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"EL NIÑO: O MAPA DO ESTRAGO"
"Levantamento da ONG ActionAid, obtido por VEJA, aponta as consequências mais drásticas da passagem do fenômeno climático iniciada em 2015 e que termina em maio"


Por: Raquel Beer

"Quando o sol se põe, a somali Malyuun Ahmed Omer, de 30 anos, tem uma tarefa dolorosa para qualquer mãe: pôr cinco de seus filhos para dormir, sem jantar, com fome. Os outros três tiveram de ser escolhidos para morar com parentes, onde são alimentados. A falta de comida no norte da Somália é consequência da seca que atinge o país desde o ano passado, em mais um efeito negativo das alterações climáticas que se espalharam pelo planeta (veja acima) em razão do fenômeno do El Niño, que só agora perde força - a expectativa é que se encerre a partir do próximo mês. A família de Malyuun não estava acostumada à escassez: a seca destruiu duas colheitas e matou 25 ovelhas de sua fazenda. Infelizmente, não é um caso isolado: há 4,7 milhões de somalis que enfrentam escassez de alimentos em decorrência direta do El Niño. O fenômeno - caracterizado pelo aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial e pelo enfraquecimento dos ventos alísios, que sopram perto da superfície dos mares - bagunçou os padrões climáticos globais. Contudo, foi na África, continente mais vulnerável a esses eventos extremos, que causou maiores estragos.
A ONG ActionAid, presente em 45 países, realizou um levantamento das consequências do El Niño nos territórios africanos, obtido com exclusividade no Brasil por VEJA. No Zimbábue, por exemplo, falta alimento a 2,8 milhões de pessoas (o equivalente à população de Paris) e 33 000 crianças necessitam de tratamento para desnutrição grave. No Malaui, 47% dos menores de 5 anos estão desnutridos e 2,8 milhões de indivíduos precisam de assistência alimentar, em 25 distritos. A ActionAid trabalha justamente para levar carregamentos de comida a esses necessitados (a família de Malyuun Ahmed Omer será uma das 30 000 atendidas na Somália e na Etiópia). O cenário africano sempre foi delicado, mesmo fora da época de El Niño, dada a precária infraestrutura dos países. Os alarmantes números aqui mencionados se referem apenas às nações afetadas diretamente pelas secas ocorridas por efeito das alterações climáticas abruptas que tomaram a Terra desde 2015.
O aporte dado por ONGs como a sul-americana ActionAid é obviamente muito oportuno, mas paliativo. 'Para construirmos resiliência a longo prazo, temos de promover a implementação de técnicas agrícolas modernas, que melhorem a saúde do solo, a capacidade de retenção de água e diversidade de culturas de maior tolerância às secas nas plantações', diz o cientista político Richard Miller, diretor da entidade. 'Para piorar o cenário, as mudanças climáticas, que já vinham causando secas e enchentes severas, somaram-se ao El Niño, tornando-o ainda mais impactante'."


"O fenômeno começou a se formar em março de 2015 e teve seu ápice em dezembro, quando o Pacífico registrou uma temperatura superior em 2,38 graus a sua média histórica - mais alta do que a anotada entre 1997 e 1998, recorde até então. No entanto, não é correto afirmar que a força do Ei Niño atual seja maior que do que a medida naqueles anos. Isso porque o cálculo da intensidade do fenômeno é feito pela média da temperatura do oceano nos três meses em que esteve mais elevada. Quando se aplica essa fórmula, as duas ocorrências empatam.
Apesar de menos trágicas do que na África, houve consequências do El Niño em todo o planeta. No Brasil, o fenômeno trouxe tempestades no Sul e o oposto nas regiões Norte e Nordeste. Nos EUA, o El Niño teve saldo positivo, por trazer, com chuvas, alívio à seca que atingia a Califórnia. Já na Ásia, alguns países da Indochina viram a produção de culturas agrícolas a exemplo do café, cair 10%.
É dificílimo preparar-se para os efeitos do El Niño - em especial pela impossibilidade de prever quando se instaurará a próxima passagem do 'pequeno menino'. Esse evento ocorre em intervalos que variam de dois a sete anos. Costuma-se detectar sua formação poucos meses antes de sua ocorrência, pelo acompanhamento da temperatura das águas do Pacífico. Mas a intensidade - cada vez maior, diante das mudanças climáticas provocadas por ações poluentes do homem - só revelada enquanto o fenômeno transcorre. Pior: se é cedo para preocupar-se com o próximo El Niño, não se pode dizer o mesmo em relação à 'irmã' dele, La Niña. Há 50% de probabilidade de esse fenômeno, caracterizado pelo resfriamento das águas do Pacífico, estabelecer-se ainda neste ano. Seus efeitos são opostos aos do El Niño: onde choveu muito, secará; onde estava árido, haverá tempestades."


A matéria acima foi retirada da revista VEJA - Edição: 2 475 - Ano 49 - nº 17. 27 de abril de 2016. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente á revista VEJA e a Editora Abril.


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