CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA BRASIL!


"FUZILARIA CARIOCA"
"Às vésperas do Carnaval, os tiroteios intensificaram-se e crianças morrem no Rio. Enquanto a bandidagem exibe seu poderio, o governo faz de conta que tem plano"


Por: Luisa Bustamante

"Já virou tradição, daquela que era mil vezes preferível que não existissem. Às vésperas do Carnaval - por excelência, a data de atração de turistas ao Rio de Janeiro (1,5 milhão previstos) -, os bandidos se esmeram em exibir seu poder de fogo e intimidação. Aproveitam a vitrine dos preparativos e o maior movimento nas ruas para mostrar a força, roubar mais e atiçar a guerra de quadrilhas. Neste ano, em que os bandos de marginais agem praticamente impunes sobretudo nas favelas, o Rio chega ao Carnaval vergando sobre uma violência obscena. Nas duas últimas semanas, tiroteios fecharam em diversas ocasiões os maiores corredores de trânsito na cidade e 26 pessoas perderam a vida - duas por dia - em cenas dantescas. Duas eram crianças, Emilly Sofia Neves, de 3 anos, morreu em um carro fuzilado. Jeremias Moraes, de 13, foi abatido jogando futebol.
O padastro e a mãe de Emilly, com ela no banco de trás, deixavam uma lanchonete em Anchieta, na Zona Norte do Rio, na madrugada de terça-feira 6, quando bandidos armados mandaram o veículo parar. Ao volante, com o rádio em alto volume, Uesley Lima, o padrasto, diz que não escutou a ordem e seguiu em frente. Doze disparos depois, o casal sobreviveu com ferimentos leves, mas a pequena Emilly, que chegou a ser socorrida, não resistiu. Na tarde do mesmo dia, a 20 quilômetros de distância, no Complexo da Maré, Jeremias levou uma bala perdida no peito, na pelada com os amigos. Além disso, no sábado, um homem fora executado com quinze tiros, quase todos na cabeça, dentro da ambulância, em frente a um hospital em Realengo, na Zona Oeste."


"Ao longo de duas semanas, tiroteios constantes entre polícia e bandidos, ou entre quadrilhas, fecharam vias importantes. Com as balas zunindo, motoristas abandonavam carros e procuravam abrigo. Na fatídica terça-feira, pararam quase ao mesmo tempo a Avenida Brasil e as linhas Amarela e Vermelha, por onde passam mais de 500 000 veículos por dia. Os congestionamentos chegaram a 70 quilômetros, e a cidade entrou em estágio de atenção. Foi a segunda vez, em menos de dez dias, que a violência carioca bloqueou ruas e avenidas. Na semana anterior, confrontos na Cidade de Deus, tema de filme e série de TV, já haviam levado o caos a uma população cada vez mais estupidamente acuada pela criminalidade. O total de assassinatos registrados no Estado do Rio ficou acima de 5 300 no ano passado. As mortes pelas armas da polícia chegaram 1124, o maior número em uma década. Em 2017, 134 policiais militares foram assassinados enquanto trabalhavam. Roubos: um recorde desde que a contagem anual começou a ser divulgada, em 2003."


"Ex-comandante da Polícia Militar e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o antropólogo Robson Rodrigues credita a explosão do crime ao crescimento do poder bélico da blindagem e à desorganização do estado. 'A reação da polícia não é suficiente para conter, investigar e punir, o que resulta em uma percepção geral de fraqueza. Nesse contexto, as quadrilhas, em disputa de território, ficam mais ousadas', diz. 'Chegamos a um ponto em que bandido usa fuzil até para roubar celular'.
Em plena temporada de confrontos, os governos federal e estadual brandiram como solução um inoperante Plano Integrado de Segurança, com resultados patéticos. Promessa de colaboração para combater o crime no Rio, o documento foi anunciado em julho para entrar em ação 'em breve'. Sete meses depois, Raul Jungmann, agendou o lançamento para a segunda-feira 5. Na terça 6, o governador Luiz Fernando Pezão desmentiu: ainda tivera tempo de ler o documento (também prometeu mais 2 000 policiais nas ruas). Em seguida, foi desmentido por seu secretário de Segurança, Roberto Sá: a ação já estaria em curso, informalmente. A nova apresentação do desintegrado plano está marcado para o dia 26."


A matéria acima foi retirada da revista VEJA - Edição 2569 - Ano 51 - nº 7. 14 de fevereiro de 2018. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e à Editora Abril.


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