CONHECIMENTO CEREBRAL DESTACA SOCIEDADE!


"MORTE NOS CORREDORES"
"O suicídio atingiu o coração da escola como um punhal. Pais, diretores, coordenadores e professores têm de explicar o inexplicável: o desespero de não ter mais esperança entre os adolescentes"


Por: Márcio Scarpellini Vieira

"A epidemia de suicídio na adolescência, que assusta familiares e educadores, é um problema de saúde pública, mas os sinais de alerta podem aparecer na sala de aula.
Ao ver uma notícia de que um adolescente se suicidou, nós, adultos, podemos ser levados a uma pergunta fatídica: 'O que leva alguém, recém-saído da infância, ou ainda com um pé nela, a tirar a própria vida?'."


"Quando vemos a notícia do suicídio de algum famoso cantor, ator ou pessoa proeminente, também somos levados a pergunta semelhante. Olhando para a vida e morte de expoentes da cultura mundial, somos pegos de assombro com o suicídio de um gênio como ERNEST HEMINGWAI (1) que, diante do destino inescapável de todo ser vivo, assim como mostrou em todas as suas personagens, decidiu ele mesmo desarvorar de tal destino.
Pergunta recorrente: coragem ou covardia? Desespero, eu diria. A propósito, o mês de setembro foi eleito para abrigar a campanha 'Setembro Amarelo', que se dedica a conscientizar a sociedade sobre a prevenção do suicídio. Prevenção possível através do alerta e das discussões e reflexões sobre essa triste realidade.
Esta campanha foi iniciada no Brasil pelo CVV (Centro de Valorização da Vida), pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) e pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e desde 2015 vem realizando ações, como identificação de locais públicos, caminhadas, passeios ciclísticos e motorizados, para estimular a divulgação dessa causa, que tem no 10 de setembro o marco mundial para a Prevenção do Suicídio."

"A RESPONSABILIDADE DA ESCOLA"

"O assunto é amplo, pode e deve ser abordado sob diversos olhares, como as questões filosóficas que o cercam, as questões psicológicas que o permeiam, o olhar sociológico que pretende  circunscrevê-lo e a abordagem da saúde pública que se propõe a diagnosticá-lo e preveni-lo. É evidente que, em se tratando do aumento acentuado de ocorrências em indivíduos em idade escolar, a escola e a educação como um todo sentam-se à mesa com todas as especialidades já citadas, para tentar de todas as formas proteger o bem mais precioso da humanidade: o seu próprio futuro.
As estatísticas trazem dados alarmantes de uma verdadeira epidemia de suicídio, com um aumento substancial entre jovens e adolescentes, sendo, segundo o Ministério da Saúde, a quarta causa de mortes nessa faixa etária (15 a 29 anos) entre os anos de 2011 e 2015 no Brasil."


"Segundo o próprio Ministério da Saúde, alguns dados nos dão indícios sobre possíveis causas e, principalmente, sobre traços indicativos de possíveis vítimas. Por exemplo, homens são a esmagadora maioria dos suicidas, respondendo por quase 80% das vítimas, ainda que as mulheres sejam a maioria entre os indivíduos que tentaram o suicídio.
Entrando pelo viés filosófico, indivíduos viúvos, solteiros e divorciados respondem por 60,4% das vítimas, indício de que questões ligadas à socialização podem ser preceptoras da busca de uma fuga desesperada de uma situação de insuportável isolamento. Aqui estamos no campo da filosofia, onde a questão principal diz respeito à busca incansável pela felicidade. Essa é a busca premente e que dita as escolhas humanas, desde as mais simples e cotidianas até as mais complexas, que podem mudar a vida ou acabar com ela.
É na busca da felicidade que sujeitos traem, é na busca da felicidade que desvios de caráter se afloram e também é na busca de uma felicidade talvez inalcançável, na busca da fuga da vida, que até então aparentemente não valeu a pena, e na certeza da morte reside a garantia de que qualquer nova realidade é melhor do que até então se fez presente. Pode parecer óbvio, mas a desesperança é o grande combustível que leva alguém à esperança de que qualquer situação é melhor do que continuar na busca do insucesso que lhe trouxe até aqui."


