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A seguinte matéria foi escrita por Marcelo Marthe, publicada pela revista Veja em 30 de setembro de 2015. Portanto, todos os direitos autorais pertencem exclusivamente à revista e ao autor, e não devem ser copiados sem a divulgação de seus nomes.
 
"DIVINAMENTE HUMANO"
"Uma alentada biografia reconta a trajetória triunfal de Michelangelo, o artista temperamental e às vezes inseguro que encarna todo o gênio da Renascença"
 
 
 
"Recém-chegado a Roma, em 1505, o italiano Michelangelo Buonarroti foi contratado para fazer aquela que vislumbrava como a obra de sua vida. O jovem que acabara de se consagrar como escultor do Davi recebeu a incumbência de criar o futuro túmulo do papa Júlio II. O projeto consistia no maior conjunto de esculturas desde a Antiguidade. Mas Júlio II, célebre megalômano, mudou de ideia: antes de fazer o túmulo, resolveu reconstruir a Catedral de São Padro. Com o adiamento, Michelangelo recebeu um prêmio de consolação: pintar o teto de uma capela de uso reservado que se encontrava em estado deplorável. O artista reagiu com insolência ao que julgou ser uma realocação ofensiva de seu talento: fugiu para sua Floresça de origem. O incidente recontado pelo historiador inglês Martin Gayford em Michelangelo - Uma Vida Épica (tradução de Donaldson M. Garschagem e Renata Guerra; Cosac Naify; 752 páginas; 129,90 reais) por si só justificaria o subtítulo da biografia do mestre da Renascença. A fuga de Michelangelo quase causaria uma guerra entre Floresça e a Roma dos papas. Só meses depois o artista fez as pazes com Júlio II. A ironia é que o ataque de estrelismo por pouco não alterou o curso da história da arte. Pois o trabalho que ele se recusava a fazer não era, claro, a pintura de uma igrejinha qualquer: falava-se dos afrescos do teto da Capela Sistina, sua obra-prima."
 


"Michelangelo resistiu a pintar a capela não apenas por julgar que seria um projeto menor ou por se sentir ofendido com o tratamento de serviçal. Os relatos reunidos no livro indicam que, na raiz disso, havia uma forte insegurança. O artista, que se considerava um escultor, cortava de forma peremptória quando lhe pediam uma pintura: 'não é minha profissão'. Hoje, é curioso imaginar que o criador de Adão, das sílabas e profetas do teto da Capela Sistina possa ter resistido a seu destino. Iluminar o homem comum, falho e inseguro por trás do artista celebrado é tarefa que a biografia cumpre com criterioso detalhismo."
 

"O autor parte de duas fontes básicas: os relatos sobre a vida de Michelangelo escritos pelos contemporâneos Giorgio Vasari e Ascanio Condivi. Talvez, aliás, Michelangelo tenha sido a primeira celebridade da história a ser tema de duas biografias ainda em vida, uma autorizada e a outra não autorizada e a outra não autorizada: descontente com os escritos de Vasari, que realçavam fatos que ele desprezava, o artista deu total suporte para Condivi fizesse um novo relato. 'Poucos seres humanos, exceto os fundadores de religiões, foram mais estudados e discutidos', resume Gayford.
Ao cruzar informações dos biógrafos originais com relatos de terceiros, documentos e até o inventário de suas roupas, o livro fornece uma imagem complexa do artista dividido entre convicções geniais e hesitações mortais - uma personalidade difícil que se impôs em meio a querelas religiosas, guerras de facções políticas e muitas vaidades (incluindo a do próprio artista). Michelangelo fez fortuna servindo a sete papas e a outros tanto notáveis, como o clã florentino dos Medici. Nem sempre, porém, entregava o que prometia. Sua vida foi um exercício de morde e assopra: ele colocava em banho-maria ou retomava projetos conforme os clientes iam se revezando no poder. Enrolou os descendentes de Júlio II por quarenta anos, até finalmente concluir o túmulo do papa, em versão bem mais tímida que a originalmente planejada.
Para sobreviver, enfim, Michelangelo teve de enfrentar questões que afligem os seres humanos em qualquer tempo. Como no caso de sua resistência a trocar a escultura pela pintura, quem nunca tremeu nas bases ao ser forçado a sair de sua zona de conforto? Em matéria de pressão competitiva, a arte nascentista não diferia tanto do ambiente de busca pela 'alta performance' das corporações modernas. O jovem Michelangelo penou para demonstrar o valor de seu gênio numa Floresça dominada por estrelas veteranas como Leonardo da Vinci. Figurão respeitado, Da Vinci votou por botar o Davi num lugar escondido e recomendou que seu órgão sexual fosse coberto (o pênis de Davi acabou escondido por uma guirlanda dourada). No seu julgamento, a obsessão de Michelangelo por músculos e tendões - depurada na dissecação de cadáveres - resultava em rigidez. Mas Da Vinci também passou a estudar os corpos com interesse. A competição fazia um acuado Michelangelo reagir com agressividade: não perdia a chance de lembrar que o desafeto nunca concluía as obras que prometia."
 

