DOSSIÊ CÂNCER:
A PREVENÇÃO, A LUTA, A VITÓRIA

Houve um dia em que ter diabetes era uma sentença de morte - ou pelo menos de alguns membros amputados. A pressão alta, a garantia de um ataque cardíaco iminente. Ser portador de HIV, uma verdadeira arma apontada para a cabeça. Hoje, são doenças ainda graves, mas crônicas e controláveis - qualquer um pode conviver com elas e ter qualidade de vida, desde que tomados alguns cuidados.
A epidemia assustadora dos nossos tempos de vida longa e farta (inclusive de maus hábitos como fumar, beber, comer demais e não se exercitar) é o câncer e suas mais de 100 variações já identificadas. Um assunto que interessa a todos nas próximas postagens, que compreenderão um DOSSIÊ CÂNCER: A PREVENÇÃO, A LUTA, A VITÓRIAVocê lerá e verá que ter câncer não é uma loteria, mas sim uma probabilidade estatística. Esse diagnóstico vai aparecer para metade de nós nos próximos anos.
A cura definitiva da doença em qualquer estágio já foi cravada algumas vezes, e tema de notícias ou assuntos publicados neste blog. Hoje, cientistas de todo o mundo parecem convergir para uma solução menos milagrosa que um elixir mágico, e, por isso, mais plausível: manter o câncer sob controle. As últimas descobertas aplacam a fúria da multiplicação das células cancerosas e garantem uns bons anos a mais de vida, e o principal: com qualidade. Para que o câncer, muito em breve, seja a nova diabetes, metaforicamente, só nos impeça de comer alguns doces, mas não de viver.

TRATAMENTOS:
BATALHA SEM FIM - UM INIMIGO MUTANTE REQUER UMA LUTA EM VÁRIAS FRENTES. OS TRATAMENTOS MODERNOS CONTRA O CÂNCER TÊM POR OBJETIVO DOMAR COM A QUAL PRECISAREMOS CONVIVER


PRECISAMOS FALAR SOBRE DINHEIRO


Por: Marcela Donini

A sua saúde, ou de a alguém que você ama, tem preço? Ok, a resposta óbvia é não, mas vamos reformular a pergunta: vale a pena vender sua única casa para dar um mês de sobrevida a um parente com câncer? E se fossem seis meses? Um ano? As perguntas não são à toa. No caso de um paciente com câncer de pele, o gasto mensal com o mais novo tratamento pode chegar a 6 dígitos e superar os R$ 300 mil - e, se ele der sorte, essa conta será paga por muitos meses: é que a boa notícia é que a sobrevida dos pacientes com câncer é cada vez maior.
A má é que os custos para desenvolver novos medicamentos contra o câncer são altíssimos. E a cada nova droga, os benefícios crescem, mas bem pouco. Parte da explicação está na lógica natural do processo. Antigamente, a evolução era maior e mais rápida porque saímos do zero na luta contra o câncer. Agora, tentamos aprimorar nos tratamentos.
Em 1987, os Estados Unidos gastaram US$ 24 bilhões nos cuidados com o câncer. Entre 2001 e 2005, o número dobrou para US$ 48,1 bilhões por ano. No Brasil, de 2008 para 2011, os gastos cresceram 51%, e ultrapassaram os R$ 2,2 bilhões, em 2013, o valor subiu para R$ 2,6 bilhões. Hoje, há estimativas de que, para desenvolver um único medicamento contra o câncer, seja gastos em torno de US$ 1 bilhão. O que encarece a conta, segundo a indústria farmacêutica, são pequenas chances de dar certo. De 10 mil moléculas testadas, com sorte, apenas uma pode ter potencial para tratamento. Depois de pronto, mais um problema: a patente. No Brasil, depois de 20 anos, um medicamento vira de domínio público, ou seja, qualquer laboratório pode replicar. O prazo começa a contar assim que o laboratório que desenvolveu o remédio registra a patente, o que costuma acontecer alguns anos antes do lançamento e testes. Vão aí uns 15 anos em pesquisa, desenvolvimento e testes. Ou seja: os laboratórios têm cinco anos para recuperar aquele US$ 1 bilhão em pesquisa, o que catapulta o preço do medicamento para as alturas.