"Miriam Rosa dos Santos, psicóloga, psicanalista, mestre e doutoranda em Psicologia Social pela USP, acredita que o grande problema está na construção do vínculo. 'Pensamos a adolescência como uma fase desconectada da infância. A adolescência requer uma certa solicitude, porque tem a ver com a descoberta. Mas pode virar isolamento se não se construir vínculos com os pais. E é nesse isolamento que os fantasmas crescem', pondera. Ela aponta também as grandes cobranças como um dos fatores determinantes. 'Essas cobranças podem vir da família, da própria escola, do meio social em que vive. As relações humanas estão mais fragilizadas, aumentando esse fenômeno do suicídio', diz."


"Santos defende a prevenção e o debate na escola: 'O papel da escola não pode ser meramente intelectual. É preciso que tenha, também, laços afetivos. Se isso não acontece assertivamente em família, que seja realizado na escola, que a escola desenvolva a inteligência emocional de seus alunos'.
Ainda no campo da filosofia, o suicídio é a solução que parece a mais coerente, para aproximar o indivíduo do seu ideal de completude. Acalme-se. Isso também é uma fuga, ao meu ver, mas não é sem motivo que indivíduos dotados de dons transcendentais na literatura, na música, nas artes, na política, na oratória, no cinema ou na ciência estão entre as vítimas desse mal. Sim, estes são mais notórios, mais notados, e o fenômeno se repete entre talentosos anônimos, promessas de gênios e gênios infelizes."


"BUSCA EXAGERADA DE SUCESSO CONTÍNUO"

"Como disse acima, indivíduos que têm um nível de pertencimento social baixo são mais suscetíveis a recorrer à interrupção da vida como solução a um estado de tristeza ou depressão. Neste mesmo sentido, indivíduos engajados em questões sociais, em produções coletivas que propicie relações de interdependência e relacionamentos humanos mais efetivos tendem a encarar as situações extremamente adversas, distantes de conjecturas disruptivas com a vida. Entretanto, a solução é tão grave que entre os anos de 2017 e 2018 foi registrada uma elevação significativa no índice de SUICÍDIO ENTRE PASTORES (2) evangélicos e padres."


"Em novembro de 2017, a mídia também noticiou alguns desses suicídios. Um deles, o padre Ligivaldo dos Santos, dois dias antes de sua morte, publicou nas redes sociais uma foto sua de criança com dizeres de agonia, mencionando as 'noites traiçoeiras' que atravessa e sua inclinação a se render à agonia. Situações até então impensáveis de quem se espera uma posição de proteção extrema à vida e, mais incrível ainda, a crença de que o suicídio pode condenar o praticante ao castigo eterno, pelo óbvio motivo de não haver tempo hábil para o arrependimento do ato de suprimir a própria vida.
Isso nos leva a considerar os aspectos inerentes à vida moderna, ou pós-moderna, uma vida de extrema exposição, de busca exacerbada de se demonstrar através das redes sociais, uma existência de sucesso contínuo, de dias perfeitos, após dias perfeitos, recheados e cobertos de uma felicidade infindável que, se assim fosse, levaria o indivíduo não à depressão, mas à loucura!
Por definição, a felicidade não pode ser contínua, ao preço de ser anulada, ou tornar-se um castigo contínuo. Assim, momentos de felicidade entremeados de momentos de desafio, de insucesso levam a uma vida saudável, e é assim que devemos demonstrar a vida às novas gerações, ou mesmo os indivíduos adultos que decaem depressivamente quando deparados a situações de insucesso ou desafios.
Sim, a estrada da vida é e deve ser sinuosa, com subidas e descidas, intempéries e mudanças de cenários, e não uma reta contínua com asfalto perfeito, pois essa estrada leva ao sono, à dormência, à inércia.
As relações humanas trazem desafios, e estes desafios trazem sabor à vida. É na relação dialética entre pais e filhos, entre cônjuges, que o equilíbrio tão necessário à vida boa é aprendido. E, na mesma direção, é a ditadura da felicidade que o desequilíbrio leva à instabilidade emocional, traduzida em uma infelicidade exacerbada, que justifica a fuga final. 
Assim, faz-se necessário e urgente que na escola e na família sejam cultivados valores imprescindíveis a uma vida saudável, como a resiliência, a colaboração, enfim, o autoconhecimento que leva a uma relação saudável consigo e com os outros."



