CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA RELIGIÃO!


"AINDA É POUCO"
"O novo documento do papa Francisco sinaliza uma Igreja mais severa em relação aos crimes sexuais praticados por clérigos, mas o caminho é muito, muito longo"


Por: Adriana Dias Lopes

"Com o cândido título de 'Como uma Mãe Amorosa', o mais recente documento divulgado pelo papa Francisco aperta o cerco contra crimes de pedofilia praticados na Igreja Católica. O texto é muito claro e rígido com bispos que tenham se omitido e acobertado denúncias de abusos sexuais. Eles correm o risco de destituição das dioceses e perda de suas funções. A carta apostólica é o que se convencionou a chamar de motu proprio (do latim, 'de própria iniciativa'), peça escrita diretamente pelos papas e com força para mudar questões legislativas da Igreja.
O pontífice argentino tem dado evidentes sinais de querer fazer de seu tempo no Trono de Pedro uma era de mudanças vitais para a imagem do catolicismo. Em julho de 2014, Francisco proferiu as palavras mais duras e diretas contra os abusos sexuais já saídas da boca de um chefe da Santa Sé."


"Estou profundamente machucado pelos pecados gravíssimos de abusos sexuais cometidos por membros do clero e, humildemente, peço perdão', disse numa homilia. A sinalização de combate às monstruosidades praticadas por prelados contra menores é extraordinária quando se tem em conta o ritmo lento de mudanças de uma instituição de 2 000 anos. Do ponto de vista teológico, a pedofilia é um delito no qual transgride o sexto mandamento, o de 'não pecar contra a castidade'. Por séculos, no entanto, o que se fez foi, no máximo, reportar os crimes ao Vaticano
Algo parece estar se movendo. Até muito recentemente, as penas se resumiam à transferência de diocese.  Bento XVI foi o primeiro a adotar regras mais rigorosas. Em 2010, o pontífice alemão incluiu leigos nos tribunais eclesiásticos que julgariam os casos de abusos e falou pela primeira vez de explosão, o que Francisco agora acelera. A medida de Bento XVI foi surpreendente, porque ele próprio participou de um episódio nebuloso. Entre 1996 e 1998, a Congregação para a Doutrina da Fé, dirigida pelo então cardeal Ratzinger, órgão destinado a investigar e punir os desvios, recebeu inúmeros alertas de bispos dos Estados Unidos em relação aos crimes do padre Lawrence Murphy. O sacerdote abusou sexualmente de 200 meninos surdos no Estado de Wisconsin. O Vaticano pouco fez."


"Ao renunciar, em 2013, Bento XVI deixou evidente que o fazia pela impossibilidade de mexer na podridão da Igreja, manchada pelos abusos e corrupção. Foi um grito de socorro, um modo de iluminar problemas milenares. Ele se sentia abandonado por cardeais, bispos e padres em sua disposição de dar um basta aos recorrentes crimes da Igreja, e o meio que encontrou de reagir foi a renúncia."


"O atual movimento de Francisco é positivo, mas ainda é pouco. As investigações precisam avançar, e as punições de fato ocorrer. Em uma década, todos os anos chegaram ao Vaticano 300 casos de denúncia de abusos sexuais. No entanto, apenas 10% dos criminosos foram punidos com a expulsão da Igreja e outros 10% saíram por iniciativa própria. Muito dificilmente haverá uma mudança drástica sem a cobrança massiva da sociedade. É o que começou a ser feito. No início de 2013, pouco antes do conclave que escolheria o argentino Jorge Bergoglio para o papado, o mundo católico se espantou com a renúncia do cardeal escocês Keith Michael Patrick O'Brien ao direito de participar da escolha. O'Brien fora acusado de assédio sexual em sua diocese, nos anos 1980. O cardeal desistiu de tomar parte na eleição para que as atenções da imprensa não caíssem sobre ele. Em 2014, já no pontificado de Francisco, houve outro momento histórico provocado pela pressão popular: representantes do Vaticano foram sabatinados pelo comitê da Organização das Nações Unidas sobre Direitos da Criança para falar de abusos sexuais de menores."


"Foi sempre delicada a postura das autoridades eclesiásticas em relação aos próprios pecados. Houve um tempo em que os crimes sexuais condenados pela Igreja eram praticados até pelos paras, abertamente. Nenhum deles foi tão grosseiramente pecaminoso quanto Alexandre VI (1492-1503). O pontífice personificou o que há de mais condenável para religião católica. Promoveu e participou de orgias, colecionou amantes e teve filhos, entre eles a libertina Lucrécia Borgia. Os tempos mudaram, sem dúvida. Mas ainda continuam nebulosos, à espera de transparência."


A matéria acima foi retirada da revista VEJA - Edição 2482 - Ano 49 - nº 24, págs. 78, 79 e 80. 15 de junho de 2016. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista VEJA e a Editora Abril.


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