Muitos desses novos medicamentos são de terapia alvo, ou seja, são moléculas que atacam apenas as cancerígenas, em vez de todas as células do paciente - as saudáveis inclusive - como os remédios tradicionais. Uma evolução, claro, mas o câncer é um sistema tão complexo que bloquear uma célula tumoral não impede que outras voltem a se reproduzir semanas ou meses depois. A tendência desenvolveu é desenvolver drogas que bloqueiem diferentes vias moleculares simultaneamente ou usar vários remédios em combinação, o que levará a tratamentos cada vez mais caros.

QUANTO VALE MAIS UM ANO DE VIDA?

Perguntei lá no começo da reportagem se a saúde tem preço. pois tem. Para a OMS, braço da ONU para a saúde, vale até três vezes o PIB per capita por ano de vida oferecido ao paciente. Para dar um exemplo: se fosse no Brasil, a cada ano de vida que um paciente ganha com determinado tratamento, o teto gasto deveria ser de R$ 33 mil, o equivalente a três vezes o PIB per capita do Brasil. Nos Estados Unidos, o valor fixado pelo governo: US$ 50 mil para cada ano a mais de vida. Assim, um tratamento é considerado custo-efetivo, ou seja, só valeria a pena ser feito financeiramente, se, do início ao fim, custasse este valor. Mas a realidade é que ele sempre extrapola - e ninguém vai deixar o paciente morrer, não é mesmo?

O BOLSO E O CÂNCER

Cerca de 75% da população brasileira depende exclusivamente do SUS; os outros 25% são usuários de planos de saúde. Os dois grupos gastam a mesma coisa. Os custos públicos do Brasil com saúde representam 5% do PIB, somando os gastos suplementares (particular e planos), chegamos a 9% - não precisa ser matemático para ver que a conta não fecha. Os dados se referem à saúde geral, mas podem ser transpostos para o cenário do câncer. Na prática, isso significa que, enquanto os 25% têm acesso a tratamentos mais caros e, portanto, quase sempre mais eficazes, os outros 75% têm que disputar entre eles os valores determinados pelo governo para cada tipo e fase de câncer - e por isso, estatisticamente, morrem mais.


Há duas formas de o governo oferecer medicamentos para o tratamento de câncer. O jeito tradicional é via Apac - a sigla para Autorização de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade. O formato garante o reembolso de clínicas e hospitais com os gastos embutidos aí também equipe médica e estrutura, além dos medicamentos. Isso em tese, já que há medicamentos na lista do SUS que, em 2013, custavam mais do que a previsão da Apac, como o erlotinibe o gefitinibe, indicados para casos de câncer no pulmão. Os valores reais chegam a R$ 2,9 mil e R$ 2,3 mil respectivamente, enquanto a Apac é de R$ 1,1 mil.


Questionado pelo Instituto Oncoguia, o Ministério da Saúde teria respondido que apenas 5% dos pacientes com câncer no pulmão são elegíveis para esses medicamentos e que os outros gastariam R$ 150 com quimioterapia paliativa, sugerindo que o que sobra de uns pode complementar a conta de outros. Porém, segundo os médicos, na prática, nem sempre a conta fecha. O que acaba ocorrendo é que o hospital banca ou limita o tratamento. 'Depois que o paciente está ali na sua frente, você não nega o melhor atendimento possível. O que muitos hospitais fazem é não aceitar mais casos novos', diz o oncologista e auditor em oncologia Leandro Brust.

CÂNCER DE MAMA
O inimigo vem de dentro: os hormônios femininos são os causadores do tumor que mais mata mulheres no Brasil


1 ORGANISMO EM DESCONTROLE
Hormônios estimulam a multiplicação de células - gatilhos para o desenvolvimento de tumores. As mulheres que não estão grávidas nem amamentando são fábricas de hormônios inúteis. Portanto, não ter filhos ou tê-los tardiamente (despertando um mecanismo adormecido) aumenta o risco de câncer.

2 CRESCIMENTO
A mamografia mostra tumores a partir de 2 cm de diâmetro. Até 5 cm, se considera o câncer em estágio inicial, e pode ser retirado com cirurgia. Quando é maior, se busca reduzir o tumor com quimioterapia antes de partir para a operação. O tempo médio de duplicação de uma célula da mama é 90 dias: um tumor leva cerca de 10 anos para atingir 10 cm.