"A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nos leva a trabalhar a formação integral de crianças e jovens, fomentando a aprendizagem de conhecimentos socioemocionais na mesma medida de conhecimentos científicos.
A resiliência é um valor a ser aprendido e treinado desde a mais tenra idade e que vem sendo prescindido geração após geração. Você já deve ter ouvido ou até mesmo dito a frase 'eu não quero que os meus filhos passem pelo que passei'. É evidente que devemos oferecer condições de vida cada vez melhores às novas gerações, mas o aprendizado de valores a que fomos expostos forjaram em nós e nas gerações anteriores o ímpeto de juntarmos nossas vozes à voz de NOITE ILUSTRADA (3) e cantarmos 'levanta, sacode a poeira, dá a volta por cima'.
Infelizmente nos deparamos diariamente com pais que querem superproteger suas crias e teimam em romper os casulos de aprendizagem de fora para dentro, fazendo com que os filhos não passem ritos que fortalecem e forjam futuros adultos equilibrados e preparados para enfrentar as dores que a vida apresenta.
Sim, as dores virão, e todos devemos estar preparados para enfrentá-las. Uma série televisiva retratou esta problemática de forma direta, e sugiro que pais e professores assistam a este seriado norte-americano. Na série '13 Razões' (veja o box 'Os treze porquês), a jovem estudante Hannah Baker suicida-se, mas antes deixa uma caixa com gravações sobre as treze razões que a levaram a dar cabo da própria vida. Aqui já fica mais uma dica importante. Raramente um único motivo leva um indivíduo ao suicídio.
O 'candidato' ao suicídio, seja ele jovem ou adulto, normalmente apresenta indícios, pequenos sinais atitudinais ou verbais, que apontam para uma provável busca pela interrupção do sofrimento.
Entre os inúmeros indícios, podemos elencar os seguintes: O indivíduo apresenta a sensação de falta de alternativas, desesperança ou falta de sentido para viver, o que causa um sofrimento constante. Esse sentimento leva a pessoa a verbalizar termos como 'não vejo luz no final do túnel', 'não aguento mais viver', entre outros. Aliás, um mito muito perigoso é a crença de que 'quem fala não faz nada', ou seja, quem diz que vai se suicidar não é capaz de fazê-lo."


"Outro indício é o desenvolvimento de um isolamento social progressivo, um 'desligamento' do mundo externo, que pode ser traduzido em um descuido também progressivo com a própria aparência. Da mesma forma, podem aparecer picos de alegria alternados com picos de apatia ou tristeza. Esse desligamento também pode apresentar-se uma despreocupação com a própria segurança, resultante em pequenos acidentes domésticos, por exemplo, pelo desligamento daquele senso de autoproteção e autopreservação que nos é natural. Há registros de que um indivíduo que decide suicidar-se apresenta uma 'melhoria' nos sintomas aparentes, uma vez que a solução para seus problemas já está delineada. É como se fosse a 'melhora que antecede a morte'."



"PRECISAMOS FALAR SOBRE ISSO"

"O tema também é cercado de muitos mitos e 'verdade preconcebidas', tais como o que já foi citado anteriormente ('quem diz não faz'), seguido de outra crença, de que um suicida não procura ajuda, age em silêncio. Isso normalmente não é verdade. Suicidas em potencial gritam por ajuda, o que pode estar acontecendo em nossas salas de aula ou entre pessoas do nosso convívio profissional ou particular. Existe também a impressão de que pessoas mentalmente saudáveis não cometem suicídio. É claro que pessoas com algum transtorno desenvolvem uma condição mais favorável ao suicídio, mas diante de situações desesperadoras, ou sucessivos fracassos, uma pessoa aparentemente saudável psicologicamente pode ser levada ao suicídio."