"Mais tarde, quando Michelangelo trabalhava para os papas, a concorrência tornou-se mais insidiosa. Além de genial, Rafael Sânzio era jovem, bonito e aristocrático - o oposto do rabugento e feioso Michelangelo. Imagina-se o que era pintar a Capela Sistina com o rival bem ao lado, ávido por puxar seu tapete. Nesse e em outros casos, Michelangelo teve o acaso como aliado. Rafael morreu aos 37 anos, no auge da fama. Papas que assumiram o trono de São Pedro dispostos a livrar as paredes da Capela Sistina da 'indecência' dos nus de Michelangelo não duraram o suficiente para destruir sua obra.
O corpo humano foi o campo da batalha artística de Michelangelo. Como definiu o pintor futurista Umberto Boccioni (1882 - 1916), essa era sua 'matéria arquitetônica para a construção dos sonhos'. Michelangelo criou corpos feitos, mais irreais; o Davi tem musculatura de homem adulto, mas compleição de menino. Com isso, o artista resgatava a imagem juvenil dos deuses gregos. Sua queda por homens pelados também leva a outra questão para a qual o autor apresentava conclusões bem equilibradas: a vida sexual de Michelangelo. A militância gay costuma ver no artista um herói de sua causa. Mas a verdade é que o conceito de 'vida gay' nem fazia sentido em seu tempo: o sexo entre homens, embora tido como epidêmico em Florença, era pecado grave punido com a morte. Não é possível concluir que o artista tenha tido amantes. Mas poemas e cartas indicam que ele era afeiçoado - ainda que platonicamente - por jovens rapazes como o aristocrata Tommaso de Cavalieri, efebo quase quarenta anos mais novo que conviveu com ele até a morte.
Pouco antes do suspiro final de Michelangelo, aos quase 89 anos, o Concílio de Trento determinou que os nus de uma de suas criações, o Juízo Final, que ocupa uma parede da Capela Sistina, fossem cobertos de sungões. Nem isso, porém, ofuscou as homenagens ao artista. Depois de ser sepultado com pompa em Roma, seu corpo foi roubado pelas autoridades de Florença e ganhou novo funeral com forte comoção popular. Embora fizesse um mês da morte, seu cadáver estaria perfeitamente conservado, como esperava de um santo. 'Michelangelo transformou todas as artes que praticou, mas, de forma mais fundamental, transformou a ideia do que pode ser um artista', diz Gayford, Os corpos que ele pintou e esculpiu ganharam a vida eterna."
 
"GLÓRIA DE CARNE E OSSO"
"As facetas muito humanas que definiram a vida e a obra do renascentista Michelangelo Buonarroti (1475-1564)"
 
O COMPETIDOR
A concorrência feroz com outros artistas foi um dos motores de sua superação criativa. Com o também florentino Leonardo da Vinci, envolveu-se numa disputa célebre sobre qual forma de arte era mais elevada: Michelangelo preferia a escultura, e o rival, a pintura. Da Vinci, aliás, fez pouco até do imponente Davi: dizia que a obra era bela, mas podia ser melhorada.
 
 
O INDECISO
Michelangelo fugiu de Roma ao ser comunicado que, antes de produzir as estátuas da futura tumba do papa Júlio II, deveria pintar o teto da Capela Sistina. Só a muito custo foi convencido a se aventurar na pintura, meio que julgava não dominar tão bem quanto a escultura. Ao ser tirado da zona de conforto, porém, o artista criava sua obra máxima.
 

O MEDÍOCRE
A noção romantizada de que Michelangelo conferia uma graça genial a tudo o que tocava é falsa. O artista não superava as realizações médias de seu tempo quando trabalhava às pressas ou sem motivação. Embora respeitáveis, as imagens que fez para a Catedral de Siena - como um pálido São Pedro - revelaram-se bem aquém de seus melhores trabalhos.
 

O IRASCÍVEL
O espírito indomável de Michelangelo causava temor até nos papas. Diante de desamores como um bloco de mármore defeituoso ou um trabalho empacado, tinha ataques de fúria. A bela Pietá de Florença, de sua fase tardia, foi salva por pouco da destruição - mas conserva as marcas de golpe do artista.
 
 
A matéria acima foi retirada da revista Veja, edição 2 445 - ano 48 - nº 39, págs. 106, 107, 108 e 109. 30 de setembro de 2015. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista Veja e a Editora Abril.
 
 




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