3 LÓBULOS E DUCTOS
Existem dois tipos de tumores de mama. Os lobulares se formam nos lóbulos - as cápsulas onde é produzido o leite materno. O outro tipo, e mais comum, se forma nos doctos que transportam o leite dos lóbulos até os mamilos. O tumor lobular por sua vez é mais difícil de detectar, pois se espalha mais pela parte mais interna da mama.

4 INVASÃO DOS GÂNGLIOS
A tendência dos dois tipos de tumor, ao crescer, é romper o docto ou lóbulo. As células doentes entram nos vasos linfáticos e chegam facilmente às glândulas linfáticas, na região da axila. Se a doença não for descoberta a tempo, atingirá outros órgãos.

A mais recente estratégia é a compra centralizada, como no caso do trastuzumabe e do imatinibe, para o câncer de mama. Como compra em grande escala, o Ministério da Saúde tem mais poder de barganhar os preços. Um bom negócio para os prestadores que pagariam mais caro caso tivessem que adquirir eles próprios, mas com a desvantagem de ter de arcar com os custos adicionais, como equipe médica, estrutura hospitalar etc. A saída para oferecer um tratamento melhor para pacientes do SUS acaba sendo as pesquisas clínicas.

POR QUE NÃO HÁ MAIS GENÉRICOS?

Copiar um medicamento biológico como os usados nas terapias-alvo é tão complexo como reproduzir o champanhe francês na garagem de casa. A dificuldade de fazer cópia não é pela falta da informação da molécula, que se torna pública após a quebra de paciente. O problema é reproduzir o cenário adequado, como questões de armazenamento e deslocamento, que os laboratórios não são obrigados a informar.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, fundador e primeiro diretor-presidente da Anvisa, cita ainda outro motivo para um certo boicote aos genéricos oncológicos. E novamente voltamos à questão da grana. Acompanhe: os médicos reclamam que as consultas via convênio estão muito baratas e os hospitais, que as diárias estão defasadas. Nesse cenário, clínicas negociariam com os laboratórios preços mais baixos e parte dessa diferença iria para o bolso de alguns médicos - o que obviamente é ilegal, mas confirmado como prática de muitos especialistas. No caso de recomendar genéricos, essa margem seria menor. "Isso é impróprio, uma vez que o médico não deve e não pode interferir lucros condicionados por sua prescrição", afirma o oncologista Stephen Stefani, especialista em economia da saúde. Vecina Neto explica que a migração de margem começou em 1994, com o Plano Real. "A indústria, que vive do que produz, a saúde não. E em vez de ganhar por produzir serviços, passou a ganhar vendendo coisas", diz. "É preciso aumentar o valor da consulta".


E aí entramos na briga entre planos de saúde e médicos, planos de saúde e pacientes - que reclamam dos valores das mensalidades e do mau atendimento -, e entre pacientes e médicos, que atendem rapidinho para ganhar em volume o que perdem no valor da consulta. Uma guerra de todos contra todos, como sugerem os médicos Drauzio Varella e Maurício Ceschin no livro A Saúde dos Planos de Saúde (Paralela, 2014).

O CUSTO DA NÃO PREVENÇÃO

Eliminar o fumo, o abuso de álcool, o sedentarismo e a má alimentação poderiam representar a economia de 73% dos gastos globais com casos de câncer relacionados a fatores externos. Considerando que cerca de 12% das folhas de pagamentos são destinados a custos com planos de saúde, muitas empresas já estão alertas. Uma campanha de prevenção direcionada ao público certo, pode ser bem-sucedida para a saúde do paciente e as finanças da empresa. De acordo com Rodrigo Milani, da consultoria em saúde Aon, para cerca de R$ 1 investido em prevenção há retorno de R$ 2 a R$ 3 ao longo de 12 a 24 meses. A economia vem do quanto se deixa de gastar em exames, por exemplo, e do quanto se perderia com a ausência de um funcionário doente. No caso do câncer, é preciso ter em mente que existem duas frentes para se planejar a economia de gastos: a prevenção, por meio das campanhas uma vida saudável e a detecção precoce dos tumores, o que aumenta as chances de cura. A velha máxima ainda vale: prevenir é muito barato do que remediar. 


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