DOSSIÊ CIÊNCIA FORENSE

NAQUELA MESA TÁ FALTANDO ELE...
A ciência auxilia os familiares em busca dos restos mortais das 241 pessoas desaparecidas nos porões da ditadura militar brasileira 


Por: Thiago Tanji [Reportagem e Edição]
           Otávio Silveira [Ilustração]
           Feu [Design]


INVESTIGAÇÃO

MARCAS DA HISTÓRIA
Centro de Antropologia e Arqueologia Forense foi criado para trazer respostas às violações de direitos humanos cometidas pelo Estado pesquisadores buscam 39 desaparecidos





Dispostos em fileiras, os retratos em preto e branco estão colados em uma das paredes do laboratório do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), localizado em uma rua residencial do bairro paulistano da Vila Mariana. São 39 imagens de homens e mulheres, em sua maioria jovens, que foram presos, torturados e assassinados pelos agentes de repressão da ditadura militar brasileira. Os corpos jamais foram encontrados pelos familiares, mas as análises prévias indicam que há grande possibilidade de que suas ossadas estejam entre os restos mortais da vala clandestina de Perus. Uma das tarefas dos pesquisadores do Caaf é reunir informações dessas pessoas de quando ainda estavam vivas e fazer a organização, limpeza e análise dos esqueletos. Os profissionais também são responsáveis por enviar amostras ao laboratório ICMP, com sedes na Holanda e na Bósnia, que realiza testes de DNA (leia abaixo).
"As vítimas da vala de Perus vêm de uma instituição de repressão do Exército, que é o Doi-Codi [sigla para Departamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna], uma organização comandada pelo Coronel Ustra, militar que estava sob uma cadeia de comando, como a Comissão da Verdade comprovou", lembra o professor Edson Teles, atual coordenador do Caaf. O percurso acadêmico e profissional do pesquisador se confunde com sua própria vida: seus pais eram militares de oposição, foram presos e levados ao Doi-Codi paulistano, onde foram torturados. Com quatro anos de idade, Teles também foi levado pelos agentes e ficou detido junto com a irmã por duas semanas no centro de torturas da ditadura. "Tudo isso formou um percurso, um desejo de revelação dessa história à sociedade", diz.

MEMÓRIA E JUSTIÇA
As políticas adotadas por diferentes países para a reparação de crimes do Estado 

CHILE
Após o final da ditadura do general Augusto Pinochet, em 1990, a Justiça chilena condenou criminalmente militares ligados ao assassinato de opositores. Um Museu da Memória e dos Direitos Humanos foi criado.

ARGENTINA
Em 2010, Jorge Rafael Videla foi julgado por crimes contra a humanidade e condenado à prisão perpétua: O general presidiu o país após um golpe de Estado em 1976. Ele morreu na prisão em 2013, aos 87 anos.

URUGUAI
Em abril deste ano, o governo uruguaio demitiu a cúpula do poder militar após considerar que houve omissão na punição de um ex-oficial que confessou ter desaparecido com o corpo de uma vítima durante a ditadura militar no país (1973-1985).

ÁFRICA DO SUL 
Instaurada pelo presidente Nelson Mandela, a Comissão da Verdade e Reconciliação motivou a indenização de milhares de vítimas do apartheid, o regime de segregação racial que durou de 1948 até 1994.

IUGOSLÁVIA 
A justiça internacional condenou líderes sérvios que comandaram violações de direitos humanos e massacres durante o processo de desintegração da Iugoslávia em diferentes repúblicas, no início dos anos 90.

REVELANDO O PASSADO PELO MUNDO 
Organização que analisou ossadas de brasileiros já identificou mais de 20 mil pessoas desaparecidas em diferentes países 

As guerras civis que marcaram a desintegração da Iugoslávia no início dos anos 1990 fizeram explodir as tensões acumuladas durante décadas no país europeu. Ao final dos conflitos, mais de 40 mil pessoas estavam desaparecidas, vítimas de massacres coletivos. Muitos corpos estavam depositados em valas comuns. Por iniciativa do governo norte-americano, em 1996 foi criado o ICMP (siglas em inglês para Comissão Internacional de Pessoas Desaparecidas), que aplicou em grande escala a análise de DNA para identificação das ossadas. Graças à utilização da técnica, que armazenava informações das amostras de sangue de parentes dos desaparecidos em um computador, 70% dos corpos foram identificados. Desde então, o ICMP estabeleceu parcerias com diferentes países para realizar a identificação de vítimas de desastres naturais e acidentes de grandes proporções, além do esclarecimento de crimes de natureza política.
Criada pelo governo federal brasileiro em 1995, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos firmou parceria com o ICMP para análise das ossadas encontradas na vala clandestina de Perus: foi acordado o envio de 750 ossadas que passarão por testes de DNA e cruzamento das informações com os materiais genéticos cedidos pelos familiares. Até agora, 550 ossadas já foram encontradas pelo Caaf e outras 200 serão entregues até julho deste ano. "O maior desafio é a recuperação bem-sucedida de dados de DNA suficientes de amostras com mais de 40 anos de idade, mas nossa taxa de sucesso a esse respeito é superior a 90%", destaca Kevin Sullivan, porta-voz do ICMP.


DOSSIÊ CIÊNCIA FORENSE foi retirado da revista GALILEU - Edição 334, págs. 38 e 39. Maio de 2019. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista GALILEU e à Editora Globo.


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