiro refletir - mesmo que por poucos minutos em frente ao feed do Facebook - sobre a finitude da vida. Diagnosticado com metástase no fígado de um câncer no olho que considerava curado, Sacks deve ter poucos meses de vida e escreveu um texto cheio de otimismo: "me sinto intensamente vivo, e quero e espero que no tempo que me resta aprofundar minhas amizades, dizer adeus aos que amo, escrever mais, viajar se tiver forças e alcançar novos níveis de entendimento".


Estamos ficando mais velhos e suscetíveis a doenças crônicas - ou seja, cada vez mais teremos de lidar com a ideia da morte não como uma abstração, mas anunciada, por meio de um diagnóstico preciso que nos mostre que nossa doença não tem cura - estima-se que 800 mil pessoas no Brasil conviva com esse tic tac do relógio. E nem sempre receber uma notícia dessas do médico é encarada com o otimismo de Sacks, em especial se ela vier acompanhada de tratamentos cheios de efeitos colaterais como a químio e radioterapia, que causam náuseas, falta de apetite, perda de cabelos, exaustão. É aí que entra uma especialidade que começa a fazer cada vez mais sentido nesse cenário - o cuidados paliativos, que reúnem uma série de áreas da saúde para tornar a vida dos pacientes o mais livre de sofrimento possível.
Não se trata apenas de dar morfina e aplacar a dor. Os cuidados paliativos foram definidos pela Organização Mundial da Saúde em 2002 como uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes e familiares diante de doenças que ameacem a qualidade de vida, controlando sintomas de natureza física, social, emocional e espiritual. O modelo da OMS prevê que os cuidados já comecem no momento do diagnóstico, ao mesmo tempo em que acontece o tratamento da doença. A lista inclui o controle dos sintomas físicos, como dores, náuseas, falta de ar, ferimentos oncológicos. Mas também fazem parte do pacote psicoterapia e apoio espiritual à pessoa do diagnóstico à morte. A família também recebe cuidados: durante a doença, recebe o mesmo apoio até o período de luto.
O cuidado paliativo existe desde a antiguidade. Basta lembrar que os médicos de então pouco tinham a fazer pelos pacientes, a não ser aplacar sintomas. Mas, como especialidade moderna, ele ganhou força com a musa dos paliativistas, a enfermeira, assistente social e médica inglesa Cicely Saunders. Na década de 1960, ela fundou o primeiro serviço dedicado a oferecer o cuidado paliativo integral aos pacientes, o St. Christopher's Hospice, que até hoje é referência nesse tipo de serviço. Os hospices são hospitais de média complexidade voltados para pacientes que precisam de cuidados paliativos. O corpo técnico é multiprofissional e inclui médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas e nutricionistas focados no manejo dos sintomas. É possível ficar internado ou ainda ir até o local para receber cuidados específicos em caso de necessidade.
Além dos hospices, os grandes hospitais também contam com serviços de cuidados paliativos. O Albert Einstein, em São Paulo, oferece o serviço integrado às áreas de oncologia e home care. O Sírio Libanês, também em São Paulo, promove ainda uma especialização para profissionais da saúde interessados na área. "Um terço dos pacientes que precisam de cuidados paliativos são pessoas com câncer avançado. Eles precisam de um atendimento complexo. Aquilo que a medicina faz convencionalmente não serve para esse doente. Uma crise respiratória num câncer avançado é bem diferente da de um doente menos grave, o manejo clínico e psíquico é diferente", diz Maria Goretti Sales Maciel, médica presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos.


CUIDADOS IMEDIATOS

Há estudos que indicam que não só a qualidade, mas a quantidade de vida também aumentou em relação à quem não recebeu esse tipo de tratamento. Um artigo publicado no The New England Journal of Medicine indica que pacientes com câncer de pulmão que receberam cuidados paliativos desde o diagnóstico tiveram menos sintomas de depressão (16%, contra 38% dos demais) e viveram quase de três meses a mais (11,6 meses contra 8,9 meses). Três meses mais de vida sem depressão e com os sintomas aplicados é um bocado nessas circunstâncias - e a verdade é que dificilmente você abriria mão deles, não é mesmo?


CUIDADOS IMEDIATOS

O ideal é que os cuidados comecem logo depois de detectada a doença e a sua extensão, mas não é o que sempre acontece. O problema é que às vezes nem mesmo os médicos querem ou conseguem explicar ao paciente qual a real gravidade do caso - e isso atrasa a utilização dos cuidados paliativos. A oncologia do Hospital Albert Einstein, Ana Paula Garcia Cardoso diz  que muitas vezes a família pede ao médico que não conte ao paciente sobre a gravidade do caso, mas que a prática médica exige que a relação seja a mais transparente possível. "As decisões têm de ser tomadas em conjunto entre médico e paciente, ou caso ele não tenha condições, com a família. Mas devem ser compartilhadas", diz. Um artigo sobre o assunto publicado na revista Nature mostra que os pacientes nem sempre estão bem informados sobre suas reais condições de saúde. Um estudo Instituto Nacional do Câncer, dos EUA, indica que um terço dos pacientes com câncer pesquisados esperava uma sobrevida maior que dois anos e apenas 6% deles ultrapassaram essa marca. Um terço também nem imaginava que os tratamentos que recebiam para um câncer de pulmão não serviam para curar, mas sim ampliar a expectativa de vida. Ou seja, informação é fundamental para que o paciente possa tomar decisões.


Contar para o paciente com câncer que não há uma cura possível pode ser difícil, mas não é mais um dilema. A ordem é ser o mais transparente possível e responder a todas as perguntas que ele fizer. "Passado o susto, eles querem planejar a vida. Há pacientes jovens, que têm filho pequeno, e querem aprender a lidar com a ideia da morte", diz a médica Maria Goretti.
Bem orientados, os pacientes tendem a se preparar melhor para essa fase da vida - e alguns ganham o senso de urgência que os fazem tirar velhos planos do papel. A oncologista do Albert Einstein lembra o caso de um homem jovem que, após o diagnóstico de um câncer incurável, viajou pela América Latina, passou a praticar esportes radicais e escreveu um livro. Nada mal escolher como você quer aproveitar os últimos momentos da sua vida.


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