CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA SOCIEDADE!


"A VIDA COMO ELA NÃO DEVERIA SER"
"O sucesso de 13 Reasons Why, a nova série da Netflix, levanta uma questão difícil: o suicídio deve ser exposto, sobretudo o de adolescentes?"


Por: Giulia Vidale
         Natalia Cuminale
         Thais Botelho

"É preciso estar totalmente desligado das redes sociais para nunca ter ouvido falar na série americana 13 Reasons Why, produzida pela Netflix. Nos primeiros minutos do primeiro episódio escancara-se o que virá pela frente. Ouve-se a voz da personagem central, Hannah Baker (a graciosa Katherine Langford), gravada numa fita cassete, peça de tecnologia pré-histórica. 'Sou eu, ao vivo e em estéreo. Sem a promessa de retorno, sem bis e, desta vez, sem atender aos pedidos. Pegue um lanche. Acomode-se. Porque vou contar a história da minha vida. Mais especificamente, por que minha vida terminou'. Não é spoiler, não se trata de revelar o segredo antes mesmo de a trama mal começar. A jovem personagem começa anunciando que tirou a própria vida - e, com isso, a série deflagrou um debate difícil: deve-se tratar um suicídio com tanta abertura, sobretudo entre adolescentes?
13 Reasons Why - Os 13 Porquês, usando o título do livro em português, de Jay Asher, lançado em 2007 e que agora renasce nas listas na categoria infantojuvenil da lista mais vendidos de VEJA - é muito boa. É difícil parar de vê-la. Mantém-se sempre teso o arco do suspense ao encontro do fim trágico. Parece lenta e, no entanto, cresce num ritmo magistralmente bem conduzido, costurado por flash-backs. Hannah Baker, antes de se matar, grava treze fitas cassete, cada uma com uma suposta explicação do que e de quem a levou ao gesto final, a resposta ao bullying que sofreu. Como peça de entretenimento, espera-se que a série faça sucesso, mas o que de fato a tornou um fenômeno de popularidade foi a sinceridade com que ataca um tema tabu, induzível, doloroso: o suicídio entre jovens. Durante a primeira semana de exibição, bateu um recorde. Nunca antes tantas pessoas haviam postado algo a respeito de uma série no Twitter. Foram 3,6 milhões de menções em todo o mundo, em sua maioria escritas por pessoas com menos de 25 anos."


"A série atingiu em cheio o público adolescente, o assunto está nas rodas de jovens do ensino médio e despertou a preocupação dos pais, que não sabem se é bom para os filhos assistir à crueza da morte autoinfligida, se os ajuda a enfrentar um problema dramático de saúde pública ou se é algo que acaba incentivando jovens vulneráveis a tornar o suicídio como exemplo. A favor da exibição: é uma peça de ficção, ainda que evidentemente calcada em nós do cotidiano, e não há terreno mais adequado para discutir questões delicadas, não importa quais sejam, do que as obras de arte ou peças da cultura popular. Diz o psiquiatra Luis Augusto Rohde, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o único brasileiro a participar da elaboração do mais recente Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), considerando a bíblia da psiquiatria: 'A série representa uma boa oportunidade para que os pais discutam com os filhos sobre sua vida em profundidade e os questionem se já passaram por algo semelhante'."


"O coro contra a exibição de 13 Reasons Why, no entanto, é clamoroso, e está ancorado num argumento forte: o sucesso da Netflix bate de frente com as recomendações de especialistas sobre as maneiras mais adequadas para apresentar o suicídio, especialmente na puberdade. Diz Humberto Corrêa, psiquiatra da Universidade Federal de Minas Gerais: '13 Reasons Why é perigosa por romantizar o suicídio e simplificar o assunto ao apontar culpados. Nada do que se refira ao suicídio pode ser simples'. A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem orientações muito claras sobre como mostrar o suicídio nos meios de comunicação de massa. 'Devem ser evitadas descrições detalhadas do método usado no suicídio e de como ele foi obtido', informa o texto. Os jovens enfrentam risco maior do que os adultos quando são expostos ao suicídio, seja na televisão, seja em jornais, seja em revistas, e podem imitar o comportamento suicida."


"O contágio é real, já foi medido e cuidadosamente estudado. Durante muito tempo se imaginou que um circulo maior de conexões, de amizades, seria um freio à intenção de suicídio, mas estudos mais recentes apontam em outra direção. Demostraram que um comportamento suicida pode alimentar outro. Uma estimativa realizada pela psicóloga Julie Cerel, presidente da Associação Americana de Cuidados com o Suicídio, mostra que 135 pessoas são afetadas, em média, com a história de alguém que tenha tirado a própria vida - um terço de forma mais severa. Cerca de 5% das pessoas, vítimas de sofrimento anteriores, acabam por fazer o mesmo. Nos estudos de psiquiatria, esse tipo de comportamento, o da mimetização, é chamado e 'efeito Werther'. A expressão teve origem no romance Os Sofrimentos do Jovem Werther, do alemão Johann Wolfgang von Gorthe (1749-1832), publicado em 1774. O livro conta a história de um jovem que vive uma paixão avassaladora por uma donzela, Charlotte. O amor, que não pode ser correspondido, destrói Werther, levando-o ao suicídio. A obra, extremamente popular entre os jovens daquele tempo, é apontada como fator de estímulo a uma série de suicídios ocorridos na época na Europa Ocidental. Há relatos de que, antes da morte, adolescentes se vestiam como o protagonista e deixavam o livro aberto na passagem culminante. O romance foi então proibido em alguns países e condenado pela Igreja."


