CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA POLÊMICA!


"SE FICAR ASSIM, QUEBRA"
"A reforma da Previdência Social é um imperativo financeiro - pois, como está, o país não aguenta - mas é também uma necessidade ética: é inadmissível, hoje, o tratamento tão desigual entre trabalhos privados e servidores públicos"


Por: Bianca Alvarenga e Giuliano Guandalini

"O famoso playboy carioca Jorginho Guinle nasceu em uma das famílias mais ricas do país. Ainda jovem, herdou cerca de 100 milhões de dólares e, entre amigos e desafetos, vangloriava-se de nunca ter trabalhado. Levava uma vida dos sonhos, frequentando as badaladas festas do que antigamente se chamava de jet set internacional. Dizia ter colecionado relacionamentos com algumas das maiores divas de Hollywood de seu tempo, entre elas Rita Hayworth e Marilyn Monroe. Nos seus últimos anos, porém, dependia de favores de amigos, andava de ônibus e filava refeições. Não tinha um tostão. 'Nunca me passou pela cabeça que viveria tanto. Calculei mal e gastei tudo antes da hora', disse Guinle, em uma de suas últimas entrevistas. De fato, ele foi longe para alguém nascido em 1916, quando a expectativa de vida não superava os 40 anos. Morreu em 2004, no quarto do Copacabana Palace, onde morava, aos 88 anos.
O Brasil parece sofrer da 'síndrome de Jorginho Ginle' - não quanto à sua fortuna, é claro, mas quanto ao seu comportamento perdulário e sua longeva idade. O país custa a aceitar o fato de que terá de poupar mais para assegurar uma velhice digna às gerações futuras. Custa também a compreender a transformação demográfica radical que está em curso. O número de jovens entrou em declínio, reduzindo a quantidade de braços no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, a expectativa de vida está em ascensão, o que significa um número maior de idosos - e de aposentados. Em 1950, as mulheres brasileiras tinham, em média, seis filhos. Hoje, são menos de dois. A expectativa de vida naquela época era de 47 anos. Agora, passa de 70 anos e deverá se aproximar de 80 até 2050. Ou seja: no futuro próximo, um número menor de jovens terá de sustentar uma imensa população de senhores e senhoras. Obviamente, a conta não vai fechar."


"Proporcionalmente ao tamanho da economia, o Brasil, um país de população jovem, gasta com o sistema previdenciário mais do que países com maior número de idosos. Somos o Jorginho Guinle das nações. Mesmo quem tem condições de poupar não toma essa providência básica e parece não perceber que, lá na frente, pode faltar dinheiro para bens essenciais. No Japão, onde 20% da população tem mais de 65 anos, as despesas com previdência equivalem a 8% do PIB. No Brasil, os idosos são 10% da população, e os gastos previdenciários superam 10% do PIB. No futuro, vamos viver de fatores. Problema: haverá amigos bacanas para sustentar o Brasil?
Nos últimos anos, o país fez apenas ajustes paliativos, insuficientes para atacar o desequilíbrio crescente mas contas previdenciárias. Por isso, o déficit cresce a cada ano. O rombo, no ano passado, superou os 300 bilhões de reais, somando-se os déficits dos aposentados do setor público e do privado. Três décadas atrás, essa conta ficava no azul. Por causa dos efeitos demográficos e das regras generosas para a concessão das aposentadorias, sobretudo de servidores públicos, as despesas terão crescimento ainda maior nos próximos anos."



"Sem a aprovação da reforma, esse aumento previsto nas despesas só poderá ser coberto de duas maneiras: com a elevação dos impostos ou da dívida pública. Em ambos os casos, os efeitos provocarão danos nefastos para as perspectivas para as perspectivas de crescimento da economia. Tributos em excesso inibem o consumo e os investimentos, enquanto a elevação da dívida federal impede a queda dos juros pagos pelos títulos federais, com reflexos sobre o custo do dinheiro em toda a economia. Se mantiver o desequilíbrio nas contas previdenciárias, portanto, o país encontrará ainda mais obstáculos para voltar a crescer. Os gastos com os aposentados vão roubar uma parcela cada vez maior dos recursos que deveriam financiar as áreas que aumentam a produtividade do país, que são os investimentos em educação, tecnologia e infraestrutura."



"Países desenvolvidos, de população média mais idosa do que a brasileira, enfrentam essa realidade há algum tempo e por isso vêm reformando seu sistema previdenciário. Nessas mudanças, como é de imaginar, a regra número 1 tem sido a adoção de uma idade mínima para a concessão da aposentadoria, em geral de 65 anos. Estados Unidos e França estão hoje em transição para elevar a idade mínima para 67 anos, sem distinção de gênero. Por aqui, se as novas regras forem aprovadas, a idade mínima será de 65 anos para os homens e de 62 para as mulheres. Isso, obviamente, sem considerar as exceções que já estão sendo negociadas. Para os militares e policiais, o mínimo será de 55 anos. Para professores, 60 anos."