"Situações adversas, como a que aconteceu depois e durante a crise de 1929, desencadearam ondas de suicídio entre pessoas ricas e pobres, o que derruba a falácia, de que suicídio é problema de 'quem tem dinheiro', e que 'pobre' não tem tempo para pensar nisso. Também se imagina que a pessoa que sobrevive a uma tentativa de suicídio não tenta novamente. Isso não é verdade, como se constata facilmente analisando muitos casos.
Outra impressão que se tem é a de que não se deve falar sobre o assunto, para não despertar a curiosidade. Assim como o ensino da sexualidade deve ser feito de forma adequada à maturidade, a questão da preservação da vida deve ser abordada de forma adequada e responsável. Um mito recorrente é de que não há o que ser feito quando a pessoa já decidiu suicidar-se. A pessoa que se decide pelo suicídio não escolhe a morte. Na verdade, está escolhendo fugir desesperadamente de sua própria dor. Assim, trabalhar com uma perspectiva e um planejamento de vida desde cedo nas crianças tende a prevenir o suicídio.
Da mesma forma, fatores de risco já estão mapeados pela psicologia e têm entre os principais a presença de tentativas anteriores, abuso de substância química, transtornos psíquicos diversos, histórico familiar, falta de vínculos, doenças terminais e estresse continuado na vida cotidiana. Muitos casos de morte por overdose ou acidentes na verdade deveriam estar na estatística de suicídio, se os casos fossem mais bem explorados.
Por fim, e mais importante, a ajuda é possível, mesmo para leigos, afinal, enquanto você lia este texto, mais de dez pessoas tiraram a própria vida em todo o mundo, já que, estatisticamente, uma pessoa dá cabo de sua própria vida a cada 40 segundos no mundo, e o pior, a cada 1,6 segundo há uma tentativa de suicídio em todo o globo. Só no Brasil, diariamente, 30 pessoas recorrem ao suicídio POR DIA. Essa taxa é maior que a mortalidade por AIDS."


"Caso você identifique algum indício, seja direto com a pessoa, mas faça uma abordagem sem julgamento, tentando estabelecer um vínculo de confiança, e não de apontamento de fraquezas ou questionamentos, já que a pessoa encontra-se em uma situação de onde quer fugir e seguradamente vai esquivar-se de pessoas que a julguem. Assim, procure criar um 'pacto' com a pessoa, de forma que ela confie em você e saiba que é alguém a quem pode recorrer em um momento de crise. Comunique pessoas que convivem com o indivíduo, orientando com essas, mesmas medidas e, importantíssimo, procure um especialista de confiança, um psicólogo ou psiquiatra, para buscar ajuda profissional, e seja rápido.
Vamos promover o amor à vida, o desejo pelo encanto, o brilho no olhar, o planejamento de longo prazo. Sem elementos como esses, nossos jovens e o futuro da humanidade estarão cada vez mais comprometidos.
Mais do que falar em morte, devemos falar em vida! E ela é bonita, é bonita e é bonita!
Simbora!"


A matéria acima foi retirada da revista CONHECIMENTO PRÁTICO LÍNGUA PORTUGUESA - O PODER DAS METÁFORAS, págs. 58, 59, 60, 61, 62 e 63. Todos os direitos autorais são reservados exclusivamente à revista LÍNGUA PORTUGUESA e à Editora Escala.


SUGESTÃO

Abaixo, vídeo de incentivo à Prevenção ao Suicídio de Adolescentes, feito pela Educação à Distância STJ, e postado no YouTube. O idioma é o português, com legenda.


Neste outro vídeo, da reportagem do Jornal da Record, da RecordTV, é possível assistir a discussão do papel das escolas para reverter o número alarmante de suicídio de seus alunos, adolescentes. As imagens são do YouTube, e o idioma é o português.


E por último, trailer da série da Netflix, 13 Reasons Why (Os 13 Porquês), que conta a história da jovem Hannah Baker, que se suicidou e deixou fitas que indicavam o porque ela havia feito aquilo. As imagens também são do YouTube, e o idioma é o português.


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