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"OS MÁRTIRES DA CRUZ"
"Minoria em vários países da África, do Oriente Médio e do Sudeste Asiático, os cristãos têm sido as vítimas mais constantes dos crimes de fundo religioso perpetrados por Estados e, principalmente, por radicais islâmicos"



Por: Duda Teixeira

"No auge da Primavera Árabe, em 2011, em uma sala ao lado da Catedral Virgem Maria e São Simão, no Cairo, o padre cristão copta Abuma Potros tentava convencer seu superior de que um dos principais ensinamentos de Jesus Cristo não deveria mais ser enfatizado nas missas. Um cristão, ao ser atacado, não poderia oferecer a outra face, dizia ele. Por aqueles dias, com a queda do ditador Hosni Mubarak, começavam a multiplicar-se casos de destruição de igrejas, desaparecimento de padres e sequestro de meninas cristãs. Preocupado, Potros argumentava que os coptas deveriam deixar de lado a letargia e reagir - pacificamente - aos ataques de muçulmanos. 'Se uma pessoa é agredida por ser cristã, ela deve defender seus direitos, ainda que dentro da lei', disse Potros na reunião, presenciada pela reportagem de VEJA.
Os protestos, que tiveram início na Tunísia meses antes daquele encontro, avançaram para outros países do norte da África e do Oriente Médio, derrubando ou encurralando ditadores. Como consequência, surgiram novos grupos terroristas e brotaram guerras civis, com efeitos ainda mais dramáticos para as comunidades cristãs. De acordo com a organização Portas Abertas, com sede na Holanda, os cristãos são vítimas de 80% dos atos de perseguição com motivação religiosa no mundo, o que inclui espancamentos, extorsões, torturas, prisões, estupros e massacres. A maior parte dessas atrocidades é cometida por muçulmanos radicais e acontece principalmente no Oriente Médio e no norte da África, mas não se restringe a essas regiões. Dois exemplos recentes desse alcance global: os atentados do Estado Islâmico (EI) em Bruxelas, na Bélgica, há duas semanas, e a explosão de um homem-bomba do Talibã em um parque onde famílias cristãs celebravam a Páscoa, em Lahore, no Paquistão, em 27 de março.
Só no ano passado, 7 000 cristãos foram mortos por motivos religiosos. É o maior número desde que se tornou possível fazer essa contagem. Com relação aos primeiros séculos do Império Romano, quando os cristãos eram implacavelmente perseguidos, há poucas informações sobre o total de vítimas. 'Não há como saber ao certo quantas pessoas realmente sofreram tratamento injusto nesse período. Só o que temos são narrativas de perseguição e de martírio', diz o historiador de religiões David Frankfurter, da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. Historicamente, a perseguição ao cristianismo está relacionada às fases de expansão e retração da religião. No século VIII, a fé já havia se espalhado pela Etiópia, Sudão, Iraque, Irã, Afeganistão, Índia, China, Japão e Filipinas. Com o avanço do islamismo, houve um retrocesso. Nas invasões mongóis, os cristãos aliaram-se com os intrusos. Com isso, passaram a ser vistos como traidores e a sofrer constantes massacres. Perto do ano 1500, o cristianismo fora da Europa já tinha diminuído em dois terços. Em vários países do Oriente Médio, da África e da Ásia, seus seguidores tornaram-se minoria e perderam a proteção dos governos nacionais. 'Como o cristianismo é a maior religião do mundo e há fiéis em vários países, eles acabaram sendo mais afetados pelos crimes religiosos', explica o teólogo americano Albert Hickman, do seminário Gordon-Conwell, nos Estados Unidos."


"A atual onda de perseguições acompanhou a radicalização do islamismo depois da Revolução do Irã, em 1979. Desde então, o Irã (da corrente xiita do islamismo) e a Arábia Saudita (da maioria sunita) passaram a competir por influência na região, cada um tentando mostrar-se mais islâmico que o outro e reescrevendo seus livros didáticos com esse fim. Dessa disputa regional e ideológica surgiram unidades policialescas, responsáveis pela repressão religiosa interna, e vários grupos terroristas com atuação internacional. Ainda que persigam qualquer um que considerem infiel, alguns declaram abertamente o desejo de matar todos os cristãos que encontrarem. 'O mais perigoso é a ideia de genocídio completo de cristãos, que alguns líderes têm difundido', diz a advogada Nina Shea, diretora do Centro de Liberdade Religiosa do Instituto Hudson, em Washington."


"Outro fenômeno crescente nesse período foi a aprovação de leis de blasfêmia, que punem pessoas acusadas de ofender o islamismo. Atualmente, catorze países têm leis desse tipo. Em 2009, no Paquistão, a cristã Asia Bibi, mãe de quatro filhos, foi acusada de insultar Maomé durante uma discussão com outras mulheres por um pote de água. Isso bastou para que fosse condenada à morte. Comovido com o caso, o governador do Punjab, Salman Taseer, declarou que a lei da blasfêmia foi distorcida. Como represália, Taseer foi morto pelo próprio guarda-costas, Mumtaz Qadri, que imediatamente se tornou herói nacional pelo empenho em proteger a religião. Em fevereiro, Qadri foi enforcado a mando do governo paquistanês. Na Páscoa, 25 000 pessoas reuniram-se na capital, Islamabad, para protestar contra a execução de Qadri e pedir a morte de Asia Bibi."




"No mesmo dia, ocorreu o atentado do Talibã no parque de Lahore. O ataque visava aos cristãos, mas, ao identificarem os 72 mortos, entre os quais muitas crianças, os funcionários dos hospitais se surpreenderam ao ver que a maioria deles era muçulmana. Por mais que tente direcionar o alvo, o terrorismo tem disso, provoca vítimas aleatoriamente (não que os terroristas estejam preocupados com a questão)."


"Dos nove países em que os cristãos sofrem perseguição extrema, segundo a Portas Abertas, sete são de maioria muçulmana. No topo da lista está a Coreia do Norte, que segue o modelo de repressão dos países que estiveram na órbita soviética, como Cuba, China e Vietnã. No século XX, os governos desses países reprimiram violentamente as religiões, consideradas subversivas. Embora alguns deles tenham liberalizado a economia, ainda restringem a liberdade religiosa. Temem mais a cruz do que o mercado. Os cristãos ainda são perseguidos por Estados, mas é do radicalismo islâmico que eles têm mais a temer."
COM REPORTAGEM DE PAULA PAULI


A matéria acima foi retirada da revista VEJA, edição 2 472 - Ano 49 - nº14, págs. 66, 67, 68 e 69. 06 de abril de 2016. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e a Editora Abril.


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