"Como não existe no horizonte a possibilidade de que 13 Reasons Why seja censurada como foi de Goethe, é recomendável cautela diante do quebra-cabeça que a série pôs no ar. Não é um assunto comezinho, ao contrário. Albert Camus, em seu clássico O Mito de Sisifo, descreveu a complexidade do ato: 'Existe apenas um único problema filosófico realmente sério - o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena de ser vivida significa responder à questão fundamental da filosofia'. Nos Estados Unidos, o suicídio é a segunda causa de morte de adolescentes entre 15 e 19 anos, atrás apenas de acidentes, com cerca de 1.700 casos a cada ano. No Brasil, são 667 mortes anuais."


"Há mais adultos que se matam - mas o crescimento de fatalidades é maior entre os jovens. Uma das fragilidades do adolescente tem origem em sua fisiologia. Nessa fase da vida, o sistema cerebral ainda não está plenamente maduro, razão pela qual os jovens são mais impulsivos e inconsequentes. Somando-se a imaturidade própria da adolescência com uma predisposição genética e influências ambientais e sociais, o suicídio torna-se um problema de saúde pública. Entre os principais fatores de risco estão o histórico familiar, abuso físico e sexual e, fundamentalmente, distúrbios mentais. Segundo um estudo publicado no ano passado pela revista científica americana Pediatrics, nove em cada dez adolescentes que se mataram tinham alguma doença psiquiátrica."


"Não se deve imaginar, portanto, que 13 Reasons Why seja um gatilho sem anteparo, mas, como nunca se sabe ao certo quem está mais vulnerável, é importante manter atenção e cautela. A discussão em torno da série, que se espalhou nas redes sociais, é indício de que meninas e meninos sabem que se trata de entretenimento, ainda que realista e brutal, e criam travas de segurança. Na semana passada, a reportagem de VEJA colheu depoimentos de dezoito jovens com idade entre 12 e 19 anos a repeito do programa. Disse Maria Eduarda Auricchio, 15 anos: 'Faltou mostrar que você pode ter amigos e uma família para apoiá-lo, e também a importância de procurar um profissional'. Disse Henrique da Silva, 14 anos: 'A série é boa porque quebra muitos tabus'. Para Allec Oliveira, 17 anos, 'ela traz uma crítica social, mostra como a sociedade age e o que acontece diariamente na escola'."


"Zelo, portanto, é o nome do jogo quando se trata de 13 Reasons Why. O criador do pacote para a televisão, Brian Yorkey, foi cuidadoso ao lidar com o drama de Hannah Baker até o epílogo: 'Trabalhamos duro para não ser uma cena gratuita; queríamos que fosse dolorosa de ver, porque pretendíamos ser muito claros: não há nada, de nenhuma maneira, que valha a pena no suicídio'. Em muitos países, e também no Brasil, o lançamento da série foi realizado com amparo de instituições de apoio psicológico e psiquiátrico, justamente para reduzir ao mínimo o risco de contaminação da ideia do suicídio. A Netflix procurou o Centro de Valorização da Vida (CVV) no Brasil solicitando autorização para divulgar o número do serviço (141) no episódio final. Em menos de um mês, desde o anúncio até a estreia de 13 Reasons Why, a quantidade de e-mails com pedidos de ajuda recebidos pelo CVV subiu 445%."


"Ao informar sobre como acessar o CVV, a série tomou uma iniciativa oposta à irresponsabilidade que grassa sem trela nas redes sociais, num vale-tudo insano. Recentemente, uma sequência de suicídios entre jovens foi associado a um jogo denominado Baleia Azul (baleias teriam tendência suicida, encalhando nas praias), supostamente criado na Rússia no ano passado, que coagiria jovens a cumprir metas arriscadas a mando de um 'líder virtual' até terminar no suicídio. A origem do jogo ainda não foi comprovada - e as mortes supostamente ligadas à 'brincadeira' estão debaixo de severa investigação. A banalização do suicídio, com essas e outras histórias mal explicadas, é um dos lados obscuros da condição humana que as redes sociais propagam sem freio.
Sempre que os atores do seriado aparecem e dão entrevistas - na semana passada, foram recebidos como pop stars no Brasil, com frenesi semelhante ao assédio à turma do High School Musical, nos anos 2000 -, eles falam com seriedade do suicídio, separando a ficção da realidade, e apontam o dedo para os traumas que o bullying na escola pode provocar. E, apesar de tudo, apesar da necessária separação entre arte e vida, ressoa a voz de Hannah Baker, fria e calculista, desesperada, de cortar o coração, ao distribuir seus porquês: 'Se há uma coisa que eu ainda tenho é memória. Se eu esquecesse as coisas de vez em quando, todos nós estaríamos um pouco mais felizes'. É tudo invenção, insistia-se, mas incomoda profundamente ao mostrar como a vida não deveria ser."


A matéria acima foi retirada da revista VEJA - Edição 2 527 - Ano 50 - nº 17, págs. 98, 99, 100, 101, 102 e 103. 26 de abril de 2017. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e a Editora Abril.


SUGESTÃO

Abaixo você pode conferir o trailler oficial da série do Netflix 13 Reasons Why, disponibilizado no YouTube e com legenda em português.


A seguir, separamos outro vídeo, desta vez contando mais sobre a série 13 Reasons Why pelo canal do YouTube Pipocando. O idioma é o português.


Neste pequeno vídeo da reportagem sobre o jogo Baleia Azul, comentado na reportagem, que tem atraído milhares de jovens e vem fazendo vítimas fatais, inclusive no Brasil. Entenda um pouco mais sobre ele neste vídeo do YouTube. O idioma é o português.


E para finalizar, separamos um vídeo de prevenção ao suicídio de jovens e crianças. O vídeo está legendado em português, foi publicado pelo canal Educação a Distância STJ, e as imagens são do YouTube.


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