MUNDO ESTRANHO: RETRATO FALADO

MUNDO ESTRANHO: RETRATO FALADO, são histórias que movidas a comportamentos estranhos, despertam curiosidade sobre o fim de seus protagonistas. Por isso, o Conhecimento Cerebral traz em parceria com a revista Mundo Estranho, para que elas também despertem a sua curiosidade. Produzido por Thiago Cordeiro (texto), Rafael Tavares (ilustra), Yasmin Ayumi (design), e Felipe van Deursen (edição). Os direitos autorais pertencem exclusivamente aos autores e ao site da revista.

O MESTRE DAS TORTURAS
Único brasileiro declarado pela Justiça torturador na ditadura, Carlos Brilhante Ustra (1932-2015) ajudou a institucionalizar a prática no Brasil


1: Nascido em Santa Maria, RS, Ustra teve uma carreira militar inicialmente discreta. Pacato, enquanto os colegas oficiais se envolveram ativamente nos bastidores políticos a partir do fim da ditadura de Getúlio Vargas, em 1945, ele não se meteu em conspirações ou casos polêmicos até o endurecimento do regime militar, em 1968.

2: Ustra chamou atenção no Exército com textos em que defendia o trabalho de contrainteligência para impedir que o país virasse uma ditadura socialista. Com o aumento das ações de guerrilheiros, que faziam atentados desde 1966, o regime organizou uma resistência. Ustra, então major, foi um dos selecionados.

3: A resistência começou com o centro de investigações conhecido como Operação Bandeirante (Oban). Criada em São Paulo, em 1969, a Oban torturava dissidentes para obter informações sobre os colegas militantes. A um dos presos, frei Tito, Ustra disse, em 1970: "Você vai conhecer a sucursal do inferno".

4: O sucesso da Oban fez o governo criar o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Com sede nas principais capitais, ele tinha celas de detenção e salas de interrogatório - e de tortura. Ustra comandou o DOI-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974 e era chamado de "doutor Tibiriçá" (não se sabe por quê)

5: O trabalho sujo, como espancamentos, choques e afogamentos, cabia aos gorilas (policiais e militares que demonstravam prazer em agredir os prisioneiros). Envolvido no dia a dia da operação, Ustra cumpria um papel de chefia: instruía os agentes de campo e os torturadores para focarem na caça aos opositores da ditadura militar.

6: Ustra não acompanhava todas as torturas. Aparecia do nada em casos difíceis para fazer os "passeios" que lhe deram fama: abraçava o detento e o levava a uma sala, onde havia um corpo de um militante. "Se você não falar, vai acabar assim", dizia. Ele chegou a espancar uma grávida e, certa vez, levou filhos para ver uma mãe torturada.

7: Um problema era o que fazer com os corpos. No DOI-Codi paulistano, foram 47 corpos oficialmente, mas a Comissão da Verdade, que investigou os abusos da ditadura, calcula que o escritório matou 502 pessoas. Nas décadas de 1990 e 2000, Ustra foi processado várias vezes por ocultar cadáveres, especialmente em valas comuns do cemitério de Perus, na capital paulista.

8: Outra estratégia era o atropelamento forjado: os agentes diziam que o guerrilheiro estava fugindo quando foi atingido. Muitas vezes, nem precisavam atropelar de verdade o corpo da vítima, porque ela já estava machucada demais. Em outras ocasiões, as Kombis e os Fuscas dos agentes eram usados para acertar os cadáveres.

9: Segundo a Comissão da Verdade, ele também utilizou eletrochoque e palmatórias no DOI-Codi. Saiu de lá em 1974 e se tornou instrutor da Escola Nacional de Informações (EsNI), em Brasília, onde escreveu uma cartilha que pregava o uso de "interrogatórios com mais rigor". Também se envolveu com maus-tratos a presos na Fazendinha, centro de tortura secreto em Alagoinhas, BA.

10: Em 1978, Ustra foi destacado para São Leopoldo, RS. Quando o regime militar acabou, virou adido militar  em Montevidéu. Em 1985, durante a visita do presidente José Sarney ao Uruguai, foi reconhecido pela atriz Bete Mendes. Deputada federal na época, ela disse ter sido torturada pelo coronel. Com o escândalo, Ustra foi aposentado.

QUE FIM LEVOU? Em 2008, a Justiça o reconheceu como torturador. Ele faleceu em 2015, aos 83 anos, vítima de uma pneumonia e de falência múltipla dos órgãos.


RETRATO FALADO retirado da revista MUNDO ESTRANHO - edição 182, págs. 6 e 7. Julho de 2016. Todos os direitos autorais reservados exclusivamente à revista MUNDO ESTRANHO e a Editora Abril.

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