"Dar fim a privilégios e regras específicas é uma tendência entre os países mais avançados - especialmente no que diz respeito aos servidores. No passado, a ideia era oferecer aos funcionários públicos um sistema mais generoso como forma de atrair candidatos mais capacitados para o governo. Esse benefício, entretanto, ficou inviável até para países ricos. Nos Estados Unidos, os sistemas (público e privado) são integrados há mais de três décadas. Fundos de pensão complementam a renda dos servidores aposentados, algo que só recentemente passou a ser feito no Brasil. Entre as 34 nações associadas à Organização para Cooperação e Desenvolvimento econômico (OCDE), apenas três mantêm regimes distintos como o Brasil. 'Não há nenhuma razão, nos dias de hoje, para que as regras sejam diferentes', afirma o economista espanhol Pablo Antolin, da OCDE."



"Mesmo em países onde existe um regime próprio para o funcionamento, como no caso de Alemanha e França, os benefícios ficam bem abaixo dos vencimentos recebidos na ativa. No Brasil, quem entrou no serviço público até 2003 tem o direito de receber, na aposentadoria, a mesma soma que ganhava enquanto trabalhava - em alguns casos, até mais. Quem entrou entre 2004 e 2013 poderá sacar até 80% do salário. Apenas os mais novos, que vão se aposentar daqui a quarenta anos, terão regras similares às do setor privado. São eles os que mais se mobilizam hoje contra a reforma promovida pelo governo. Lutam para manter regalias do passado."



"Como resultado, o custo da previdência dos servidores federais para os cofres públicos é estratosférico, um dos mais elevados do mundo, sem paralelo entre as nações desenvolvidas (veja o quadro abaixo). Esse privilégio do funcionalismo causa uma situação de desigualdade extrema entre os aposentados brasileiros. Um ex-servidor do Legislativo federal recebe, em média, mais de 28 000 reais por mês, e os inativos do Executivo, mais de 7 500 reais. Na iniciativa provada, o teto atual do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) é de 5 531 reais, mas o pagamento médio para os aposentados do regime urbano é menor ainda, de 1 491 reais; para a aposentadoria rural, são apenas 932 reais. Segundo Rogério Nagamine, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apesar de os benefícios com valor acima do teto representarem apenas 3,5% do total, eles sugam mais de 20% de toda a renda das aposentadorias."



"A contribuição do fundamentalismo cobre apenas uma pequena parcela das despesas com aposentadorias e benefícios de seus dependentes. O restante sai dos cofres públicos, ou seja, na antológica definição de Armínio Fraga, 'do meu, do seu, do nosso dinheiro'. Trata-se de um caso evidente de concentração de renda, ainda mais porque o funcionalismo federal recebe salários superiores à média de funções equivalentes na iniciativa privada. Por isso, para que a reforma da Previdência seja justa e não penalize os mais pobres, as atuais discrepâncias deveriam ser eliminadas. Nenhuma dessas questões, entretanto, é discutida pela turma que se opõe sumariamente à reforma. Na pretensa defesa de direitos, os contrários à proposta de ajuste querem a manutenção de privilégios intoleráveis."



"Nas redes sociais, circulam diversos mitos sobre a Previdência - o que obscurece ainda mais a tentativa de debate sério. O maior deles é que não existe déficit na Previdência. É um truque contábil. Para demonstrarem o suposto equilíbrio das contas do sistema, algumas pessoas excluem certas despesas e incluem tributos de outras fontes do governo. No final, não passa de um remanejamento de gastos e receitas. Outra ideia ventilada é que bastaria acabar com a corrupção. Eliminar a corrupção é a um só tempo meta e sonho, mas não é panaceia. Todo o gigantesco desvio ocorrido nos últimos anos, revelado pela Lava-Jato e por outras investigações, foi de 50 bilhões de reais. O rombo previdenciário passa dos 300 bilhões de reais - ao ano."



"Alega-se, ainda, que a reforma vai penalizar os mais pobres, que seriam obrigados a trabalhar por mais tempo. Atualmente, os mais pobres se aposentam por idade, acima dos 60 anos, enquanto as pessoas que têm salários mais elevados conseguem se aposentar por tempo de contribuição - mais cedo, portanto. 'Hoje, o governo federal gasta pouco mais de 40% do Orçamento com Previdência. Não aprovar a reforma significa que, em vinte anos, 100% do Orçamento será tomado por aposentadorias e pensões', alerta José Márcio Camargo, professor de economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
A melhora recente da economia brasileira deve-se, em grande medida, ao encaminhamento das reformas. O risco-país diminuiu, os investidores voltaram, o dólar caiu. Tudo isso contribui para a retomada - e pode ir por água abaixo caso o projeto seja rejeitado ou desfigurado ainda mais. Quanto antes o Brasil enfrentar seus desafios previdenciários, menor será a conta do ajuste. A outra opção, totalmente indesejada, é fazer como Jorginho Guinle e esperar que alguém aceite pagar essa conta no futuro."
(Com reportagem de Giovani Magliano)


A matéria acima foi retirada da revista VEJA - Edição 2528 - Ano 50 - nº 18, págs. 68, 69, 70, 71, 72 e 73. 03 de maio de 2017. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e a Editora Abril.


SUGESTÃO

Separamos um vídeo-aula que explica a proposta da Reforma da Previdência que tem provocado tanta polêmica. As imagens são do YouTube e o idioma é o português.


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